Edmundo Siqueira
13/03/2022 21:40 - Atualizado em 13/03/2022 21:44
A estratégia das grandes franquias, quando estão para entrar em cartaz, é usar os fãs para fazer o trabalho de marketing. Em tempos de redes sociais massificadas, até os haters ajudam no engajamento, e cada elemento do triler divulgado é analisado minunciosamente para achar alguma pista do que vem de novo e quais personagens serão exploradas. No Batman de Matt Reeves não foi diferente. Aliás, de diferente ele tem pouco.
“The Batman” é um noir, um “romance policial de suspense”. Daqueles que a gente fala que é bom. “E o Batman?” — “É bom”. Com ponto final, sem exclamações. Mas sem dúvidas vale o ingresso — estética e trilha inspiradas, enredo bem amarrado e boas atuações. Os exageros na duração da película e no uso de uma textura primitiva acabam por deixar alguns momentos maçantes e arrastados.
A construção da Gotham City de Reeves é o ponto alto do filme. Obscura, corrupta e chuvosa, com tomadas de luminosidade bem pensadas, faz o espectador imergir na trama principal e nas paralelas. Nesses canários é que surge Zoë Kravitz interpretando uma Mulher-Gato com sensualidade e pés no chão; real e exposta. Personagem construída com maestria pela direção e atuação. A máscara, que a princípio pode parecer amadora e malfeita, logo se mostra condizente com a proposta.
Batman e Mulher-Gato rodam a Gotham de moto durante boa parte do filme, mas essas tomadas em nenhum momento entediam. É onde foi criada a tensão sexual e química entre eles. Ambas as motocicletas estilizadas com ar retrô, também sem exageros, mantendo-nos na garupa de forma deleitável.
O sempre esperado “carro do Batman” também não decepciona. Por homenagem ou inspiração, deixa um tom “Taxi Driver”, de Scorsese. Além disso, Gotham City é — sempre foi — uma alusão clara a Nova Iorque, com arquitetura industrial e com iluminação predominante de neons e telões de LED.
E essa cidade que leva “The Batman” nos apresentar aos vilões — canalhas mafiosos e policiais corruptos, Pinguim e o lunático Charada — diretamente para o estilo setentista de Scorsese. Mas também para o suspense investigativo de “Se7en”, de David Fincher, com um maníaco manipulador cometendo crimes bárbaros e deixando pistas direcionadas ao investigador. Nesse caso, Batman.
De forma proposital ou não, os “caras malvados” assumem o protagonismo da trama do primeiro ao segundo ato. Com destaque para John Turturro, que nasceu no Brooklyn e trouxe para o mafioso Carmine charme e frieza ao estilo italiano de Michael Corleone. E destaca-se também um irreconhecível Colin Farrell, que deu vida a um Pinguim assustadoramente real.
Apesar do grande vilão do filme ser o Charada, esse não atendeu as expectativas como antagonista principal. O tom excessivamente fetichista, com direito a máscaras de couro e gemidos de prazer quando matava, contrastou negativamente com uma atuação fraca de Paul Dano. Com pistas infantilizadas que foram deixadas nas cenas do crime, e os diálogos que estruturavam o jogo de palavras do vilão pueris, Charada não entrega o esperado.
Ainda é um Batman?
Mas o que mais incomoda é o Batman, propriamente dito. A escolha arriscada em Robert Pattinson, que se mostra ainda muito preso à saga Crepúsculo, vem agradando uma parcela significativa dos fãs — e trazendo novos —, mas é difícil aos acostumados com um Batman forte, estrategista e com veículos especiais. E apela ao fetichismo, também de forma exagerada. Saindo das sombras fazendo barulho ao estilo do Urso Judeu, do Tarantino “Bastardos Inglórios”, ou em tomadas que focam nas botas, o barulho do ranger do couro é quase ensurdecedor aos ouvidos mais puristas.
The Batman entregou um noir bem amarrado, trazendo as referências que agradam quem gosta de cinema. Agradou público e crítica. Mas é um filme sobre canalhas e o submundo da política e do crime. Um filme policial clássico. Traz um tom crítico necessário em um mundo apodrecido pelas relações de poder. Mas não é um filme para fãs. Tem pouco de Batman, e os vilões se destacam abertamente. Pattinson não entrega uma atuação brilhante e enfraquece demasiadamente o personagem.
Mas ele ainda se nega ao julgamento precipitado e a justiça com as próprias mãos. Mesmo se denominando com “vingança” logo no começo do filme, permanece sem cruzar linhas sem volta, mesmo sendo levado ao limite. Ainda é um Batman. Quase um anti-herói. Não se deixa corromper e não permite que aliados se corrompam. Consegue manter a expectativa para o próximo filme, e uma necessária ponta de esperança. Sim, ainda é um Batman.
* The Batman está em cartaz no Kinoplex, em Campos e no Cine Araújo.