Uma guerra de informações - Rússia e Ucrânia em uma entrevista com Victor Del Vecchio
Edmundo Siqueira 19/03/2022 18:44 - Atualizado em 19/03/2022 19:09
O embaixador da Rússia no Conselho de Segurança da ONU, Vasily Nebenzya.
O embaixador da Rússia no Conselho de Segurança da ONU, Vasily Nebenzya. / Reprodução
Estamos, no Brasil, a pouco mais de sete meses para as eleições presidenciais, e não sabemos a quanto tempo do fim do conflito no leste europeu. Diz uma máxima, usualmente atribuída a Ésquilo, um dramaturgo da Grécia Antiga, que a verdade é a primeira vítima de uma guerra. Nos conflitos bélicos as narrativas importam, e as nações envolvidas dependem de seu uso para conseguir apoio — ou para aumentar a força do inimigo, quando usadas erroneamente.
Na guerra eleitoral brasileira, que desponta no horizonte, as narrativas também deverão ser determinantes. Mas na realidade que a Rússia impôs à Ucrânia desde o último dia 24, as consequências custam vidas humanas. No conflito que não tem raízes ainda mais antigas, e em qualquer outro, as informações são usadas como armas e, sendo verdadeiras ou não, influenciam nas decisões de guerra.
Além das fake-news, vivemos em tempos de pós-verdade, onde a crença pessoal do interlocutor é mais valiosa que a veracidade, mais importante que o próprio fato, os dois países, Rússia e Ucrânia, precisam convencer sua população de que ela está do “lado certo”. No caso da Ucrânia, a surpreendente resistência foi instada por um presidente que soube usar a mídia e as redes sociais. Na Rússia, Putin controla a imprensa e isola-se cada vez mais.
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O advogado e consultor em Direitos Humanos, Victor Del Vecchio, pesquisador do Observatório de Migrações de São Paulo/USP, diz que o conflito atual também é uma “guerra de informações”. Del Vecchio concede uma entrevista a este espaço e comenta sobre a primeira conflito armado entre nações "transmitido instantaneamente e nessa magnitude” da história.

Para além das narrativas, as guerras também são regidas por leis. No Direito Internacional, segundo Del Vecchio, não existe, apesar do que possa parecer, uma força acima dos países. Mas sim um esforço jurídico refletido em tratados e acordos que “dependem da adesão das nações para que ele funcione efetivamente”.
Nos estudos da Escola Ibérica da Paz a doutrina do "crime contra o gênero humano", ou "crimes contra a humanidade" surgem como instrumentos e princípios norteadores do direito internacional, que versa sobre guerra e informação, mas fundamentalmente sobre direitos humanos.
Confira a entrevista com Victor Del Vecchio:
Edmundo Siqueira - Tratados internacionais e a Carta das Nações Unidas vêm sendo violados por Vladimir Putin  repetidamente no conflito com a Ucrânia. Em tempos de guerra, a fragilidade desses documentos e acordos é exposta, e esbarram na soberania das nações. Como o direito internacional moderno pode criar efetividade para conter tais violações?
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Victor Del Vecchio - Essa é uma questão muito delicada, uma vez que é importante lembrar que não existe, no direito internacional, uma força coatora que estaria acima dos países. O grande paradoxo desse direito, inclusive, é que ele depende da adesão das nações para que ele funcione efetivamente. A Rússia, que é uma nação que tem uma posição de poder com muito destaque no cenário internacional, não só por suas questões geopolíticas, mas também pela configuração pela qual o sistema ONU se desenhou, notadamente o Conselho de Segurança, na qual a Rússia tem poder de veto, existem sim, muitas limitações. No entanto, o Direito Internacional pode servir não só para apontar formalmente, juridicamente falando, quais são as violações que são cometidas, e isso dá peso e ajuda a quantificar melhor o que vem sendo cometido e com isso medidas econômicas e políticas serem tomadas, mas também nos Fóruns Multilaterais, nos espaços de tomada de decisão, pode criar as condições para que a Rússia possa ser colocada à parte, ser colocada de escanteio.
"Com certeza o Direito Internacional olha para a comunicação como um elemento crucial. Inclusive, a própria OTAN passou a considerar a dimensão cibernética como um dos campos da guerra. Então, soma-se ao campo terrestre, aquático e espacial, nós temos também o campo cibernético, no qual a comunicação está inserida." (Victor Del Vecchio)
Edmundo Siqueira
- Em conflitos bélicos, as narrativas importam e as nações envolvidas dependem de seu uso para conseguir apoio — ou para aumentar a força do inimigo, quando usadas erroneamente. Muitas vezes essas narrativas se enquadram na pós-verdade, onde a crença pessoal do interlocutor é mais valiosa que a veracidade, mais importante que o próprio fato. O direito internacional olha para a comunicação como um elemento crucial? Existem mecanismos de controle de inverdades ou manipulações?

Victor Del Velcchio em entrevista recente na Globo News
Victor Del Velcchio em entrevista recente na Globo News / Reprodução
 
Del Vecchio - Com certeza o Direito Internacional olha para a comunicação como um elemento crucial. Inclusive, a própria OTAN passou a considerar a dimensão cibernética como um dos campos da guerra.
"Afinal, é uma guerra de informações também, basta percebermos como a opinião pública repercute também nas sanções, e em como todos os mecanismos a favor e contra a guerra são utilizados. Precisamos ressaltar também que essa é a primeira vez na história que temos uma guerra transmitida instantaneamente, e nessa magnitude" ()
Então, soma-se ao campo terrestre, aquático e espacial, nós temos também o campo cibernético, no qual a comunicação está inserida. Afinal, é uma guerra de informações também, basta percebermos como a opinião pública repercute também nas sanções, e em como todos os mecanismos a favor e contra a guerra são utilizados. Precisamos ressaltar também que essa é a primeira vez na história que temos uma guerra transmitida instantaneamente, e nessa magnitude. Já tivemos a Guerra do Golfo, como a primeira transmitida “ao vivo”, mas hoje temos em um grau muito maior, em uma dimensão muito superior, justamente pelo uso das redes sociais, que permite uma dissipação e criação de conteúdo muito mais rápida e eficaz, e perigosa do ponto de vista da criação de fake news.

Edmundo Siqueira - Brasil, EUA, Hungria, Filipinas e outros países do globo viram governantes de extrema-direita chegar ao poder. Ondas neofascistas e neonazistas surgem com certa força no cenário. Nesses fenômenos históricos requentados o nacionalismo é evidente. Estamos passando por um processo de transição que passa inevitavelmente por conflitos entre cosmopolitas e nacionalistas? A guerra na Ucrânia é reflexo desses movimentos?
Del Vecchio - Não diria necessariamente que vivemos em uma época em que exista esse conflito entre nacionalistas e cosmopolitas. Mas vivemos em uma era onde o multilateralismo e o regionalismo mostram-se em decadência, está na UTI, vemos isso com o movimento do Brexit, a Polônia falava em sair da União Europeia há pouquíssimo tempo, a ONU com problemas financeiros por falta de pagamento, os Fóruns mundiais sendo cada vez mais esvaziados, inclusive com as grandes potências tentando se regionalizar. Podemos ver isso com os EUA, sobretudo na era Trump, onde foi tirado investimento de organizações importantes, se retirou de acordos, e isso acaba a fazendo nascer nacionalismos nesse vácuo de poder.
Eu entendo que esse conflito é reflexo desses movimentos em alguma medida. Não só pelo perfil bastante expansionista e nacionalista da Rússia, que vem não apenas tentando ganhar aliados, mas também territórios, e quer garantir segurança militar através de seus aliados e outros governos. E é aí que o Zelensky entra, que em contrapartida também vem desse movimento nacionalista, na Ucrânia, onde tem em uma de suas manifestações grupos neonazistas. Não podemos caracterizar, em minha opinião, o regime ucraniano como um país ou um governo nazista. Mas ele tem flertes como neonazistas, com grupos formalmente agregados ao seu exército e ocupam governos locais.

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