Folha Letras - Cecília Meireles: "uma tal intimidade com a morte"
- Atualizado em 17/07/2024 08:49
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Cristiano Fagundes*
Cecília Benevides de Carvalho Meireles nasceu, no Rio de Janeiro, em 7 de novembro de 1901. Órfã de paie mãe, desde os três anos de idade, foi criada pela avó materna. No ano de 1919, estreia em livro, com a obra Espectros. Trata-se de um livro de poemas que foi bem recebido pela crítica.

Pode-se afirmar que a produção literária de Cecília Meireles é ampla, pois, conquanto seja mais conhecida como poetisa, escreveu contos, crônicas e literatura infantil.

Um dos traços fundamentais da poesia de Cecília Meireles é a sua consciência da fugacidade do tempo, da transitoriedade da vida, das coisas. A seguir, um comentário feito pela própria escritora:

“Nasci aqui mesmo no Rio de Janeiro, três meses depois da morte de meu pai, e perdi minha mãe antes dos três anos. Essas e outras mortes ocorridas na família acarretaram muitos contratempos materiais, mas, ao mesmo tempo, me deram, desde pequenina, uma tal intimidade com a Morte que docemente aprendi essas relações entre o Efêmero e o Eterno que, para outros, constituem aprendizagem dolorosa e, por vezes, cheia de violência. Em toda a vida, nunca me esforcei por ganhar nem me espantei por perder. A noção ou sentimento da transitoriedade de tudo é o fundamento mesmo da minha personalidade” (Christiano Fagundes, 2010, p.11)

Mister registrar que uma das marcas do lirismo de Cecília Meireles é a musicalidade de seus versos, com o registro de muitas aliterações. No poema “Rômulo rema”, constante da obra “Ou isto ou aquilo”, a aliteração faz-se presente: Rômulo rema no rio/A romã dorme no ramo, /a romã rubra. (E o céu). /O remo abre o rio./O rio murmura./ A romã rubra dorme/ cheia de rubis. (E o céu). / Rômulo rema no rio./ Abre-se a romã./ Abre-se a manhã./ Rolam rubis rubros do céu./ No rio,/ Rômulo rema.

A leitura oral do poema evidencia a repetição dos fonemas /R/ e /M/, cujo som lembra o movimento das águas do rio. A expressão “E o céu”, colocada entre parêntese, chama a atenção para a chegada da manhã que aparecerá nos próximos versos. “O rio murmura” sugere uma tensão entre o meio ambiente e as ações do homem em desrespeito à natureza. Trata-se de poema rico em aliteração, musicalidade, personificação, sensorialismo e ludismo. A fugacidade do tempo, com a passagem da madrugada para a manhã, também está presente. Há uma sugestão de movimento percorrendo todo o poema: “Rômulo rema no rio”; “o remo abre o rio”; “abre-se a romã/ abre-se a manhã”; “rolam rubis”.

No livro Romanceiro da Inconfidência, Cecília Meireles retoma uma forma poética de tradição ibérica, denominada romance (composição de caráter popular, escrita em redondilhas), para reconstruir o episódio da Inconfidência Mineira.

Cecília dedicou-se ao magistério primário e universitário, fez crítica literária e colaborou na imprensa, vindo a falecer em 9 de novembro de 1964.Recebeu, post mortem, o Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras, pelo conjunto de sua obra. A seguir, uma outra declaração da poetisa:

“Minha infância de menina sozinha deu-me duas coisas que parecem negativas, e foram sempre positivas para mim: silêncio e solidão. Essa foi sempre a área de minha vida. Área mágica, onde os caleidoscópios inventaram fabulosos mundos geométricos, onde os relógios revelaram o segredo do seu mecanismo, e as bonecas o jogo do seu olhar. Mais tarde, foi nessa área que os livros se abriram e deixaram sair suas realidades e seus sonhos, em combinação tão harmoniosa que até hoje não compreendo como se possa estabelecer uma separação entre esses dois tempos de vida, unidos como os fios de um pano”. (Christiano Fagundes, 2010, p.12).

A poesia está presente no cotidiano. Faz parte da vida do homem, desde os primeiros dias de vida, embalando as cantigas de ninar, perpassando pelas brincadeiras com os colegas de escola, chegando às mensagens de amor. Está presente nos momentos festivos e nos de dor.

Inspirados em Cecília, poetisa que tinha a plena convicção da efemeridade e que venceu, ainda criança, a dor da despedida, sejamos como Rômulo: rememos, pois remar é, cada vez mais, preciso. Reinventemo-nos na perspectiva de um rio iluminado pela manhã e pelo amanhã.

*Advogado. Professor universitário. Membro efetivo da ACL. Autor de 24 livros.

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