A data que não se esquece:10 de Maio
Nino Bellieny 10/05/2024 20:49 - Atualizado em 10/05/2024 20:50
Crônica de Paulo Nazareth
Itaperuna vista do Morro do Cristo
Itaperuna vista do Morro do Cristo / Arquivo
Esse não é um dia qualquer, não é só um número naquela folhinha pendurada num prego daquela  parede desgastada pelo tempo. É uma data atemporal que vive nos sonhos de todos os Itaperunenses, que imaginam como será o dia 10 de maio do próximo ano, sem esquecer dos que foram vividos.
 
Esse grandioso evento festivo que Itaperuna comemora, deixando transbordar toda a sua alegria ao relembrar os fatos marcantes ocorridos no findar do século dezenove, nos idos de 1889, quando passou a conferir aos seus cidadãos a sua almejada e legítima cidadania.
 
Uma data emblemática para nossa privilegiada geração de ouro que cresceu num tempo em que quase tudo podia acontecer com consentimento e esse quase tudo podia acontecer também à nossa revelia, numa demonstração de amor, amizade e respeito, plantados e cultivados por essa geração inigualável nas suas virtuosas pretensões e igualitária nos reflexos das suas ações.
 
Nessa data nós, Itaperunenses enraizados, comemoramos a feliz oportunidade que tivemos por nascer em Itaperuna, uma cidade construída sobre os pilares do trabalho e do desenvolvimento, tendo sido considerada a maior produtora de café do Brasil e do mundo nas décadas de 1920 a 1940, fato narrado e gravado na História.
Uma cidade sem paradigmas, semeada num belíssimo e extenso vale onde o rio Muriaé reflete no seu largo e caudaloso leito o brilho da luz do sol quente, suas portas acolhedoras sempre abertas para uma avenida longa e larga, com alamedas sombreadas por grandes árvores onde pássaros das mais variadas espécies fazem o seu ninho e criam os seus filhotes.
Uma cidade  conservadora dos seus princípios basilares representados na religião cristã, no amor e no respeito ao próximo. Uma cidade voltada para o desenvolvimento, percebendo que nele encontrará o seu futuro.
A cidade que escolheu fazer sua morada definitiva em nossos corações, num sentimento de amor consentido, marcado a ferro e a fogo nas lembranças da vida encantada que naquele tempo vivemos e que ninguém jamais conseguirá apagar.
Aos primeiros raios do sol daquele comemorativo dia de 10 de Maio, às seis horas o badalo bateu no sino da Igreja Matriz São José Do Avahy, fazendo ressoar o seu majestoso som por seis vezes, alcançando distâncias até onde os ouvidos ouviam, acordando os Itaperunense que dormiam o sono repousante, para que vivessem a Glória daquele festivo dia.
Andorinhas saem das torres da igreja numa revoada desordenada, sem canto e só voando no encanto, como quisessem guardar o sol no céu para que ele não esquentasse tanto aquele tão esperado dia de festa. 
Após as seis badaladas do sino da Matriz, pairou no ar um silêncio absoluto, como se a festa  aguardasse a autorização de Deus para de fato começar. E assim, um som musical baixinho começou a ser ouvido, bem ao longe e veio aumentando nos passos da Banda de Música de Itaperuna que subia a Avenida Cardoso Moreira tocando seus maravilhosos dobrados: Baptista de Melo, Cisne Branco, Dois Corações...brindando com sua melodia ufanista a data comemorativa de Itaperuna que já não dormia.
O inesquecível Maestro, José Carlos Ligiero, que com toda sua sapiência musical promovia esse despertar inusitado, vestido no seu traje a rigor de terno e gravata e com sua batuta na mão, comandando aquela linda banda com seus integrantes uniformizados, disciplinados, exalando a música na sua melhor qualidade e conferindo a austeridade que o grandioso dia merecia.
Essa era a alvorada naquela década de 1960, que com todo júbilo acordava Itaperuna, reverenciando aquela tão importante data.
Aguardando o maior evento daquele dia, a Avenida Cardoso Moreira na sua beleza imponente, meio-fio pintado de branco, faixas brancas pintadas nos paralelepípedos ao longo do trajeto que seguia da Rodoviária até a Prefeitura, para orientar os alunos que ali iriam desfilar. A avenida já respirava a saudável emoção que pairava no ar, sentindo os passos apressados que por ela passavam, cada passo procurando o seu lugar.
A organização impecável demonstrava o carinho e o respeito que o Itaperunense nutria pela sua amada cidade, o seu querido berço, o pedaço de chão onde nasceu. Os ponteiros do relógio avançam se aproximando das sete horas, um corre-corre frenético, todo mundo se arrumando, uns para assistir outros para se apresentar, no grandioso desfile que estava próximo de se iniciar. 
Quantos pares de olhos refletindo felicidade, quantos rostos irradiando alegria. Os alunos nos seus uniformes impecáveis se movimentando, como o revoar das andorinhas, buscando cada um  o seu colégio.
Todos os professores muito bem vestidos, agitados, orientando na formação do desfile, os regentes de classe e demais funcionários das escolas, todos unidos numa única e enlevada determinação, homenagear a sua tão querida Itaperuna com a mais bela apresentação.
Às oito horas o sino da Igreja Matriz bate uma vez, o som ecoa pelas ruas e avenidas da cidade acordada, as andorinhas já haviam voado das torres, a hora badalada no sino é um alerta, indicando que o desfile está próximo de iniciar. As calçadas abarrotada por pessoas que foram assistir ao desfile, famílias inteiras, crianças no colo, crianças correndo, idosos, a cidade em peso prestigiando o evento.
Naquele dia quem primeiro desfilou foi o Tiro de Guerra de Itaperuna marchando numa cadência de batida forte, composto por  aspirantes ao Exército Brasileiro, comandado então pelo sargento Horácio, muito aplaudido pelos presentes e abrindo as portas para o grande desfile escolar que iria acontecer. 
De repente o som estridente de um apito seguido de uma batida grave e retumbante do bumbo, o tarol e as caixas respondem, o corpo arrepia, o suor da emoção invade os olhos e a Banda Marcial do Colégio Bittencourt inicia o desfile com o seu som vibrante e compassado no ritmo marcial, sob o comando do professor Antônio José Bittencourt.
A cor marrom dos uniformes masculinos com dólmã de mangas compridas e cheio de botões com brilho dourado, o elegante uniforme feminino com blusa branca, saia azul marinho, meias três quartos brancas e sapatos pretos, mostravam a beleza e o charme dos estudantes que na avenida iriam desfilar.
Professores e funcionários apressados, corrigindo os passos, pé direito pé esquerdo, dando suporte aos estudantes que começam a marchar sobre as faixas brancas pintadas ao longo da avenida, sugerindo guias para um tempo futuro, quer fosse um segundo, quer fosse o amanhã. Grandes faixas brancas com dizeres significativos puxam o desfile homenageando ou agradecendo algum acontecimento e saudando autoridades representativas presentes.
Balizas com seus trajes em destaque,  malabarizam gestos encantando os presentes. As horas passando carregadas de diferentes emoções, o desfile do Colégio Bittencourt se findando sob os aplausos esfuziantes e carinhosos dos Itaperunenses, encantados com aquele conto de fadas vivido, com a organização daquele evento e a disciplina da apresentação.
Nesse momento é ouvido um som diferente, saindo por detrás da rodoviária, avançando resfolegante e avisando da sua chegada com dois apitos longos; a Maria Fumaça vinha passando, um pouco atrasada, rumo à estação ferroviária, com seus vagões de carga, o vagão metálico que levava o melado e o vagão de passageiros no final, uma visão inesquecível e linda para ficar guardada no baú das lembranças.
Passado esse momento de respeito por uma locomotiva que passava deixando seu perfume característico   no ar enfumaçado da avenida, é ouvido um outro som agudo de um apito seguido da batida forte e retumbante de bumbos.
Taròis e caixas respondem, cornetas fazem brilhar o seu som e a gigante Banda Marcial do Colégio Estadual Marechal Deodoro dava o seu vigoroso tom, sob a enérgica coordenação do mestre Omar.
Emoção invadindo o peito, arrepios pelo corpo, suor pingando no olho, tudo se repetindo ao iniciar mais um desfile escolar grandioso, porque nele se agregavam outras modalidades da educação, desde o Jardim da Infância, o Grupo Escolar, o Colégio Estadual, os demais colégios municipais e até  escola particular. Era tudo bem pensado e grande demais.
Ali se via o poder que tem a educação na formação de quem se transformará em cidadão. Um desfile também grandioso, com faixas de agradecimentos, enaltecimentos e conquistas, alunos uniformizados nos seus trajes harmônicos e simples, balizas fantásticas desempenhando a sua função, as alas femininas enfeitadas pela beleza, a simpatia e o charme gracioso.
Crianças na idade pré-escolar com uniforme azul marinho, tipo jardineira, nome bordado no peito com linha branca desfilando, participando do seu primeiro exercício de cidadania, mostrando que aqueles Itaperunenses caminhavam, com passos seguros e largos, para a civilidade,  para viver num mundo sem deformações e sem outras preocupações.
Aplausos retumbantes marcaram o fim desse desfile escolar laureado de amor, transbordando alegria e cheio de esperança.
O desfile prossegue com a apresentação das bandas marciais dos municípios vizinhos que vieram prestar a sua solidariedade, esquecidos da ponta de rivalidade escondida.
Ao som das bandas que vão desfilando eram apresentados os serviços que Itaperuna ofertava nos transportes, com desfile de ônibus municipais, intermunicipais e estaduais, os avanços da Leite Glória com seus caminhões tanque, a CAPIL inovando no seu atendimento e na diversificada produção, sob a direção de Carlito Crespo Martins e sustentada pela abnegação infatigável dos produtores rurais que elevaram Itaperuna para a categoria de maior produtora de leite do noroeste do Estado do Rio de Janeiro.
O evento matinal na Avenida Cardoso Moreira terminou, estudantes voltando para casa para trocar a roupa, pessoas seguindo rumos diferentes, outras ficam na avenida conversando mas todos sabendo que a comemoração prosseguirá até às vinte e duas horas no Parque de Exposição, num convívio diferente que envolve outros seres, conhecidos por animais mas que são amados e portadores de sensibilidades, sentimentos, acuidades sensitivas e vontade de viver, como nós.
Lembro ainda que quando terminou o evento, a Avenida Cardoso Moreira estava limpa, como se nada tivesse acontecido ali.

Paulo S Nazareth

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