Mas não apenas uma voz que confessasse algum pecado, ou enxovalho. Mas uma voz essencialmente humana. Que tivesse defeitos, sim, mas que viesse a falar de suas qualidades sem cometer vitupério. Desse tipo, rara. Na política, ainda mais.
A política é uma atividade essencialmente humana. Desgastada, vilipendiada, demonizada, e ainda com personagens beatificados sem qualquer processo diocesano. Mas até por isso, humana.
“Culpado!”. “Inocentado!”— Julgamentos parciais feitos por juízes incompetentes, muitas vezes meros espectadores que se negam a dar um voto, um único apertar de teclas em urnas, mas que se colocam na condição de julgadores da moral alheia. Fariam diferente em seus lugares, sentados em suas cadeiras?
Príncipes na vida — todos eles.
Nós, humanos, escolhemos viver na polis, desde os tempos gregos. E nelas, nas cidades, na politeia, encontramos nossa humanidade. Nos deparamos com a reles, com a latrina, com a dor e a fome.
As cidades se unem e tornam uma grande coisa. Uma res publica — uma coisa pública. Grande polis, que uma vez formada, passa a depender tanto da política — essa, essencialmente humana e indesculpavelmente vil. Os políticos passam a condição de nobreza. Irrespondivelmente parasitas, acabamos por achar deles.
Ah, quem me dera ouvir de alguém político, a voz humana. Não estão no campo da humanidade, se refugiam em palácios e se acham príncipes de principados alijados da humanidade. Mas, fariam, os plebeus das polis, algo diferente se oportunidade tivessem?
Os plebeus têm sofrido enxovalhos calados. E quando não calam, são ridículos. Mais ridículos ainda são os falsos profetas ou os sacerdotes de um clero apócrifo. Os únicos que se mantêm agachados quando o soco vem — fora da possibilidade, do soco — são os que reuniram algum dinheiro.
Os burgueses, os endinheirados, a burguesia baixa, que só tem vantagem quando esta é pecuniária. Mas que vivem a sofrer a angústia das pequenas coisas ridículas. Aprisionados à limitação intelectual e à desumanidade.
Acabam por formar microscópicas polis, cercadas por grades e guaritas. Cidades fechadas para invasores humanos, mas com casas abertas, sem qualquer muro, para os que nela vivem. Decidiam por viver assim: sem voz humana, num oco pote de ouro, que se descasca, mesmo sem oxigenar.
Onde é que há gente? Onde é que há gente no mundo?
Estão na cidade, nos plebeus que fariam igual? Estariam no clero mentiroso? Onde há gente nos covis gradeados dos ricaços? Haverá humanidade nos semi-deuses da política?
Ah, quem me dera ouvir de alguém a voz humana. Mas, mesmo após o silêncio sepulcral de ruas pandêmicas, nenhuma voz humana ecoou. Pelo contrário. Sufocou-se ainda mais os que queriam os brados, mesmo absortos, dos humanos.
Sim, estamos fartos de semideuses. Mas nos assustamos quando nos deparamos com a voz humana; mesmo ela rara e desejada! Afinal, humanos apesar de tudo? Ou renunciaremos a humanidade em nome das diferenças? Nos esconderemos em casulos gradeados?
Seremos, todos, refugiados em um mundo que já foi essencialmente e demasiadamente humano. Mas, talvez, sempre haverá uma voz humana que resistirá. E gritará.