O que a reeleição de Bukele em El Salvador diz sobre o futuro da democracia, nas Américas e no mundo?
Para entender a ascensão de Bukele ao poder é preciso ir à sua origem. O presidente reeleito de El Salvador é um dos 10 filhos de Armando Bukele Kattán, descendente de uma família de imigrantes palestinos que chegou ao país no início do século 20. Kattán construiu um conglomerado empresarial bem sucedido, mesmo enfrentando preconceitos e leis que limitavam as atividades de cidadãos árabes, palestinos e turcos à época.
Um dos setores que Kattán atuava era a publicidade, onde justamente o filho Bukele se especializou. Quando venceu sua primeira eleição, em 2019, tinha 37 anos e foi apelidado de “presidente millennial” — imagem jovem que fazia questão de manter usando jaquetas descoladas e boné virado para trás.
Mas a principal plataforma de campanha para a reeleição de Bukele foi a segurança pública. El Salvador mantinha-se como um dos países mais violentos do mundo, em uma realidade dominada por gangues — Mara Salvatrucha, Barrio 18, Los Revolucionarios e Los Sureños.
Bukele planejou um regime de emergência para combater as gangues, que mantinham métodos de extrema violência. Classificando como terrorismo, Bukele construiu uma megaprisão de segurança máxima chamada de Cecot — Centro de Confinamento do Terrorismo.
As políticas implementadas pelo presidente deram resultado e lhe renderam enorme popularidade, mas também acusações de violações dos direitos humanos. Cerca de 70 mil pessoas — que representam 1% da população — foram detidas, e El Salvador ficou com a maior taxa de encarceramento do mundo.
“A retórica de que há um conflito inerente entre avanços em segurança pública e a preservação da normalidade democrática e dos direitos humanos é uma estratégia política recorrente na história da humanidade, e uma marca dos períodos mais sombrios da história da América Latina”, disse Letícia Haertel, mestre em Direito pela Universidade de Munique e especialista em Direito Internacional.
Perguntada se o segundo mandato de Bukele seria fruto dessa estratégia, Haertel confirmou dizendo que “poucos episódios recentes o retratam de forma tão cristalina”.
Apesar das violações que o estado de exceção do governo Bukele implementou, o autoritarismo e os ataques à democracia, a aprovação do presidente segue em alta, principalmente pelos anos que a população salvadorenha viveu sob o regime paralelo violento das gangues.
— Eleito sob uma plataforma de combate ao crime e à violência de gangues a todo custo, Bukele logo implementou uma agressiva estratégia de encarceramentos massivos e suspensão de garantias fundamentais que gerou impactos visíveis em um país que já foi considerado um dos mais perigosos do mundo. A diminuição visível da violência, aliada a uma comunicação pública marcada por distorções factuais, censura e perseguição de jornalistas e estigmatização de defensores de direitos humanos resultou na supressão de vozes que poderiam trazer à luz o fato de que segurança pública, paz, democracia e direitos humanos são conceitos que andam lado a lado. Assim, era previsível que cidadãos que cresceram sob o terror da violência de gangues buscassem preservar o que aparenta ser um verdadeiro milagre em suas vidas — complementou Letícia Haertel.
Segundo Mandato
Embora não tenha um plano de governo de acesso público, Bukele promete reforçar ainda mais a política de segurança, e atrair turistas para El Salvador.
Caso a segurança pública siga controlada, e a área encontre formas sustentáveis, o maior desafio de Nayib Bukele será a economia. A estratégia econômica do primeiro mandato se concentrou nos grandes eventos, como o concurso de Miss Universo e os Jogos Centro-Americanos e do Caribe, que foram sediados no país.
As ações concretas e o marketing publicitário deram a Bukele o título de “presidente mais popular da América Latina”, porém o estado de exceção e as controvérsias eleitorais estão a ponto de consolidar El Salvador como uma ditadura. O jornal salvadorenho “El Faro”, disse em editorial (G1) que “os próximos cinco anos apenas prometem intensificar a concentração de poder, a utilização de bens e pessoal do Estado, a opacidade, a repressão e a punição”.
A especialista em Direito Internacional vê com preocupação o futuro da democracia em El Salvador:
— Para além do previsto aumento do desmantelamento de instituições democráticas e garantias fundamentais em seu segundo mandato, a reeleição de Bukele é extremamente preocupante ao colocar sob altíssima suspeita o processo democrático em si no país. Trata-se da primeira eleição conduzida sob regime de exceção no país desde o fim da guerra civil em 1992, e foi precedida de uma desarticulação do judiciário, uma diminuição dos assentos na assembleia legislativa (o que aumenta a dificuldade de eleição de partidos menores), mudanças na lei eleitoral, dentre outras medidas que virtualmente eliminaram a possibilidade de concorrência real. Assim, é especialmente irônica a descrição de Bukele de que sua reeleição por mais de 85% dos votos é um “record em toda a história democrática do planeta”.
Chamado de “polegar da América Central”, o pequeno país banhado pelo Oceano Pacífico, El Salvador, faz fronteira com a Guatemala e Honduras. A nação salvadorenha se transformou em um caso emblemático desde a controversa reeleição do presidente Nayib Bukele, de 42 anos.
No último dia 5, Bukele se declarou vencedor das eleições em El Salvador (G1), antes da totalidade das urnas apuradas. O Tribunal Superior Eleitoral do país declarou que o partido de Bukele tinha 83% dos votos. Embora seja um político inegavelmente popular, a apuração foi obscura: o site do TSE ficou três horas fora do ar e a imprensa foi barrada da contagem preliminar.
Além dos problemas na eleição, Bukele precisou burlar a Constituição de El Salvador, que não permitia a reeleição. Para dar o verniz legal necessário, precisou cooptar o judiciário, afastando magistrados e nomeando outros. O segundo mandato de Bukele será em regime de partido único, com maioria absoluta no Congresso. No ano passado, o legislativo foi reduzido de 84 para 60 legisladores, e o número de municípios caiu de 262 para 44 .
Quem é Nayib Bukele?
No último dia 5, Bukele se declarou vencedor das eleições em El Salvador (G1), antes da totalidade das urnas apuradas. O Tribunal Superior Eleitoral do país declarou que o partido de Bukele tinha 83% dos votos. Embora seja um político inegavelmente popular, a apuração foi obscura: o site do TSE ficou três horas fora do ar e a imprensa foi barrada da contagem preliminar.
Além dos problemas na eleição, Bukele precisou burlar a Constituição de El Salvador, que não permitia a reeleição. Para dar o verniz legal necessário, precisou cooptar o judiciário, afastando magistrados e nomeando outros. O segundo mandato de Bukele será em regime de partido único, com maioria absoluta no Congresso. No ano passado, o legislativo foi reduzido de 84 para 60 legisladores, e o número de municípios caiu de 262 para 44 .
Quem é Nayib Bukele?
Para entender a ascensão de Bukele ao poder é preciso ir à sua origem. O presidente reeleito de El Salvador é um dos 10 filhos de Armando Bukele Kattán, descendente de uma família de imigrantes palestinos que chegou ao país no início do século 20. Kattán construiu um conglomerado empresarial bem sucedido, mesmo enfrentando preconceitos e leis que limitavam as atividades de cidadãos árabes, palestinos e turcos à época.
Um dos setores que Kattán atuava era a publicidade, onde justamente o filho Bukele se especializou. Quando venceu sua primeira eleição, em 2019, tinha 37 anos e foi apelidado de “presidente millennial” — imagem jovem que fazia questão de manter usando jaquetas descoladas e boné virado para trás.
Mas a principal plataforma de campanha para a reeleição de Bukele foi a segurança pública. El Salvador mantinha-se como um dos países mais violentos do mundo, em uma realidade dominada por gangues — Mara Salvatrucha, Barrio 18, Los Revolucionarios e Los Sureños.
Bukele planejou um regime de emergência para combater as gangues, que mantinham métodos de extrema violência. Classificando como terrorismo, Bukele construiu uma megaprisão de segurança máxima chamada de Cecot — Centro de Confinamento do Terrorismo.
As políticas implementadas pelo presidente deram resultado e lhe renderam enorme popularidade, mas também acusações de violações dos direitos humanos. Cerca de 70 mil pessoas — que representam 1% da população — foram detidas, e El Salvador ficou com a maior taxa de encarceramento do mundo.
Como efeito imediato, o país teve, no ano passado, o período mais seguro da história do país. Foram em média 0,4 homicídios por dia, contrastando com os dados de 2015, onde a taxa de homicídios chegou a 106,3 por 100 mil habitantes.
Democracia e Direitos Humanos X Segurança Pública
Democracia e Direitos Humanos X Segurança Pública
“A retórica de que há um conflito inerente entre avanços em segurança pública e a preservação da normalidade democrática e dos direitos humanos é uma estratégia política recorrente na história da humanidade, e uma marca dos períodos mais sombrios da história da América Latina”, disse Letícia Haertel, mestre em Direito pela Universidade de Munique e especialista em Direito Internacional.
Perguntada se o segundo mandato de Bukele seria fruto dessa estratégia, Haertel confirmou dizendo que “poucos episódios recentes o retratam de forma tão cristalina”.
Apesar das violações que o estado de exceção do governo Bukele implementou, o autoritarismo e os ataques à democracia, a aprovação do presidente segue em alta, principalmente pelos anos que a população salvadorenha viveu sob o regime paralelo violento das gangues.
— Eleito sob uma plataforma de combate ao crime e à violência de gangues a todo custo, Bukele logo implementou uma agressiva estratégia de encarceramentos massivos e suspensão de garantias fundamentais que gerou impactos visíveis em um país que já foi considerado um dos mais perigosos do mundo. A diminuição visível da violência, aliada a uma comunicação pública marcada por distorções factuais, censura e perseguição de jornalistas e estigmatização de defensores de direitos humanos resultou na supressão de vozes que poderiam trazer à luz o fato de que segurança pública, paz, democracia e direitos humanos são conceitos que andam lado a lado. Assim, era previsível que cidadãos que cresceram sob o terror da violência de gangues buscassem preservar o que aparenta ser um verdadeiro milagre em suas vidas — complementou Letícia Haertel.
Segundo Mandato
Embora não tenha um plano de governo de acesso público, Bukele promete reforçar ainda mais a política de segurança, e atrair turistas para El Salvador.
Caso a segurança pública siga controlada, e a área encontre formas sustentáveis, o maior desafio de Nayib Bukele será a economia. A estratégia econômica do primeiro mandato se concentrou nos grandes eventos, como o concurso de Miss Universo e os Jogos Centro-Americanos e do Caribe, que foram sediados no país.
As ações concretas e o marketing publicitário deram a Bukele o título de “presidente mais popular da América Latina”, porém o estado de exceção e as controvérsias eleitorais estão a ponto de consolidar El Salvador como uma ditadura. O jornal salvadorenho “El Faro”, disse em editorial (G1) que “os próximos cinco anos apenas prometem intensificar a concentração de poder, a utilização de bens e pessoal do Estado, a opacidade, a repressão e a punição”.
A especialista em Direito Internacional vê com preocupação o futuro da democracia em El Salvador:
— Para além do previsto aumento do desmantelamento de instituições democráticas e garantias fundamentais em seu segundo mandato, a reeleição de Bukele é extremamente preocupante ao colocar sob altíssima suspeita o processo democrático em si no país. Trata-se da primeira eleição conduzida sob regime de exceção no país desde o fim da guerra civil em 1992, e foi precedida de uma desarticulação do judiciário, uma diminuição dos assentos na assembleia legislativa (o que aumenta a dificuldade de eleição de partidos menores), mudanças na lei eleitoral, dentre outras medidas que virtualmente eliminaram a possibilidade de concorrência real. Assim, é especialmente irônica a descrição de Bukele de que sua reeleição por mais de 85% dos votos é um “record em toda a história democrática do planeta”.