Fazer as pazes com o passado
“Pensar o passado para compreender o presente e idealizar o futuro”. Esta é uma recomendação que consta nos ensinamentos de Heródoto, apontado por muitos como sendo o “pai” da história.
Pensar o passado exige de nós uma isenção muitas vezes difícil de alcançar. Entretanto, é imperativo primeiramente conhecê-lo e que se busque esse distanciamento para melhor compreender os contextos determinantes de cada época. A leitura de fatos de uma data distante sob a lógica que nos envolve no presente irá levar, inexoravelmente, a conclusões e julgamentos, no mínimo, enviesados. Infelizmente, nossa observação indica que muitos dos que se dedicam a estudar e interpretar a história de nossa região tem feito isso buscando iluminar fatos remotos com as luzes emanadas de lanternas do presente. Isso não funciona.
O título deste artigo expõe o desejo de que nossa história pudesse merecer uma leitura diversa do senso comum que hoje prevalece. A correlação entre a sociedade que temos e o desenvolvimento que queremos neste Norte e Noroeste Fluminense pode se beneficiar muito disso. Não se trata de discutirmos os registros históricos, ou reescrever a história, mas de uma interpretação mais amigável e desta forma enxergar novos sentidos em tudo que se pretendeu fazer no passado em favor da sociedade e do desenvolvimento regional.
Tomando como exemplo a sociedade e a economia regional do início dos anos 1900, de base na agroindústria canavieira, pecuária, café, indústria têxtil e metal – mecânica – elétrica interligada à cana e ao açúcar, cujos atores geraram efetivo desenvolvimento nas diversas vertentes da sociedade à época. Havia preocupação em erguer e preservar verdadeiros monumentos históricos, cuidar do patrimônio arquitetônico, prestigiar e patrocinar os intelectuais, músicos, poetas, pintores, historiadores, escritores, pesquisadores, etc..
Ou seja, o progresso da época esteve associado à cultura, em todas as suas diferentes naturezas. E decorreu dos resultados do que denominamos economia vocacionada, no nosso caso pelas vantagens comparativas do setor rural e das estruturas industriais correlatas, sendo o seu principal eixo a cana e o açúcar de grande efeito multiplicador de empregos e renda. Mas isso hoje não é reconhecido, não está presente nas narrativas atuais. Provavelmente porque os fatos reais são pouco conhecidos ou por influência ideológica.
Coincidência, ou não, o declínio do setor agropecuário coincide com a massificação do discurso que retira do empresariado o reconhecimento de promotor do desenvolvimento passando a classificar como algoz e fonte de todas as mazelas que assolam a sociedade. A lastimar o fato que a partir daí tudo só piorou. Por mais de meio século ocorreu gradativa fragilização da estrutura econômica local, citando alguns: o Instituto Brasileiro do Café (IBC) erradicou o cultivo da planta em Itaperuna e outros municípios do Noroeste; a cana-de-açúcar e outras lavouras ficaram sem infraestrutura pública de manejo dos canais de irrigação e drenagem, perdendo produtividade; o plano diretor de Campos chegou a instituir a erradicação da atividade canavieira; o homem do campo visto como um roceiro, o usineiro estigmatizado. A sociedade viu-se nesse ciclo desprezando e destruindo a própria cultura, como temos hoje no chão o Teatro Trianon, prédio da Santa Casa de Misericórdia, da quinta Agência do BB no Brasil e centenas de prédios e casas de grande riqueza histórica e arquitetônica substituídos por novas construções a título de (pretensa) modernidade e (duvidoso) progresso, com o beneplácito ou omissões dos poderes públicos. Temos um Obelisco erguido na Av. XV de Novembro (Beira-Rio) que pouco ou nada fala de sua importância. Essa obra foi financiada pelos industriais do açúcar para comemorar o início de obras públicas que iriam beneficiar todo o município. Nesse monumento constam quatro placas, em uma delas pode-se ler: “Lei n. 1037 11 de novembro de 1911 manda arrecadar a taxa sobre o assucar offerecida pelos usineiros do município de Campos para custear as obras de saneamento e melhoramentos da cidade”. Grafado com o português da época, o negrito é nosso.
Aqui fizemos e insistimos em continuar fazendo exatamente ao contrário do mundo, cujas sociedades apoiam o setor agrícola e valorizam a história e a cultura do seu povo. Em toda Europa há uma valorização, apoio coletivo para o que produz riqueza, turismo, comércio, artesanato, são sociedades ocupadas em identificar o que agrega valor, o que pode perenizar um ganho de qualidade. Não destroem o seu passado.
Nosso futuro está sendo construído, temos uma qualificada estrutura de ensino, pesquisa e inovação, extraordinário potencial econômico nas áreas da agroindústria, petróleo, descomissionamento das estruturas marinhas de exploração do petróleo, potencialidades em energia verde, o fantástico eixo do Porto do Açu. Entretanto, ano a ano temos registrado um desenvolvimento pífio, havendo na verdade crescimento da pobreza em muitos municípios — visível no aumento da mendicância, de moradores de rua, da favelização, da sujeira, da falta de saneamento, da violência... Esse paradoxo pode ser explicado pela ausência de políticas públicas voltadas a impulsionar o agronegócio regional, principal fator de geração de empregos e renda — em qualquer lugar do Brasil e do mundo — e que a sociedade tem sido omissa em exigir ações dos poderes dos municípios, do estado e da União Federal.
Nossa região precisa urgentemente encontrar o caminho do desenvolvimento. Não há como achar esse caminho sem conhecer o passado que nos trouxe desde o início até os dias de hoje. Precisamos enxergar toda a região como unidade de desenvolvimento única, as brigas paroquiais só dividem e diminuem as forças que deveriam estar reunidas em prol de um objetivo maior.
O tempo é de abandonar as hostilidades com o passado, deixar de lado os conflitos e abraçar com todas as forças aquilo que nos une. E promover condições para que o bem estar coletivo seja alcançado o mais breve possível.