
É preciso fazer uma diferenciação aqui: não é todo brasileiro que não gosta de Carnaval e novela que tem essa soberba infundada. Há os que não gostam mesmo, e ponto. Questão de gosto, de escolhas de vida. Mas esses não se confundem com o tipo preconceituoso da cara de nojo. São distintos.
A questão é que Carnaval e novela fazem parte da construção do Brasil, principalmente depois da redemocratização, do país que a Nova República (re) fundou com a Constituição Cidadã de 1988. Existe um caldo, um magma que forma a identidade do brasileiro, aquilo que faz que nos identifiquemos como semelhantes, parte de uma nação. Como quando se ouve o verso “quando olhei a terra ardendo…”, da música “Asa Branca”, de Luiz Gonzaga. É difícil um brasileiro que não saiba continuá-lo.
Esse magma, assim como todos, se constitui de uma fusão de sólidos, líquidos e materiais rochosos, que se fundem para formar algo com identificação; específico. Mesmo que não seja homogêneo, algo que não é mesmo a função do magma, mas sim a ideia de fundir-se em uma heterogeneidade que se identifica em alguns fatores.
A formação desse elemento da natureza se dá pela temperatura, pressão e composição. Nas relações humanas acontece o mesmo: forma-se um grupo, uma sociedade ou uma nação a partir de um equilíbrio entre esses três fatores — que nem sempre acontece de forma harmoniosa — seja na natureza ou entre humanos.
Carnaval e Religião
Mesmo o brasileiro soberbo que quer se diferenciar está sujeito aos contornos que esse “magma” cria. Um dos exemplos é a religião, e o Brasil é um país religioso, inegavelmente. Religiões predominantemente cristãs que convivem desde que os povos originários foram expulsos dessas terras, com sua cultura suprimida por um misto de catolicismo europeu e religiões de matriz africana. Em um Brasil diverso e imenso, outras tantas manifestações religiosas se apresentaram depois disso.
Sequer o Carnaval foge dessa fusão. A festa popular acontece 47 dias antes da Páscoa, que por sua vez é definida pelo equinócio vernal e pela lua cheia depois dele. Como são ciclos, Carnaval e Páscoa podem acontecer em dias diferentes a depender do ano. Esses cálculos foram definidos no “Concílio de Niceia”, no ano de 325, primeiro evento promovido pela Igreja para discutir a fé cristã.

Mas no Carnaval o Brasil mostra, principalmente nas capitais, a aceitação da mistura, da cultura miscigenada, das cores diversas, seja em religião ou ideologias. É quando o candomblé e a música negra são apresentados em avenidas com orgulho, e os tambores e fantasias coloridas fazem um balé clássico de contornos brasileiros.
Novela e cidades
Não se trata de buscar romantizar as lutas contra o racismo, ou minimizar uma das maiores desigualdades do mundo. A ideia de que tudo “acaba em festa” que o Carnaval pode trazer, tem significado muito mais relacionado a uma catarse coletiva. O próprio exagero dos dias de festa demonstram o caráter libertador de situações opressoras.
Situações que são tão visíveis nas cidades brasileiras quanto a alegria exagerada do Carnaval. A urbanização brasileira, como foi feita historicamente e como se consolidou, é a causa de muitos dos problemas que o país enfrenta. Segurança, saúde, educação e transporte são os principais.
A novela, outro traço cultural que o Brasil cultiva, costuma se popularizar quando traz em seu enredo as ramificações da vida na cidade, ou as dicotomias entre o campo e a urbanização.
Assim como o cinema teve papel preponderante na sociedade americana, a novela se transformou em um espelho, uma dramatização de apelo emocional e representativa. Os tipos retratados na teledramaturgia serviram como forma de entendimento da realidade social no Brasil, assim como os alívios cômicos foram usados como 'anestesiamento'.
Gole de cachaça
A brasilidade foi interrompida pela história conturbada do país, algumas vezes. Sucessivos golpes de Estado, ditaduras, uma democracia de pouca participação cidadã e a manutenção de um problema crônico na segurança pública.

Não há como fugir desses elementos sendo brasileiro. Mesmo o pedante preconceituoso está sujeito às consequências — boas e ruins — dessas culturas miscigenadas. Os brasileiros típicos, os excluídos, os abastados, os sulistas e nordestinos, o carioca, o paulista, e tantos outros são estereótipos de uma mesma construção social.
Na ambientação do malandro, os botecos e a cachaça são também personagens desse drama social, onde a marginalização é cultural e impositiva. A cachaça, um produto brasileiro de exportação, oriundo da cana-de-açúcar cultivada por aqui há mais de quatro séculos, concentra muitos simbolismos, que dialogam fortemente com o Carnaval, as novelas e as religiões.
Para qualquer brasileiro, quer ele queira ou não (mesmo com cara de nojo), a imposição do convívio com os elementos que a cultura nacional introjetou é evidente. O Carnaval paralisa o país, e muitos dizem que apenas depois da folia começa verdadeiramente o ano.
Em um Brasil que “a gente vai levando de teimoso e de pirraça”, é preciso sempre “segurar o rojão”, seja qual for a classe social. Porém, para a maioria resta somente “a cachaça de graça que tem que engolir”. Entre arte, cultura, desigualdades e preconceitos, o Carnaval tem sempre seu fim, mas também seus recomeços.
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Edmundo Siqueira
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