Pé brusco no freio, impacto contra o volante, olhares desesperados, estrondo no chão.
O prédio que caía no meio da rua poderia ter caído sobre seu carro. Poderia, sob os escombros esquecidos, ter virado apenas um pedaço de tijolo ou concreto ou madeira ou janela. Uma coisa que se mistura para erguer uma construção.
Mas estava ali, pensando no que poderia ter acontecido no relance instantâneo do que passou, ainda na névoa poeirenta que vendava a rua, com o estrondo que se dispersava, mas que permanecia a ecoar pelos arredores encobertos.
Caiu a história de uma família. Caiu um pedaço do centro da cidade que era também centro de negócios e memórias e interesses e atenções e trajetos. Caiu um pedaço - caco sobre caco - dos tantos prédios que formam a cidade. Caiu mais que um tijolo, uma viga, uma janela carcomida. Caiu uma história inteira que só o Google Maps vai contar, congelado no tempo passado, borrando rostos e placas, como se aquele prédio fosse uma espécie de realidade virtual, dessas efêmeras que passam quando rolamos o feed.
Pessoas se amontoavam para fotografar. Sensacionalistas filmavam para compartilhar nas redes sociais. O prédio caído era, antes de memória, um clique passado. Desses que esquecemos depois de clicar.
Atrás, o trânsito começava a ficar tumultuado. Carros se enfileiravam enquanto pessoas saíam para ver o que estava acontecendo imediatamente após a curva. Mas aquele primeiro carro permanecia na perplexidade, imóvel, como se tivesse sido atingido pela memória de quem colocou suor e força para construir a obra decadente.
Dois guardas surgiram para tentar organizar o que se passava. Começavam a afastar os curiosos, com medo de um novo desabamento. Tudo dependia de laudos, inspeções, palavras da defesa civil, fechamento da rua para retirada dos escombros, interdição da área para avaliação dos prédios laterais.
Passada a perplexidade do solavanco, um pensamento prático. Não perdi nada com isso, não era meu. Deu de ombros enquanto subia com o carro na calçada indicada pelo guarda e ia seguir sua vida. Deixava ali, porém, um importante capítulo da casa que não perdera só porque não habitava.
Mas o esquecimento, talvez ignorasse, também é uma forma de perda.
*Ronaldo Junior tem 28 anos, é carioca, bacharel em Direito, licenciado em Letras e escritor membro da Academia Campista de Letras. www.ronaldojuniorescritor.com