O segredo ainda é acreditar
Alguns acontecimentos são capazes de quebrar normalidades e inverter conceitos. Vejamos o caso do Flamengo no ciclo 2019-2020: mágico por um lado — e por isso inesquecível —, aquele histórico time tirou do torcedor rubro-negro a capacidade de enxergar a beleza presente nas entrelinhas do futebol. Depois de Jorge Jesus, tão iluminado que se faz sombra, o que antes era sonho passou a ser visto como obrigação. Daí a constante sensação de que sempre falta algo, ainda que as temporadas seguintes tenham resultado em outra Libertadores, mais um Campeonato Brasileiro, uma Copa do Brasil, uma Supercopa, dois Estaduais e a contínua presença nas disputas pelas primeiras posições.
Na linha tênue entre valorizar cada feito ou se contentar com pouco, o Flamengo se perdeu. Tanto assim que o atual treinador, Tite, chegou a ser criticado por comemorar a importante e sofrida vitória sobre o Atlético Goianiense, por 2 a 1, na abertura do Brasileirão de 2024. Àquela altura, mais do que os três pontos, foi apontada por boa tarde da torcida a atuação abaixo da média, que de fato aconteceu. O que muita gente se esquece é de que, numa competição de pontos corridos, os três pontos da primeira rodada valem tanto quanto os da última.
Em meio à crise de identidade rubro-negra, nada como jogos épicos para lembrar que não se muda da noite para o dia uma essência de quase 130 anos. Não bastasse o recente gol de empate contra o Athletico Paranaense, os acréscimos do segundo tempo ainda reservariam outro momento de êxtase e festa na favela. Apenas quatro dias depois, a vitória sobre o Bahia também foi com a cara daquele Flamengo lá de trás: o da raça, que a gente conheceu e aprendeu a amar.
Além dos quatro pontos e da liderança na classificação, os gols de cabeça do jovem Évertton Araújo, domingo (16), e do veterano David Luiz, na quinta-feira (20), proporcionaram o reencontro da Magnética Nação com uma mística por vezes esquecida: desde 1895, quem é Flamengo acredita mais do que os outros. Viva Valido, salve Rondinelli, gratidão a Pekovic; obrigado, Gabigol. Não esqueçamos também das improváveis cestas de Algodão, Guguta, Oscar e Marcelinho; das mágicas acrobacias de Danielle, Diego, Jade e Rebeca; das vibrantes braçadas de Maria Lenk, Xuxa, Patrícia e Ricardo Prado; das incansáveis remadas de José Agostinho, Mario, Nestor, Augusto, José Félix e Laport. Por mais lindos que sejam os triunfos e títulos com vantagem e tranquilidade, a maior glória do Flamengo sempre foi lutar.