Algo parecido só ocorreu no Brasil em 1938, quando o movimento integralista (liderado por Plínio Salgado, de inspirações fascistas) atacou e invadiu o palácio Guanabara, então residência do presidente e sua família, no Rio de Janeiro, quando era capital da República. Apesar da história do país ser repleta de golpes e autogolpes, a invasão de domingo não tem precedentes se considerarmos que foi um ataque frontal aos três poderes, onde uma turba ensandecida destruiu tudo que viu pela frente.
A tolerância que a democracia brasileira teve com os acampamentos em frente aos quartéis — que em ampla maioria pediam que o Exército desse um golpe de estado —, com a complacência e silêncio do alto comando das Forças Armadas, permitiu que o ambiente fértil para o nascimento de grupos mais radicalizados. Laços de convivência foram criados e fortaleceu-se a ideia comum que é possível reverter um resultado democrático pela força.
Mas a invasão dos três poderes pode ter servido para afastar a direita democrática do que restou do bolsonarismo. Líderes políticos dos mais diversos espectros condenaram as ações golpistas e a pressão provocou o desmonte dos acampamentos.
Os grupos radicalizados criados não tendem a esmorecer, porém. Movimentos de rua similares ao redor do mundo terminaram com a radicalização permanente de grupos armados. Mas, essa radicalização não veio da polarização, essa natural nas democracias. Ações golpistas e de baderna no Brasil saíram do desequilíbrio causado pelo bolsonarismo no fazer político brasileiro.
Na Nova República, de 1994 a 2018 o Brasil viveu uma polarização na disputa presidencial entre PT e PSDB. O pluripartidarismo estava mais presente no legislativo, que formava o modelo de coalizão e uma espécie de representação distrital.
A derrocada do PSDB, também provocada pela permanência do PT no poder, culminou com a chegada, pela primeira vez, da extrema-direita à presidência da República. Incidental ou não, a chegada de Bolsonaro à cena política nacional acabou por converter setores da direita democrática naquela que seria a opção eleitoral mais viável para aplacar a permanência da esquerda no comando do país.
O PSDB nasce como um representante clássico da social-democracia, depois ensaia uma ida ao social liberalismo, mas acaba por tentar representar um tipo muito presente na sociedade brasileira: liberal na economia e conservador nos costumes. Mas não conseguiu. O bolsonarismo, que trouxe figuras como o ex-juiz Sérgio Moro e o “Chicago boy” Paulo Guedes, conseguiu de alguma forma representar grande parte da direita no Brasil.
Depois da versão tupiniquim da invasão ao Capitólio, no domingo, da minuta do decreto golpista encontrada na casa do ex-ministro da Defesa de Bolsonaro (agora preso), Anderson Torres, é possível que setores conservadores da sociedade e a classe média, em grande medida, perceba que o bolsonarismo se transformou, definitivamente, em algo que não os representa.
Subverter as instituições, decretar golpes de estado em um mundo globalizado, agir no constante conflito entre os poderes e as forças armadas e provocar badernas, provocam ainda mais instabilidade em um país que necessita bastante dela, e que está no limite da resistência econômica e social.
O que exige a democracia é a existência de oposição. Em autocracias e ditaduras existem governos, mas não são aceitas oposições.