Maestro Ethmar Filho- Os grandes acontecimentos dos anos 60
*Maestro Ethmar Filho
Os anos 1960 foram efervescentes em todo o mundo e apelidados de “anos rebeldes”, justamente por fatos relevantes que iriam mudar os rumos do planeta para sempre.
Em 1960, a capital do Brasil é transferida do Rio de Janeiro para Brasília. No início de 1961 Jânio Quadros toma posse como presidente do Brasil renunciando sete meses depois; já era o Brasil de porre. Ainda em 61, o russo Yuri Gagarin torna-se o primeiro homem a entrar no espaço e, em agosto do mesmo ano, é construído o Muro de Berlim.
Em 62, no Chile, o Brasil torna-se bicampeão mundial sob a crise dos mísseis cubanos, onde Estados Unidos e Rússia ensaiam uma guerra nuclear ao som do primeiro disco dos Beatles. Em 1 de maio de 1963, a TV Tupi faz a primeira transmissão em cores da televisão brasileira enquanto ocorre um plebiscito, aqui no Brasil, que coloca fim ao parlamentarismo e define o retorno do Presidencialismo. Em 22 de novembro de 1963, numa desastrosa visita a Dallas, o presidente dos EUA, J. F. Kennedy, é assassinado.
No ano seguinte, em março de 1964, um golpe militar tira do poder o presidente João Goulart dando início à ditadura militar.
Em 65 é transmitido pela televisão o I Festival de MPB da Record e em 1966 o candidato da Arena, Costa e Silva, seria eleito presidente pelo Congresso Nacional do Brasil. Em 25 de junho de 1967, ocorre a primeira transmissão de televisão via satélite, em 68 as Olimpíadas do México e em 20 de julho de 1969 o homem chega à Lua na missão Apollo 11. Uma década importante para a humanidade e para o Brasil.
Nessa década a musa violonista Nara Leão, o compositor Carlos Lyra e o poeta, ensaísta e dramaturgo Ferreira Gullar revolucionam a cultura do nosso país com sua arte. Nos anos da guerra do Vietnã, em que o maior ativista pelos direitos civis, Martin Luther King, é assassinado nos Estados Unidos, Nara abandona a Bossa Nova em favor do samba autêntico, Gullar escreve para o teatro de Nara e, Lyra, junto a Gullar, no CPC da UNE, compõe para a “Musa da Bossa Nova” musicais comprometidos com a crítica social que protestam contra o regime militar e contra a censura instaurada por ele.
Gullar, depois de se desligar dos poetas do movimento concretista, cria, em 1961, o Centro Popular de Cultura, da União Nacional dos Estudantes, junto com Carlos Lyra, com a adesão de Nara Leão, a convite de Vianinha, famoso dramaturgo com o qual viria a escrever a peça “Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”; tudo isso no âmbito do Grupo Opinião, que teria Nara Leão no papel principal de seu primeiro musical igualmente denominado “Opinião”.
Lyra, assim como Nara, sentia a necessidade de se libertar da influência do Jazz na sua Bossa Nova, sentindo que “faltava alguma coisa nela”. Viriam, os dois, somados a Ferreira Gullar, a se envolver diretamente com o samba autêntico e com a filosofia do CPC, entidade ligada à UNE, que seria destruída em 1964, num incêndio, depois de ambas serem colocadas na ilegalidade pelo governo militar.
Nara Leão foi muito importante como intérprete no final dos anos 50, junto ao pessoal da Bossa Nova, tornando-se musa do movimento e posteriormente atriz. Protagonizou a linha de frente do que se pode chamar de “canção engajada”, quando atuou e cantou nos musicais “Opinião” – escrito pelos autores Paulo Pontes, Oduvaldo Vianna Filho e Armando Costa, cujo roteiro utilizava um método incomum para musicais, que consistia em investigar as histórias de vida de João do Vale, Zé Kéti e Nara Leão – e “Liberdade, Liberdade”, de Millôr Fernandes e Flávio Rangel. Tal como Ferreira Gullar e Carlos Lyra, Nara mudava de rumo de acordo com suas convicções. Mudou da Bossa para o samba de morro e o teatro engajado, para a tropicália e para a MPB através dos Festivais.
Nara Leão, participou ativamente, como protagonista e mentora intelectual de pelo menos seis movimentos artísticos musicais do Brasil, entre os anos 1950 e 1980. Segundo todos os relatos de pesquisadores, Nara passava de um movimento a outro com a facilidade dos grandes criadores e das personagens que são guiadas exclusivamente por seus conceitos e ideologias; não seguia a cabeça de ninguém, era pragmática e original.
Quando abandonou a Bossa Nova, da qual era a musa, dedicou-se ao samba autêntico, como se a Bossa não oferecesse mais nenhum espaço para suas ideias e convicções. Dizia ter se conscientizado de que haviam problemas maiores a serem resolvidos na área social e humana, através da divulgação das músicas dos compositores chamados compositores do Morro, que descreviam em suas letras os infortúnios e dificuldades da vida dos pobres e negros das favelas do Rio de Janeiro. O compositor negro e intérprete Zé Keti comporia a música “Opinião”, cuja letra critica a decisão do governador do Estado da Guanabara, Carlos Lacerda, de acabar com muitas favelas do centro e zona sul do Rio de Janeiro, em favor do turismo. Lacerda conseguiu levar a termo essa decisão criticada por Zé Keti, embora não tenha conseguido, durante toda a sua vida, o que ele mais queria: ser presidente do Brasil.
Relacionar esses três grandes artistas, destacando suas obras de relevantíssima importância, numa época tempestuosa como os anos 1960, é colocar luz na coragem empreendida por eles para realizarem o que realizaram. Não é fácil mudar de opinião, na perseguição da justiça e da verdade quando a maioria à sua volta, se não caminha pela mediocridade, segue trilhas culturais consideradas seguras. A arte não é assim. Ela é desafiadora e de ponta. Frequenta a vanguarda muitas vezes sem se dar conta que viaja nela. E, a lupa da repressão que a vigia, embaça, na maioria das vezes, frente à sua coragem, a matéria prima de que são feitos os heróis.


**Maestro Ethmar Filho – Mestre e Doutorando em Cognição e Linguagem pela UENF, regente de corais e de orquestras sinfônicas há 25 anos.

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