Cinema - Terror em alto mar
Ainda que não seja o primeiro vampiro da literatura, “Drácula”, de Bram Stoker, escrito em 1897, é, sem dúvidas, a maior obra sobre a criatura e certamente uma das obras literárias mais adaptadas para o cinema. Passando por tudo o que é tipo de estilo e até de gênero, o personagem faz parte do imaginário popular, sendo de fácil reconhecimento para a grande maioria do grande público.
Nesse sentido, “Drácula: A última viagem do Demeter” traz uma proposta razoavelmente diferente. O filme adapta para as telas e expande um capítulo do romance de Stoker, que narra a viagem de navio do vampiro da Romênia para a Inglaterra. Usando o diário de bordo do capitão do navio Eliot como fio condutor da narrativa, a ideia de uma tripulação presa em alto mar com uma criatura violenta e sedenta por sangue é bem interessante, por mais que já saibamos o destino final do navio e de sua tripulação.
O longa abre com um curto prólogo, que apresenta alguns membros da tripulação e mostra a carga sendo inserida no navio. O design de produção cria uma realidade suja, opressiva, bem próxima dos registros da época. O próprio Deméter é um navio sem nenhum tipo de charme, uma grande embarcação de madeira, rumo aos sete mares. O filme apresenta alguns detalhes interessantes sobre esse tipo de viagem da época, como o funcionamento interno do navio, os serviços da tripulação, como eles se alimentavam... São detalhes que enriquecem aquele universo.
Uma pena que esse cuidado não se estenda aos personagens. Nenhum deles é bem desenvolvido, nem mesmo o protagonista Clemens ganha uma boa motivação. É difícil o espectador criar qualquer conexão com ele, mesmo que alguns deles funcionem apenas como vítimas do Conde. O filme ainda introduz de forma bem conveniente, uma personagem (única mulher) que surge presa nas cargas do navio, como uma espécie de lanche de segurança do vampiro. Narrativamente, ela explica o passado da criatura, criando diversas conexões com a obra original, mas que não acrescentam muito à trama.
Seguindo a cartilha dos bons filmes de terror, Drácula vai surgindo aos poucos. A cada nova aparição, vislumbramos mais dessa sua versão. A fotografia é eficiente na construção do clima, trabalhando com névoas, silhuetas e tons azuis que remetem ao céu noturno. A escolha dos realizadores de trazer um Drácula completamente bestial, sem praticamente nenhum traço humano, fortalece a tensão e é responsável por alguns dos melhores momentos do longa.
Em termos de efeitos especiais, o filme oscila muito. Sempre que vemos o Drácula à distância, os efeitos funcionam muito bem. É uma criatura imponente, ameaçadora. Quando o filme se aproxima demais, buscando justamente trazer detalhes que remetem a um lado humano, os efeitos não entregam, prejudicando algumas dessas cenas por sua artificialidade.
Essa premissa da situação limite, com os tripulantes presos em alto mar com a criatura, é interessante, mas o filme se prende somente nesse embate, se provando um exemplar de terror genérico. Buscando uma possível construção de franquia, o longa ainda tem uma desnecessária e deprimente cena final, que parece muito uma decisão de executivo, tamanha a dissonância frente ao que foi apresentado.
“Drácula: A última viagem do Demeter” é um filme de premissa interessante, com algumas boas ideias e uma parte técnica bem realizada, mas que naufraga em um roteiro preguiçoso e pouco ambicioso. É uma versão do Drácula que, se muito, será lembrada pelo seu visual, mas que não acrescenta nada na relação do personagem com a sétima arte.