Arthur Soffiati - História do clima: natureza e humanidade
* Arthur Soffiati 06/07/2024 11:00 - Atualizado em 06/07/2024 11:01
Reuni no livro “O cotidiano das mudanças climáticas: primeiro caderno (1979 a 2022)” (Rio de Janeiro: Autografia, 2024) a maior parte dos artigos jornalísticos que escrevi sobre mudanças climáticas causadas por atividades humanas coletivas. As mudanças climáticas naturais são evocadas apenas para fins de comparação. Sabemos que o clima mudou profundamente na passagem do Pleistoceno para o Holoceno. Dentro desta segunda época, também houve oscilações climáticas acentuadas. O historiador francês Emmanuel Le Roy Ladurie dedica “L’histoire du climat depuis l’an mil” a essa história. Houve um pequeno aquecimento global entre os séculos X e XIII. A partir do século XIV a 1860, o clima esfriou. Até aqui, as oscilações climáticas eram naturais. A partir de 1860, o planeta começou a se aquecer com a liberação de gases desprendidos da queima de combustíveis fósseis e do desmatamento, além de outras atividades relacionadas direta e indiretamente à Revolução Industrial. Essas são as mudanças climáticas abordadas no livro que organizei com escritos meus publicados em revistas e jornais: aquecimento progressivo do planeta, chuvas diluviais, secas ingentes, intensas tempestades de vento, nevascas assoladoras, enchentes devastadoras etc. O mundo construído pela ação coletiva do ser humano não está preparado para tais mudanças. Daí tanta destruição. Também não está se conseguindo reduzir as emissões de gases para reequilibrar as transformações climáticas, a despeito de todo discurso e ação nesse sentido.

O que evitei nos artigos foi transmitir informações vagas, como acontece nos meios de comunicação social. Fala-se, irresponsavelmente, que uma temperatura, uma tempestade, uma estiagem foram as maiores registradas até o momento. Ou que elas foram as mais intensas da história. Não se fornece um ponto de referência. Alguém pode concluir que, desde a origem da Terra, não houve fenômeno climático mais intenso. Quanto ao termo “história”, não se sabe o que ele significa quando lançado vagamente. Existem distintas histórias: do Universo, da Terra, da vida, da humanidade etc. De vez em quando, aparece uma informação vaga, como “é a temperatura mais quente em mil anos”. Qual o ponto de partida?
Os artigos reunidos no livro tomam o ano de 1860 como referência geral para as mudanças climáticas antrópicas que estão assolando o planeta. Quando existem pontos de referência mais precisos, eles são usados como marco. Todos eles deixam claro que tais mudanças climáticas não são mais regulares, como as mudanças naturais. Agora, elas vêm progressivamente se acentuando. Os documentos mais utilizados nos artigos são os relatórios do Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), da Organização das Nações Unidas, que começaram a ser lançados em 1990, embora o primeiro artigo da coletânea date de 1979, na década em que se discutia mudança de clima ainda de forma intuitiva.
Vivendo desde 1970 no norte do estado do Rio de Janeiro, as ocorrências climáticas excessivas regionais não podiam estar ausentes dos comentários. Advirto que minha visão da questão é planetária. Não examinei apenas os fenômenos climáticos dentro de uma região ou do Brasil, como se eles se limitassem a fronteiras construídas historicamente. Busquei informações em livros e periódicos para desvincular as mudanças climáticas das fronteiras municipais, regionais e nacionais. Nem sempre tal abordagem é possível porque a imprensa ainda contínua muito provinciana. Poucas matérias jornalísticas olham para fora da sua área de cobertura, como se o mundo se resumisse ao país, ao estado e à região. A maior enchente ocorrida no Rio Grande do Sul mereceu intensa cobertura da imprensa brasileira, mas ela ficou restrita às fronteiras do estado. Elas não foram contextualizadas no cone sul. O que acontecia na Argentina, no Uruguai, no Paraguai? A imprensa brasileira silenciou quanto a isto e deu grande enfoque a dramas pessoais. Até de animais. Sabemos que o senso comum gosta de destaques pessoais tanto quanto de caridade pública. Contudo já existem órgãos de informação que efetuam análises globais. Mas ainda continuam restritos.

A coletânea não é completa. Grande parte dos artigos, relatórios e pareceres redigidos entre 2007 e 2014 foi publicada em “Dez anos de enchentes e estiagens (2007-2016): norte-noroeste fluminense e outros lugares” (Rio de Janeiro: Autografia, 2021) e em “Os quatro elementos: água e fogo num mundo em mutação - 2019-2020” (Rio de Janeiro: Autografia, 2021). Nos três livros, o interesse pela questão cobre 44 anos. Pretendo que a coletânea seja o primeiro de uma espécie de diário sobre questões climáticas a ser publicado de cinco em cinco anos enquanto o autor tiver disposição para escrever sobre o tema e enquanto estiver vivo e lúcido.

Outra questão se coloca para mim: a questão das mudanças climáticas está na boca de governantes e empresários. Todos proclamam que é preciso fazer alguma coisa. O que mais se fala é que mudanças estão sendo promovidas. Verdade ou mentira, sabe-se que ainda é pouco.

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