Arthur Soffiati - O manguezal do rio Paraíba do Sul (I)
No período colonial do Brasil, a capitania de São Tomé/Paraíba do Sul e parte da capitania de São Vicente formaram a capitania do Rio de Janeiro em torno da bacia do Paraíba do Sul. No período imperial, a capitania passou a ser província do Rio de Janeiro, e, na república, deu origem ao estado do Rio de Janeiro. Sendo o maior rio do território, era de se esperar que se devolvesse um grande manguezal em sua foz/estuário.
Antes das muitas intervenções humanas efetuadas na bacia, o Paraíba do Sul desembocava no mar pelos braços de Atafona e de Gargaú. Em tempos de cheia, eram acionados os braços de Gruçaí e Iquipari pelo defluente Água Preta ou Doce, que alcançava o rio Iguaçu, por onde também defluía. Em todas as saídas para o mar, plantas de mangue se enraizaram.
Nos braços de Gargaú e Atafona, sempre abertos até passado recente, o manguezal assumiu porte maior na margem esquerda do canal de Atafona. As quatro espécies típicas de mangue no Sudeste/Sul do Brasil desenvolveram-se: as duas espécies de siribeira (“Avicennia schaueriana” e “A. germinans”), o mangue vermelho (“Rhizophora mangle”) e o mangue branco (“Laguncularia racemosa”). O grande volume de água doce do rio Paraíba do Sul permitiu que espécies não-exclusivas de manguezal também se enraizassem. A grande população de aninga (“Montrichardia linifera”) confere ao delta do rio um aspecto amazônico. Essa planta faz parte da família das aráceas, sendo o Paraíba do Sul considerado seu limite meridional de distribuição. Pesquisas recentes mostraram que ela está presente na lagoa de Gruçaí, muito provavelmente por integrar o grande delta do rio em tempos de cheia (MACIEL, Norma Crud e SOFFIATI NETTO, Aristides Arthur. “Novos limites para a distribuição geográfica de ‘Avicennia germinans’ (L.) Stern Avicenniaceae e ‘Montrichardia arborecens’ (L.) Schott Araceae, no Rio de Janeiro, Brasil”. “Anais do IV Simpósio de Ecossistemas Brasileiros”, vol. IV. Águas de Lindóia: Aciesp, 1998). Essa espécie também foi encontrada em Maricá, embora em processo de extinção local.
Além dessas espécies, há outras associadas, como a guaxuma ou algodoeiro-da-praia (“Hibiscus pernambucensis”), o mololô (“Annona glabra”), o rabo-de-galo (“Dalbergia ecastophyla”), a amendoeira (“Terminalia catappa”), o jamelão (“Syzygium cumini”) e até a casuarina (“Casuarina sp.”). Um levantamento florístico sistemático deste manguezal ainda não foi feito. Há alguns trechos ainda bem protegidos no seu interior, como o riacho dos Macacos, cujo nome é sintomático do animal que outrora deve tê-lo habitado. Há também ainda considerável diversidade de invertebrados, crustáceos, peixes, anfíbios, répteis (Wied-Neuwied registra grande número de jacarés-de-papo-amarelo — “Caiman latirostris”, ¬— ainda encontrado com certa frequência), aves e mamíferos (quanto a esta classe, fala-se muito no guaxinim e na capivara). Da mesma forma, um levantamento faunístico se torna premente, visto que são sobremodo escassos os estudos acerca deste ecossistema.
O manguezal da foz do rio Paraíba do Sul é o maior em área e o mais maduro de todos quantos se encontram na restinga de Paraíba do Sul. Apesar de sua destruição, pode ser considerado um dos maiores do estado do Rio de Janeiro. Afinal, o rio que o alimenta é o maior a cruzar o território estadual. Trata-se de um manguezal ribeirinho com um traço de manguezal de franja pela classificação de Cintrón, Lugo e Martínez (CINTRÓN, G.; LUGO, A. E.; e MARTÍNEZ, R. “Structural and functional properties of mangrove forests. A Symposium Signaling the Completion of the ‘Flora of Panama’”. Monographs in Systematic Botany. Missouri: Botanical Garden, 1980).
De longa data, esse manguezal tem sido fonte de recursos para os povos nativos da região e para coletores e pescadores do período colonial. Dos naturalistas europeus que por ele passaram, apenas Maximiliano de Wied-Neuwied deu notícia a seu respeito, nos seguintes termos: “Permanecemos dois dias em S. João para preparar nosso jacaré, o que nos ocupou um dia inteiro. Após terminarmos essa operação, retomamos a viagem. O juiz nos cedera quatro grandes canoas e os canoeiros para o transporte de bagagem pelo Paraíba. O vento agitava tanto a superfície do rio, que canoas pequenas correriam o risco de virar. Ouvíamos constantemente o rumor do oceano, quando, longe, rio abaixo, remávamos em redor de uma ilha coberta de linda vegetação. Aí, entre outras, medrava uma bela Cleome herbácea, com cachos de grandes flores branco-amareladas, de estames purpurinos: uma malvácea, de doze a quinze pés de altura, flores grandes amarelo-pálidas e folhas cordiformes; a aninga, espécie notável de Arum de caule comprido (‘Arum liniferum’, Arruda), frutos ovais e flor esbranquiçada [...] A seguir, atravessamos o segundo braço do rio, remando, então, por um pequeno canal, entre duas ilhas, cujas águas, ensombradas de todos os lados pelas florestas altaneiras, são quase estagnadas, motivo pelo qual cheias de jacarés. Enquanto a canoa avançava devagar, não tirávamos os olhos deles. As raízes descobertas e arqueadas do Conocarpus e da Avicennia, emergindo dos troncos a considerável altura, formavam na margem estranho emaranhado. Vimos, entre essas raízes, por vezes, sobre velhos troncos de árvores e pedras da margem, jacarés aquecendo-se ao sol. Minha espingarda estava sempre carregada para eles, mas não tive nenhuma oportunidade de atirar. A canoa muitas vezes balançava, e, antes que retomasse o equilíbrio necessário a uma boa pontaria, o animal mergulhava de novo. Na saída do canal, observamos, nas praias das ilhas, muitos dos martins-pescadores azulados (‘Alcedo alcyon’, Linn.); viam-se, também, grande número de aves muito parecidas com o nosso corvo-marinho (‘Carbo cormoranus’), mas eram bem ariscas.” (WIED-NEUWIED, Maximiliano de. “Viagem ao Brasil”. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1989).
Um relatório da Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente salienta que este manguezal é importante do ponto vista florístico porque, distintamente dos que ocorrem mais ao sul, a espécie de “Avicennia” que domina nele não é a ”A. schaueriana”, mas a “A. germinans”, constituindo-se, até àquela época, no limite meridional de distribuição de tal espécie. Assinala também a ocorrência de uma arácea abundante na parte do manguezal com influência maior de água doce e pouco comum em manguezais. A foz do Paraíba do Sul seria também o limite sul desta espécie em tal ecossistema (FEEMA. “RT 1123 – Relatório técnico sobre manguezal”. Rio de Janeiro: Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente, 1980).