Amigos desde a juventude, Cláudio Jorge e Guinga celebram parceria histórica em show no Sesc Campos
Matheus Berriel 06/03/2024 10:37 - Atualizado em 06/03/2024 10:37
Show 'Nossa alma suburbana' tem mediação de Rafael Mattoso
Show 'Nossa alma suburbana' tem mediação de Rafael Mattoso / Foto: Divulgação
O fato de serem da mesma geração não é o único que liga os compositores e violonistas Cláudio Jorge e Guinga, de 74 e 73 anos, respectivamente. Nascidos no subúrbio do Rio de Janeiro e amigos desde a juventude, eles lançaram no ano passado, juntos, o álbum “Farinha do mesmo saco”. Agora, estão dividindo palco na temporada de estreia do show “Nossa alma suburbana”, apresentado na última sexta-feira (1º) no Sesc Campos.
— O embrião desse show surgiu durante a pandemia — explica Cláudio Jorge, vencedor do Grammy Latino de melhor álbum de samba em 2020, com o trabalho “Samba Jazz, de raíz”. — Embora a gente tenha uma amizade desde a juventude, depois que o Guinga escolheu ser dentista e eu escolhi ser músico profissional, a gente ficou um tempão sem se encontrar. Mais tarde, o Guinga voltou para a carreira musical, mas a gente só se encontrava eventualmente, ficava muito tempo sem se ver. Quando veio a pandemia, fizemos um grupo de conversa no WhatsApp com amigos antigos. Foi quando o Guinga falou: “Pô, Cláudio, a gente está ficando velho! A qualquer hora vamos morrer. Precisamos fazer um disco juntos” — conta, aos risos.
— Enquanto estamos aqui, por que não gravarmos um disco juntos? — concorda Guinga, responsável por, no início dos anos 1970, ter apresentado Cláudio Jorge ao sambista João Nogueira, de quem se tornaria parceiro. — Sempre admirei muito o Cláudio como músico, como artista, como compositor e como pessoa. O Cláudio tem um caráter reto, e eu procuro ter também. Não vou me elogiar porque não sou cabotino. Eu falo bem do caráter dele, e ele fala bem do meu — brinca.
Fortalecida durante o período de reclusão forçada pelo coronavírus, a reaproximação dos amigos já vinha sendo ensaiada.
— Antes da pandemia, o Gilson Peranzetta, grande músico e nosso amigo em comum, também suburbano, me enviou uma música para eu colocar a letra. Aí me veio a ideia de fazer um bilhete para o Guinga, com quem eu não estava fazendo contato. Fiz o samba “Bilhete para o Guinga”. Depois, a partir das nossas conversas, vieram lembranças suburbanas. Fazer um disco sobre essas memórias suburbanas foi o mote que a gente encontrou — detalha Cláudio Jorge.
Da gravação do álbum para os palcos, o que ocorreu foi uma passagem natural. “Farinha do mesmo saco”, portanto, ganhou uma nova roupagem e evoluiu para o show “Nossa alma suburbana”, com músicas autorais que falam das vivências no subúrbio carioca. Especialista no tema, o historiador Rafael Mattoso foi convidado para fazer a mediação, apresentando ao público informações sobre os bairros do Rio mencionados nas faixas.
— É muito interessante como alguém que tem relativamente uma formação acadêmica fica preso na universidade, pesquisando. A gente precisa, de fato, conhecer a história nas experiências vividas — destaca Rafael Mattoso. — Acho que falta muito esse reconhecimento da identidade suburbana que vem da música popular. Esses caras beberam da fonte! Então, ter essa oportunidade é como se fosse uma aula cotidiana, em que vou aprendendo e tentando assimilar isso, até perceber como, durante muito tempo, a academia desvalorizou a cultura popular. É preciso a gente resgatar essa cultura feita por nomes como Cartola, por exemplo. A gente tem que reverenciar ao máximo e aprender, e é isso que estou tentando fazer com esses mestres — sentencia.
Mencionado por Rafael, o célebre compositor Cartola é mais um elo na relação de Cláudio Jorge e Guinga. O primeiro compôs com o fundador da Estação Primeira de Mangueira as músicas “Fundo de quintal” e “Dê me Graças, Senhora”. Já o segundo, então um jovem de 26 anos, acompanhou Cartola na gravação original de “O Mundo em um moinho”, em 1976, tendo o seu violão imortalizado em uma das mais belas canções da música brasileira.
— O Cláudio é parceiro do Cartola. Eu gravei “O Mundo é um Moinho”; fiz um violãozinho meio tímido, mas fiz. Ali, os importantes eram Meira, Dino, Altamiro (Carrilho), Elton Medeiros, Canhoto — recorda um modesto Guinga. — Eu estava começando em relação aos 73 anos que tenho, mas naquela época a gente já tinha uma experiênciazinha legal. Eu já tinha tocado com Alaíde Costa, tinha feito alguns trabalhos com a própria Alaíde, tinha participado do Festival Internacional da Canção... Quer dizer, não era tão incipiente, já tinha uma experiência, porque comecei bem novo — lembra.
Eis que a admiração pela planície goitacá foi descoberta como mais um ponto de ligação entre Cláudio Jorge e Guinga. Ambos se sentiram em casa na terra de Wilson Batista, Roberto Ribeiro, Decio Carvalho, Zezé Motta, Aluísio Machado, Sebastião Mota, Jurandir da Mangueira e Zé Ramos.
— Tenho um link bem bacana com Campos. Fui produtor do Roberto Ribeiro, e ele gravou músicas minhas. O Delcio Carvalho foi meu parceiro. E o Wilson Batista foi parceiro do meu pai na marchinha “Uma casa brasileira”. A letra é do Wilson, com melodia do meu pai, o jornalista Everaldo de Barros, que tocava violão — discorre Cláudio. — Acho que é a primeira vez que me apresento em Campos. Devo ter estado aqui alguma vez com o Martinho da Vila, tocando com ele, mas não me lembro. Para um show meu, é a primeira vez — esclarece.
— Já toquei aqui no Sesc Campos. Também me apresentei numa outra situação, que não foi no Sesc, mas me lembro dessa apresentação no Sesc com o Marcus Tardelli. Lembro que não tinha esse teatro atual, era do lado de fora. Faz muitos anos! E não sei se estive no Trianon com alguém. É um teatro lindo — comenta Guinga. — Mas, Campos chegou à minha vida de novo e recrudesceu por conta de uma ex-companheira minha, cujo pai era campista e tinha um grande amor por Campos. A família é toda daqui. O avô da minha ex-companheira, pai do pai dela, se chamava Amaro, um nome muito comum em Campos. A cidade de Campos tem uma sedução... O Norte do estado do Rio é muito bonito — finaliza.

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