Arthur Soffiati - Era Miranda e chovia
Na viagem de 2024, meu roteiro foi meticulosamente traçado durante cinco meses. Miranda do Douro estava incluída. O roteiro original previa seguir de Três Lugares, na Espanha, para Sabugal, em Portugal. Daí para Coimbra até Miranda e Sendim. Também não foi possível. Voltei a Lisboa e, numa viagem de sete horas, fui até Bragança, em Trás-os-Montes, donde segui para Miranda do Douro.
Parecia um sonho chegar numa cidade que conheci por livros e admirei à distância. Sua população alcança quase dois mil habitantes. Lá, fala-se o português e o mirandês, uma língua asturo-leonesa. Perto dela, fica a vila de Sendim, onde se fala, em família, o sendinês, variedade do mirandês.
De Bragança a Miranda, o ônibus seguiu com apenas três passageiros. A estrada é asfaltada e estreita, subindo rampas e atravessando pontes. Fazia calor na Península Ibérica, mas o clima foi se tornando ameno à medida em que subíamos a serra. A paisagem é muito bela. Finalmente chegamos. Não há rodoviária. Apenas um pátio em que estacionam os ônibus. Eu passaria três dias ali. O primeiro passo foi encontrar o hotel no qual eu reservara um quarto. Depois de me hospedar em vários hostels, finamente eu encontrava um hotelzinho com alguém para me receber, com elevador, com apartamento, com interfone.
Senti-me mais seguro. Era verão, os dias tornam-se mais longos. Por volta de 20 horas, ainda há claridade. Deixei minha bagagem no hotel e fui para a rua. Logo, fiz uma selfie em frente ao nome da cidade, escrito em letras garrafais. Eu estou aqui em Miranda do Douro. De longe, avistei a catedral com suas duas imponentes torres, sob invocação de Santa Maria Maior. Caminhei em sua direção. Passei por outras igrejas até chegar ao objetivo. Todas fechadas. Topei com ruínas de muralhas e prédios.
Atingindo um determinado ponto, avistei o rio Douro. Naquele ponto, ele forma um canion. A água escavou o leito atual ao longo de milhões de anos. As rochas fraturadas são eloquentes quanto à antiguidade. As águas plácidas denunciam a existência de uma barragem. De fato, o Douro é um dos rios com mais barragens da Península Ibérica. Mas anoitecia. Era preciso voltar para o hotel.
No dia seguinte, acordei cedo e busquei logo o centro de informações turísticas da cidade. Abria às 9 horas. Comprei um mapa. Primeiro, orientei-me mentalmente. O ar estava puro. Sol com temperatura amena. Cheguei às ruínas do castelo medieval reconstruído pelo rei D. Dinis (1279-1325). As pegadas desse rei são encontradas de norte a sul de Portugal. Em plena luta dos cristãos contra os muçulmanos, D. Dinis invadiu Castela Velha atéSalamanca e Medina, forçando a retificação da fronteira entre os dois reinos peloTratado de Alcanizes (1297). Miranda ganhou uma muralha com torres ao seu redor e um castelo. Meus olhos se voltaram tanto para as ruínas portentosas quanto para a relva fresca do campo. É comovente olhar para o chão e encontrar o que chamamos de mato. Na verdade, são plantas espontâneas que nascem por conta própria, ignorando os humanos. São flores coloridas que atapetam o chão.
Entrei na catedral e admirei a imagem de Nossa Senhora do Leite. A virgem amamenta o menino Jesus. Analistas frios dizem que o cristianismo absorveu entidades pagãs. Essa é uma das forças do cristianismo que aceita imagens. Nossa Senhora aparece grávida, logo após o parto e amamentando. Ela é uma santa humana. Ao sair da igreja, os aplicativos do meu celular, que tinham sumido ao entrar na Espanha, misteriosamente votaram sem que eu tocasse no aparelho.
Visitei a Casa de Cultura de Miranda, onde comprei o livro “Nun riu de lírios”, de Adelaide Monteiro, e o cd “Al Absedo”, do grupo Trasga, com a poderosa música regional. Nela, se destaca a gaita de foles que encontrei na Galícia, mas que ganha cores locais em Miranda. A cultura regional é pujante. Pensei em visitar Sendim, mas os horários de ônibus não permitiram
Pelo menos um passeio de barco eu faria no rio Douro, acima da barragem. Almocei com esse firme propósito. Comprei jornais da região e voltei para o hotel. Começou a chover. Abri as janelas e novamente contemplei a cidade que me encantou. Não fiz o passeio. Era Miranda e chovia. Parti no dia seguinte em direção a Coimbra. A visita a Miranda do Douro abriu a perspectiva de um retorno para conhecer melhor a região de Trás-os-Montes. Existem muitas aldeias que eu gostaria de visitar, como Rio do Onor, por exemplo. Creio que essa viagem, com a minha idade, não ocorrerá.
Na viagem que fizemos a Portugal, Espanha e Alemanha, em 2019, hospedamo-nos três dias no Porto, rumo a Santiago de Compostela. Na volta, de volta a Lisboa, passamos novamente em Porto. Pensei em tomar um ônibus e visitar Miranda do Douro, no interior de Portugal, fronteira com a Espanha. Eu já conhecia o lugar por leituras e por integrar um grupo relativo ao alto Douro no Face. Não foi possível fazer a viagem. Seguimos para Fátima e de lá para Lisboa.
Na viagem de 2024, meu roteiro foi meticulosamente traçado durante cinco meses. Miranda do Douro estava incluída. O roteiro original previa seguir de Três Lugares, na Espanha, para Sabugal, em Portugal. Daí para Coimbra até Miranda e Sendim. Também não foi possível. Voltei a Lisboa e, numa viagem de sete horas, fui até Bragança, em Trás-os-Montes, donde segui para Miranda do Douro.
Parecia um sonho chegar numa cidade que conheci por livros e admirei à distância. Sua população alcança quase dois mil habitantes. Lá, fala-se o português e o mirandês, uma língua asturo-leonesa. Perto dela, fica a vila de Sendim, onde se fala, em família, o sendinês, variedade do mirandês.
De Bragança a Miranda, o ônibus seguiu com apenas três passageiros. A estrada é asfaltada e estreita, subindo rampas e atravessando pontes. Fazia calor na Península Ibérica, mas o clima foi se tornando ameno à medida em que subíamos a serra. A paisagem é muito bela. Finalmente chegamos. Não há rodoviária. Apenas um pátio em que estacionam os ônibus. Eu passaria três dias ali. O primeiro passo foi encontrar o hotel no qual eu reservara um quarto. Depois de me hospedar em vários hostels, finamente eu encontrava um hotelzinho com alguém para me receber, com elevador, com apartamento, com interfone.
Senti-me mais seguro. Era verão, os dias tornam-se mais longos. Por volta de 20 horas, ainda há claridade. Deixei minha bagagem no hotel e fui para a rua. Logo, fiz uma selfie em frente ao nome da cidade, escrito em letras garrafais. Eu estou aqui em Miranda do Douro. De longe, avistei a catedral com suas duas imponentes torres, sob invocação de Santa Maria Maior. Caminhei em sua direção. Passei por outras igrejas até chegar ao objetivo. Todas fechadas. Topei com ruínas de muralhas e prédios.
Atingindo um determinado ponto, avistei o rio Douro. Naquele ponto, ele forma um canion. A água escavou o leito atual ao longo de milhões de anos. As rochas fraturadas são eloquentes quanto à antiguidade. As águas plácidas denunciam a existência de uma barragem. De fato, o Douro é um dos rios com mais barragens da Península Ibérica. Mas anoitecia. Era preciso voltar para o hotel.
No dia seguinte, acordei cedo e busquei logo o centro de informações turísticas da cidade. Abria às 9 horas. Comprei um mapa. Primeiro, orientei-me mentalmente. O ar estava puro. Sol com temperatura amena. Cheguei às ruínas do castelo medieval reconstruído pelo rei D. Dinis (1279-1325). As pegadas desse rei são encontradas de norte a sul de Portugal. Em plena luta dos cristãos contra os muçulmanos, D. Dinis invadiu Castela Velha atéSalamanca e Medina, forçando a retificação da fronteira entre os dois reinos peloTratado de Alcanizes (1297). Miranda ganhou uma muralha com torres ao seu redor e um castelo. Meus olhos se voltaram tanto para as ruínas portentosas quanto para a relva fresca do campo. É comovente olhar para o chão e encontrar o que chamamos de mato. Na verdade, são plantas espontâneas que nascem por conta própria, ignorando os humanos. São flores coloridas que atapetam o chão.
Entrei na catedral e admirei a imagem de Nossa Senhora do Leite. A virgem amamenta o menino Jesus. Analistas frios dizem que o cristianismo absorveu entidades pagãs. Essa é uma das forças do cristianismo que aceita imagens. Nossa Senhora aparece grávida, logo após o parto e amamentando. Ela é uma santa humana. Ao sair da igreja, os aplicativos do meu celular, que tinham sumido ao entrar na Espanha, misteriosamente votaram sem que eu tocasse no aparelho.
Visitei a Casa de Cultura de Miranda, onde comprei o livro “Nun riu de lírios”, de Adelaide Monteiro, e o cd “Al Absedo”, do grupo Trasga, com a poderosa música regional. Nela, se destaca a gaita de foles que encontrei na Galícia, mas que ganha cores locais em Miranda. A cultura regional é pujante. Pensei em visitar Sendim, mas os horários de ônibus não permitiram
Pelo menos um passeio de barco eu faria no rio Douro, acima da barragem. Almocei com esse firme propósito. Comprei jornais da região e voltei para o hotel. Começou a chover. Abri as janelas e novamente contemplei a cidade que me encantou. Não fiz o passeio. Era Miranda e chovia. Parti no dia seguinte em direção a Coimbra. A visita a Miranda do Douro abriu a perspectiva de um retorno para conhecer melhor a região de Trás-os-Montes. Existem muitas aldeias que eu gostaria de visitar, como Rio do Onor, por exemplo. Creio que essa viagem, com a minha idade, não ocorrerá.