No fundo da loja, largado pela força do vento que o levara, um envelope jazia no vão entre o armário e a parede.
Não fosse um armário daqueles que nunca são tirados do lugar, não fosse uma parede tão pouco requisitada a ponto de nunca ser vasculhada com esmero, talvez o esquecimento não fosse.
A pilha de correspondências recebidas era um amontoado de propagandas talões boletos carnês cartas bilhetes, todos em formatos papéis cores selos de diferentes tipos, deixados sobre a mesa, sob o vento que entra pela vidraça esquerda sempre que a árvore da rua range.
Papel perdido, informação pretérita. A briga ficou por isso. Um acusou. O outro não respondeu - exceto pelo envelope lançado pelo vento. O dito foi consumado pelo suposto não dito.
E a palavra escrita, não lida, esquecida, fez cristalizar as convicções, pois o silêncio, quando não acompanhado, é um intransigente catalisador de fissuras.
Suposições para cada lado, cada um tem certeza de que sabe quando tudo se perdeu - na lacuna diante da acusação ou na indiferença diante da resposta.
Como um pequeno traço escondido, capaz de resolver todo o enigma, a carta permanece irresoluta a amparar teias de aranha e tufos de poeira pouco a pouco inseridos naquele diminuto espaço, qual peças tétricas que se amontoam para contar a história de uma fase.
A carta, por mais fina que fosse, demarcava o afastamento provocado pela alegoria do destino. Para ambos os lados, melhor assim.
*Ronaldo Junior tem 28 anos, é carioca, bacharel em Direito, licenciado em Letras e escritor membro da Academia Campista de Letras, instituição da qual é o atual presidente.