Lula, o discurso do esquecimento e a incapacidade de lidar com o presente
A vitória de Lula em 2022 — por pouco mais de 2 milhões de votos — demonstrou que seria preciso um governo de coalizão, e embora seja um modelo que Lula sempre adotou, o Brasil atual difere bastante da realidade de seus dois últimos governos (2003-2011). Porém, Lula parece esquecer essas condições em alguns momentos.
Lula recebeu um país cindido, para além da polarização saudável de qualquer democracia. A partir de 2013 foi profundamente alterada não apenas a forma de votar, se transformando essencialmente em binarismo, mas também a sociedade brasileira foi assumindo uma postura de polarização com contornos emocionais e de identidade.
Os grupos políticos majoritários — bolsonarismo e lulismo — representam não apenas decisões eleitorais, mas definem identidade. Pautas como armas, aborto, igualdade de gênero, e outras relacionadas aos costumes, fazem parte de um combo ideológico que determina quem o eleitor é no mundo, qual sua visão sobre outros temas, e principalmente definem sua participação ou não em um grupo; definem o pertencimento.
Antes de 2013, isso não acontecia.
Os movimentos de rua que ficaram conhecidos como as Jornadas de Junho, em 2013, contraditoriamente resultaram em um fortalecimento da antipolítica. Com pautas difusas e falta de lideranças orgânicas, o movimento foi gradativamente sendo absorvidos por grupos organizados, como MBL, o Vem pra Rua, e outras siglas de perfil ideológico conservador.
Depois das Jornadas e de suas contradições, o Brasil apresentou uma instabilidade crescente. Com o agravamento da crise de representatividade e da demonização da classe política, o judiciário passou a ser chamado para intervir em relações que antes ficavam restritas ao mundo político, principalmente com a Operação Lava Jato.
Com a Lava Jato em curso e um impeachment em 2016, a crise econômica se agravou. Pela primeira vez na história do país o PIB recuou durante 11 trimestres seguidos até dezembro de 2016. Segundo dados do Governo Federal, a renda per capita caiu 9,3% de 2014 a 2016, o desemprego aumentou significativamente até atingir mais de 14 milhões de pessoas (13,8% da população economicamente ativa) em março de 2017, e a inflação chegou a superar dois dígitos. A dívida pública saltou de 54% do PIB em 2014, para 70% em 2016.
O que o PT chama de “golpe” foi o expulsamento político de uma presidente que permitiu duas condições incompatíveis com a permanência no cargo: crise econômica gravíssima e perda de apoio total no Congresso. A situação era insustentável, e o impeachment, como remédio político, foi a solução encontrada.
A questão é que a “solução” não veio acompanhada de melhora econômica, tampouco de equilíbrio institucional. A prisão de Lula em 2018 coroou o ódio ao PT de parte significativa da sociedade, formada essencialmente pela classe média que quebrou no governo Dilma. O resultado das eleições de 2018 não poderia ter sido diferente.
Além da aversão ao PT, o esfacelamento do PSDB também pela Lava Jato e a condição econômica construíram uma eleição onde quem conseguisse vocalizar melhor o antipetismo, a anti-esquerda e todo ódio produzido e incentivado, ganhava.
Lula recebeu um país cindido, para além da polarização saudável de qualquer democracia. A partir de 2013 foi profundamente alterada não apenas a forma de votar, se transformando essencialmente em binarismo, mas também a sociedade brasileira foi assumindo uma postura de polarização com contornos emocionais e de identidade.
Os grupos políticos majoritários — bolsonarismo e lulismo — representam não apenas decisões eleitorais, mas definem identidade. Pautas como armas, aborto, igualdade de gênero, e outras relacionadas aos costumes, fazem parte de um combo ideológico que determina quem o eleitor é no mundo, qual sua visão sobre outros temas, e principalmente definem sua participação ou não em um grupo; definem o pertencimento.
Antes de 2013, isso não acontecia.
Os movimentos de rua que ficaram conhecidos como as Jornadas de Junho, em 2013, contraditoriamente resultaram em um fortalecimento da antipolítica. Com pautas difusas e falta de lideranças orgânicas, o movimento foi gradativamente sendo absorvidos por grupos organizados, como MBL, o Vem pra Rua, e outras siglas de perfil ideológico conservador.
Depois das Jornadas e de suas contradições, o Brasil apresentou uma instabilidade crescente. Com o agravamento da crise de representatividade e da demonização da classe política, o judiciário passou a ser chamado para intervir em relações que antes ficavam restritas ao mundo político, principalmente com a Operação Lava Jato.
Com a Lava Jato em curso e um impeachment em 2016, a crise econômica se agravou. Pela primeira vez na história do país o PIB recuou durante 11 trimestres seguidos até dezembro de 2016. Segundo dados do Governo Federal, a renda per capita caiu 9,3% de 2014 a 2016, o desemprego aumentou significativamente até atingir mais de 14 milhões de pessoas (13,8% da população economicamente ativa) em março de 2017, e a inflação chegou a superar dois dígitos. A dívida pública saltou de 54% do PIB em 2014, para 70% em 2016.
O que o PT chama de “golpe” foi o expulsamento político de uma presidente que permitiu duas condições incompatíveis com a permanência no cargo: crise econômica gravíssima e perda de apoio total no Congresso. A situação era insustentável, e o impeachment, como remédio político, foi a solução encontrada.
A questão é que a “solução” não veio acompanhada de melhora econômica, tampouco de equilíbrio institucional. A prisão de Lula em 2018 coroou o ódio ao PT de parte significativa da sociedade, formada essencialmente pela classe média que quebrou no governo Dilma. O resultado das eleições de 2018 não poderia ter sido diferente.
Além da aversão ao PT, o esfacelamento do PSDB também pela Lava Jato e a condição econômica construíram uma eleição onde quem conseguisse vocalizar melhor o antipetismo, a anti-esquerda e todo ódio produzido e incentivado, ganhava.
Jair Bolsonaro conseguiu.
O discurso do esquecimento
“Em 2016, quando veio o golpe contra nossa querida companheira presidente Dilma, que hoje exerce a graça função de ser a presidenta (sic) do Banco dos Brics (Novo Banco do Desenvolvimento). Esses dias, ela vinha de 1º classe para o Brasil e uma fascista, que estão em todo lugar, foi tentar dizer para ela: ‘hum…a senhora está andando na 1º classe?’ E ela respondeu: onde a senhora acha que banqueiro anda?”
Esse foi um dos trechos do discurso do presidente Lula dado na última quinta-feira (14), durante abertura da 4ª Conferência Nacional da Juventude, em Brasília. Lula chamou de “fascista” uma popular que questionou o fato da ex-presidente Dilma viajar de primeira classe. Disse ainda que eles, os fascistas, “estão em todo lugar”.
O “nós contra eles”, apesar de agravado no pós-2013, foi iniciado quando o PT ainda era oposição ao PSDB. Não era raro ver petistas acusar psdbistas de fascismo ou ultradireita. Mesmo o PSDB sendo um partido moderado e de mesma base social e ideológica do PT.
Assumir que um adversário político democrático é um inimigo, significa dizer que a pluralidade de ideias e a alternância de poder não serão respeitadas. Significa negar a democracia. E isso vem sendo reforçado no Brasil pela própria classe política.
O neofascismo mostrou sua face verdadeira durante o governo Bolsonaro, coroado com o 8 de janeiro. A tentativa de derrubar o regime democrático, instalando uma autocracia de um líder carismático e populista é justamente o que levou ao fascismo na história.
“Aprender a lição da importância da democracia neste país e o que aconteceu há apenas seis (na verdade o impeachment de Dilma aconteceu em 2016, portanto foram sete) anos quando perdemos o direito de exercer a democracia neste país”, continuou Lula no discurso.
Embora existam correntes que vêem o impeachment como golpe, a ideia de um impedimento presidencial é eminentemente político. Cabe ao Senado, depois de autorizado por 2/3 da Câmara dos Deputados, formular a acusação (juízo de pronúncia) e proferir o julgamento.
O discurso do esquecimento
“Em 2016, quando veio o golpe contra nossa querida companheira presidente Dilma, que hoje exerce a graça função de ser a presidenta (sic) do Banco dos Brics (Novo Banco do Desenvolvimento). Esses dias, ela vinha de 1º classe para o Brasil e uma fascista, que estão em todo lugar, foi tentar dizer para ela: ‘hum…a senhora está andando na 1º classe?’ E ela respondeu: onde a senhora acha que banqueiro anda?”
Esse foi um dos trechos do discurso do presidente Lula dado na última quinta-feira (14), durante abertura da 4ª Conferência Nacional da Juventude, em Brasília. Lula chamou de “fascista” uma popular que questionou o fato da ex-presidente Dilma viajar de primeira classe. Disse ainda que eles, os fascistas, “estão em todo lugar”.
O “nós contra eles”, apesar de agravado no pós-2013, foi iniciado quando o PT ainda era oposição ao PSDB. Não era raro ver petistas acusar psdbistas de fascismo ou ultradireita. Mesmo o PSDB sendo um partido moderado e de mesma base social e ideológica do PT.
Assumir que um adversário político democrático é um inimigo, significa dizer que a pluralidade de ideias e a alternância de poder não serão respeitadas. Significa negar a democracia. E isso vem sendo reforçado no Brasil pela própria classe política.
O neofascismo mostrou sua face verdadeira durante o governo Bolsonaro, coroado com o 8 de janeiro. A tentativa de derrubar o regime democrático, instalando uma autocracia de um líder carismático e populista é justamente o que levou ao fascismo na história.
“Aprender a lição da importância da democracia neste país e o que aconteceu há apenas seis (na verdade o impeachment de Dilma aconteceu em 2016, portanto foram sete) anos quando perdemos o direito de exercer a democracia neste país”, continuou Lula no discurso.
Embora existam correntes que vêem o impeachment como golpe, a ideia de um impedimento presidencial é eminentemente político. Cabe ao Senado, depois de autorizado por 2/3 da Câmara dos Deputados, formular a acusação (juízo de pronúncia) e proferir o julgamento.
A democracia continuou sendo exercida, não houve tentativa de rompimento em 2016, como houve em 2023. Portanto, quando Lula afirma que “perdeu o direito de exercer a democracia” é falso e uma afirmação perigosa, principalmente em tempos de crise democrática. É preciso definir as coisas como elas são, de fato.
“Ainda não conseguimos voltar a quantidade de funcionário públicos que tínhamos em 2010”, disse Lula no mesmo discursos, e na mesma linha afirmou: “a gente precisa parar de acreditar quando a imprensa fala: tem muito ministro, tem muito ministro…tem pouco ministro, é preciso mais ministros para cuidar de mais assuntos neste país”.
Mais uma vez Lula parece esquecer a história recente do país. “Parar de acreditar” na imprensa, mesmo se referindo à uma especificidade, é temerário em um tempo de ataques sistemáticos ao jornalismo e de excesso de notícias falsas, as chamadas “Fake News”. Aumentar a quantidade de ministérios não é necessariamente proporcional à qualidade e eficiência do serviço público.
Em relação ao funcionalismo público, Lula acerta. O efetivo brasileiro está atrás das nações que optaram pelo Estado de bem-estar social na Europa, os servidores representam 30,2% dos trabalhadores na Dinamarca, e 29,2% na Suécia, por exemplo.
Dos 91 milhões de trabalhadores brasileiros, 11,3 milhões estão atuando no setor público, representando 12,45% do total. Nos EUA, país de alta valorização da iniciativa privada, existem 13,5% dos trabalhadores no setor público. Na média dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), os funcionários públicos são 23,48% do total de trabalhadores.
O fantasma do comunismo alimentado
“Como estou feliz hoje, na primeira vez na história desse país nós conseguimos colocar na Suprema Corte desse país um ministro comunista. Vamos politizar esse país, vamos formar novos socialistas nesse país, mais gente de esquerda”.
Continuando o discurso do esquecimento, interrompido por uma tosse rouca e um pedido de água para Janja, e se não bastasse o fortalecimento da cisão na sociedade brasileira, Lula resolveu reforçar a ideia fantasiosa da extrema-direita que há um controle comunista em curso no país.
“Ainda não conseguimos voltar a quantidade de funcionário públicos que tínhamos em 2010”, disse Lula no mesmo discursos, e na mesma linha afirmou: “a gente precisa parar de acreditar quando a imprensa fala: tem muito ministro, tem muito ministro…tem pouco ministro, é preciso mais ministros para cuidar de mais assuntos neste país”.
Mais uma vez Lula parece esquecer a história recente do país. “Parar de acreditar” na imprensa, mesmo se referindo à uma especificidade, é temerário em um tempo de ataques sistemáticos ao jornalismo e de excesso de notícias falsas, as chamadas “Fake News”. Aumentar a quantidade de ministérios não é necessariamente proporcional à qualidade e eficiência do serviço público.
Em relação ao funcionalismo público, Lula acerta. O efetivo brasileiro está atrás das nações que optaram pelo Estado de bem-estar social na Europa, os servidores representam 30,2% dos trabalhadores na Dinamarca, e 29,2% na Suécia, por exemplo.
Dos 91 milhões de trabalhadores brasileiros, 11,3 milhões estão atuando no setor público, representando 12,45% do total. Nos EUA, país de alta valorização da iniciativa privada, existem 13,5% dos trabalhadores no setor público. Na média dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), os funcionários públicos são 23,48% do total de trabalhadores.
O fantasma do comunismo alimentado
“Como estou feliz hoje, na primeira vez na história desse país nós conseguimos colocar na Suprema Corte desse país um ministro comunista. Vamos politizar esse país, vamos formar novos socialistas nesse país, mais gente de esquerda”.
Continuando o discurso do esquecimento, interrompido por uma tosse rouca e um pedido de água para Janja, e se não bastasse o fortalecimento da cisão na sociedade brasileira, Lula resolveu reforçar a ideia fantasiosa da extrema-direita que há um controle comunista em curso no país.
Embora tenha falado em tom irônico, Lula esquece o que Bolsonaro fazia questão de esquecer — ou de não entender: a importância de qualquer fala de um presidente da República e da necessária liturgia do cargo.
Dizer que Flávio Dino é comunista e que conseguiu colocar na Suprema Corte um ministro comunista, oferece a uma quantidade gigantesca de pessoas fundamento para acreditar que o comunismo ainda tem algum tipo de poder ou influência no Brasil. E em tempos de rede social, o corte de seu discurso é viralizado, e usado como arma política para um grupo que sabe manejar as redes de maneira muito eficiente e aprendeu a controlar massas com inverdades e discurso de ódio.
Lula demonstra com esse discurso que esqueceu sua missão nesse governo, que é a reconstrução democrática e institucional. E demonstra que não sabe lidar com um tempo em que o jogo político está sendo jogado principalmente nas redes sociais. Aposta na separação, no conflito e no populismo.
Essas apostas são a fórmula de um fracasso conhecido, mas nesses tempos não é arriscar apenas um governo; é arriscar a democracia.
Dizer que Flávio Dino é comunista e que conseguiu colocar na Suprema Corte um ministro comunista, oferece a uma quantidade gigantesca de pessoas fundamento para acreditar que o comunismo ainda tem algum tipo de poder ou influência no Brasil. E em tempos de rede social, o corte de seu discurso é viralizado, e usado como arma política para um grupo que sabe manejar as redes de maneira muito eficiente e aprendeu a controlar massas com inverdades e discurso de ódio.
Lula demonstra com esse discurso que esqueceu sua missão nesse governo, que é a reconstrução democrática e institucional. E demonstra que não sabe lidar com um tempo em que o jogo político está sendo jogado principalmente nas redes sociais. Aposta na separação, no conflito e no populismo.
Essas apostas são a fórmula de um fracasso conhecido, mas nesses tempos não é arriscar apenas um governo; é arriscar a democracia.
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