Edmundo Siqueira
11/07/2022 14:13 - Atualizado em 11/07/2022 14:24
É preciso entender os motivos que levam uma construção histórica à evidência. Algumas vezes acontece por existir uma forte mobilização da sociedade pela sua preservação. Outras por ter, finalmente e fatalmente, caído — ou por especulação imobiliária.
No caso do Solar dos Airizes esses motivos se misturam, ainda com dois ingredientes importantes, a mais: um processo judicial transitado em julgado e tombamento federal (Iphan) desde 1940.
O casarão que fica às margens da BR-356, a caminho de Atafona — conhecido pela lenda da “Escrava Isaura” —, tem ruína anunciada há alguns anos. Em junho de 2020, processo da 3º Vara Federal de Campos transitou em julgado. Não cabem mais recursos. Na decisão, a justiça determina que a prefeitura de Campos passe a ser a responsável pelo restauro do Solar e determine seu uso.
Além de alto valor histórico cultural, o Solar dos Airizes tem uma localização estratégica: próximo ao Porto do Açu e de uma ponte que ligará Campos, São João da Barra e São Francisco. Não precisa ser especialista para perceber que um investimento ali — imobiliário, comercial ou turístico-cultural — promete retorno alto.
Em 2014 a empresa Teixeira Holzmann Empreendimentos Imobiliários, do Paraná, queria apostar nessa promessa, e iniciou negociações com a família Lamego. Não prosperaram. A prefeitura ainda não era parte interessada, pois não havia a conclusão do processo.
Especulação atual
A especulação continua. A empresa ABMais Urbanismo foi ventilada como possível (nova) compradora do Solar dos Airizes e suas terras. O apresentador da Rede Globo, Luciano Huck, teria participação no empreendimento.
Porém, representante da família Lamego, proprietária do Solar e da propriedade que o abriga, nega a informação. “Não procede. O Solar é totalmente da família e a intenção é entregá-lo ao município, para que seja usufruído por toda a sociedade”, disse.
Sobre negociações passadas e futuras, explica que as negociações com a Teixeira Holzmann “não prosperou” e que seria “para uma área de fundo, bem distante do solar”.
Sobre a ABMais confirmou que houve procura para “informações”, mas que não “há compra alguma”. Terminou dizendo:
— O solar pela sua dimensão histórica e física, não caberia em um projeto privado. Especulações nesse sentido, só servem para desviar o foco. O destino do Solar já foi definido pela justiça que aguarda o cumprimento pelo município.
Qualquer negociação que envolva hoje o Solar dos Airizes deve, necessariamente, envolver a prefeitura e o Iphan. Se não há conhecimento e aprovação de ambos, não passa de especulação. E se há interesse real, os atores devem ser transparentes. Será usado dinheiro público para favorecer investimento privado?
Consultei o Iphan, em apuração feita no primeiro dia do mês de julho, anterior ao surgimento da especulação da ABMais:
O Iphan respondeu dizendo que desconhece o assunto, informou os processos que o Solar possui dentro do órgão, e em nenhum deles há pedido de autorização para venda. Em contato hoje (11) com a empresa ABMais, representante disse que retornará com informações sobre o caso. Até esta publicação não houve retorno.
O Solar dos Airizes (badalado ou não) deve cumprir seu objetivo, descrito em seu tombamento e vocacionado por sua história: educação patrimonial. Se alguma empresa pretende se beneficiar de seu restauro, deve participar dele. Caso a promessa de ruína se cumpra, a justiça, prefeitura e o Iphan permitirão o fim de mais um patrimônio histórico em Campos. E continuaremos a especular e a lamentar, somente.