Expectativas, hesitações e o realismo extremo de Guerra Civil
Há expectativas para quem vai ao cinema ver Guerra Civil (direção e roteiro de Alex Garland, produção A24), e a principal, ao menos para o público brasileiro, reside na atuação de Wagner Moura como um dos protagonistas do longa, onde vive Joel, repórter da Reuters. Para quem espera a entrega do ator, a expectativa é atendida. Para quem busca um filme de guerra bem escrito e amarrado, talvez saia da sessão tão hesitante quanto o filme.
A hesitação de Garland, que assina direção e roteiro, pode parecer imparcialidade, mas é conformismo cinematográfico. Não há problema algum em um filme não apresentar respostas; pelo contrário. Cinema, como outras artes, cumprem bem seu papel quando promovem debate e instigam mais perguntas do que respostas fáceis. Mas Guerra Civil acaba respondendo essas perguntas mesmo querendo não fazê-lo — hesitando em deixar o espectador incomodado.
O filme é um road movie, ambientado nas estradas devastadas de um Estados Unidos distópico que vive uma violenta guerra interna contra um governo ditatorial. A viagem que os protagonistas levam o espectador termina em Washington DC, mais especificamente na Casa Branca, onde a experiente jornalista Lee (Kirsten Dunst) e seu colega Joel (Wagner Moura) iriam fazer uma entrevista bombástica (literalmente) com o presidente.
O filme faz um tributo ao jornalismo de guerra, reforçando a importância de ter profissionais cobrindo conflitos in loco, e coragem e do senso de missão que eles assumem. Lee e Joel percebem essa “missão” de formas diferentes. Enquanto Lee está visivelmente esgotada e sofrendo as consequências psicológicas de presenciar por anos todo tipo de violência, Joel está ansioso para a próxima.
Para dar alívio cômico (que são bem poucos) e trazer para quem está na cadeira do cinema uma sensação de cuidado e identificação, dois outros personagens entram no enredo: Sammy (Stephen McKinley Henderson) e a novata Jessie (Cailee Spaeny), que cumprem muito bem esses papéis.
Sammy é um veterano correspondente do The New York Times (do que restou dele) e mesmo idoso e fora de forma física, mostra que está completamente ativo no fazer jornalístico investigativo, de contato com as fontes e na capacidade de entender o jogo para informar. Jessie — com atuação marcante de Spaeny, que viveu Priscilla Presley no filme homônimo de Sofia Coppola, lançado em 2023 — é a novata com ânsia de aprender com os mestres e pronta para viver as experiências que poderiam deixá-la mais próxima deles.
O conflito geracional entre Lee e Jessie é o pano de fundo que o diretor encontrou para discutir o papel do jornalismo em condições normais de temperatura e pressão e em situações extremas. Em um dos diálogos mais interessantes do filme, ambientado na arquibancada de um estádio utilizado como campo de refugiados, as personagens reconhecem pontos em comum em suas trajetórias, e um deles dizia respeito aos pais delas que estavam morando na área rural dos EUA como se nada estivesse acontecendo no restante do país. Mesmo não respondendo diretamente através dos personagens, o filme não se furta em mostrar que enquanto alguns se omitem, outros se arriscam para resolver o problema.
O filme tenta não criar mocinhos e bandidos, e tenta humanizar todos os personagens, principalmente com Joel, em alguns momentos de imaturidade e bebedeira. Mas hesitou em incomodar, não abriu as feridas das causas de uma guerra civil que sempre tem dois lados, pelo menos.
Mas não se furta de usar a violência. Em tomadas bastantes reais com sons de tiros e explosões mais altas que o normal para o cinema tradicional — com direito a expressões de desespero em tomadas bastante reais de Moura e Spaeny —, o road movie se transforma em um filme de guerra perturbador, principalmente com a aparição de Jesse Plemons (marido de Kirsten Dunst que fez uma ponta rápida e aterrorizante no filme) vivendo um perverso guerrilheiro enterrando uma pilha de mortos.
Apesar das hesitações e perguntas respondidas sem querer, o diretor foi muito feliz quando introduziu um diálogo que escancara a burrice de uma guerra, de qualquer guerra.
Há expectativas para quem vai ao cinema ver Guerra Civil (direção e roteiro de Alex Garland, produção A24), e a principal, ao menos para o público brasileiro, reside na atuação de Wagner Moura como um dos protagonistas do longa, onde vive Joel, repórter da Reuters. Para quem espera a entrega do ator, a expectativa é atendida. Para quem busca um filme de guerra bem escrito e amarrado, talvez saia da sessão tão hesitante quanto o filme.
A hesitação de Garland, que assina direção e roteiro, pode parecer imparcialidade, mas é conformismo cinematográfico. Não há problema algum em um filme não apresentar respostas; pelo contrário. Cinema, como outras artes, cumprem bem seu papel quando promovem debate e instigam mais perguntas do que respostas fáceis. Mas Guerra Civil acaba respondendo essas perguntas mesmo querendo não fazê-lo — hesitando em deixar o espectador incomodado.
O filme é um road movie, ambientado nas estradas devastadas de um Estados Unidos distópico que vive uma violenta guerra interna contra um governo ditatorial. A viagem que os protagonistas levam o espectador termina em Washington DC, mais especificamente na Casa Branca, onde a experiente jornalista Lee (Kirsten Dunst) e seu colega Joel (Wagner Moura) iriam fazer uma entrevista bombástica (literalmente) com o presidente.
O filme faz um tributo ao jornalismo de guerra, reforçando a importância de ter profissionais cobrindo conflitos in loco, e coragem e do senso de missão que eles assumem. Lee e Joel percebem essa “missão” de formas diferentes. Enquanto Lee está visivelmente esgotada e sofrendo as consequências psicológicas de presenciar por anos todo tipo de violência, Joel está ansioso para a próxima.
Para dar alívio cômico (que são bem poucos) e trazer para quem está na cadeira do cinema uma sensação de cuidado e identificação, dois outros personagens entram no enredo: Sammy (Stephen McKinley Henderson) e a novata Jessie (Cailee Spaeny), que cumprem muito bem esses papéis.
Sammy é um veterano correspondente do The New York Times (do que restou dele) e mesmo idoso e fora de forma física, mostra que está completamente ativo no fazer jornalístico investigativo, de contato com as fontes e na capacidade de entender o jogo para informar. Jessie — com atuação marcante de Spaeny, que viveu Priscilla Presley no filme homônimo de Sofia Coppola, lançado em 2023 — é a novata com ânsia de aprender com os mestres e pronta para viver as experiências que poderiam deixá-la mais próxima deles.
O conflito geracional entre Lee e Jessie é o pano de fundo que o diretor encontrou para discutir o papel do jornalismo em condições normais de temperatura e pressão e em situações extremas. Em um dos diálogos mais interessantes do filme, ambientado na arquibancada de um estádio utilizado como campo de refugiados, as personagens reconhecem pontos em comum em suas trajetórias, e um deles dizia respeito aos pais delas que estavam morando na área rural dos EUA como se nada estivesse acontecendo no restante do país. Mesmo não respondendo diretamente através dos personagens, o filme não se furta em mostrar que enquanto alguns se omitem, outros se arriscam para resolver o problema.
O filme tenta não criar mocinhos e bandidos, e tenta humanizar todos os personagens, principalmente com Joel, em alguns momentos de imaturidade e bebedeira. Mas hesitou em incomodar, não abriu as feridas das causas de uma guerra civil que sempre tem dois lados, pelo menos.
Mas não se furta de usar a violência. Em tomadas bastantes reais com sons de tiros e explosões mais altas que o normal para o cinema tradicional — com direito a expressões de desespero em tomadas bastante reais de Moura e Spaeny —, o road movie se transforma em um filme de guerra perturbador, principalmente com a aparição de Jesse Plemons (marido de Kirsten Dunst que fez uma ponta rápida e aterrorizante no filme) vivendo um perverso guerrilheiro enterrando uma pilha de mortos.
Apesar das hesitações e perguntas respondidas sem querer, o diretor foi muito feliz quando introduziu um diálogo que escancara a burrice de uma guerra, de qualquer guerra.
Em uma das paradas da estrada até DC, o grupo de jornalistas encontra dois snipers que disparavam contra uma casa abandonada, onde outro atirador atira de volta. Joel pergunta de que lado os atiradores estão e de que lado estaria o inimigo oculto no interior da casa. A óbvia resposta contraria o senso comum em um mundo polarizado: “alguém está tentando nos matar; e estamos tentando matá-los”.
Trata-se de um filme sobre polarização sem querer parecer estar polarizado. A expectativa de romper com isso não foi alcançada, mas se for ao cinema buscando reflexões sobre o momento que o mundo atravessa, atuações inspiradas e um road movie de guerra de realismo extremo, verá as expectativas sendo superadas. Vale o ingresso, sem dúvida.
Leia crítica de Felipe Fernandes, publicada no blog Opiniões, de Aluysio Abreu Barbosa, aqui.
Trata-se de um filme sobre polarização sem querer parecer estar polarizado. A expectativa de romper com isso não foi alcançada, mas se for ao cinema buscando reflexões sobre o momento que o mundo atravessa, atuações inspiradas e um road movie de guerra de realismo extremo, verá as expectativas sendo superadas. Vale o ingresso, sem dúvida.
Leia crítica de Felipe Fernandes, publicada no blog Opiniões, de Aluysio Abreu Barbosa, aqui.