José Eduardo Pessanha - Elucubrações sobre a fraude à cota de gênero
José Eduardo Pessanha - Atualizado em 25/03/2024 09:16
José Eduardo Pessanha
José Eduardo Pessanha / Foto: Reprodução
Bem, essa semana, como tem ocorrido em várias paragens de nosso País, o Tribunal Superior Eleitoral promoveu mais uma decisão no sentido de cassação de mandatos eletivos devido a já conhecida fraude à “cota de gênero”. É fato que o art. 10º, § 3º, da Lei 9.504/1997, a partir da redação originária dada pela Lei nº 12.034/2009, passou a apor obrigatoriedade na política inclusiva de participação feminina nos pleitos eleitorais, responsabilizando os Partidos Políticos com a regra, ab initio, inflexível, de preencher a cota mínima de 30% nas candidaturas de cada gênero. A mens lege desta alteração legislativa visa positivar a participação, de fato, feminina, no processo eleitoral, para dar maior representatividade política a uma parcela tão significativa do eleitorado e que deve ter uma opção de materializar seus anseios por meio de lideranças de mesmo gênero. Por este viés, a criação da cota vem alicerçar um acesso que, pela via ordinária ainda levaria muitos anos para se efetivar. O que deve se ter, por prudência, é a sabença de não substituir a Conscientização e a Educação, banalizando o instituto das cotas.
Os substratos jurisprudenciais do TSE são no sentido que a prova da fraude de gênero no processo eleitoral deve ser robusta, de forma que fique evidenciado que havia interesse na fraude. Se assim não ficasse comprovado, a condenação deveria ser afastada por se tratar de direitos constitucionais envolvidos. A jurisprudência tem caminhado e o Tribunal Superior Eleitoral conseguiu criar algumas condicionantes para que seja denotada a chamada “fraude de gênero”. Assim, quando presentes a obtenção de votação zerada ou pífia das candidatas; a ausência de atos efetivos de campanha e/ou a prática de campanha eleitoral em benefício de candidato diverso é considerado pela Corte Máxima Eleitoral como suficientes para demonstrar a burla à cota de gênero.
A resultante lógica da configuração da fraude eleitoral às cotas é a cassação de diplomas/registros da totalidade das candidaturas que formam a chapa proporcional. Esta decisão resultará em uma recontagem de votos e assunção dos mandatos pelos beneficiados da decisão, em condição de suplência. Outra possibilidade é a inelegibilidade, que via de regra é imputada sobre as candidatas fraudadoras, tendo em vista sua ação direta, discutindo-se se deveria ser elastecida aos dirigentes partidários das agremiações envolvidas. No mais das vezes, os políticos com mandatos cassados em virtude da decisão judicial, não sofrem o resultado da inelegibilidade porque não há prova robusta de conduta individualizada em prol da fraude.
Acontece que dentro deste cenário existem (e coexistem) Primados e Direitos Constitucionais envolvidos relacionados aos cidadãos que se propõem ser representantes do eleitorado. Essas pessoas tem sua elegibilidade constitucional aferida nos ditames do art. 14, §3º do Constituição da República. Após a viabilidade constitucional, há todo um empenho pessoal e familiar em busca da eleição, onde sonhos, economias e desejos são operacionalizados. Note que se trata de uma representação popular, nos mais altos degraus da Democracia. Ocorre que essas pessoas, com a apuração da fraude eleitoral relacionada ao gênero são, imediatamente condenadas, ainda que indiretamente, por uma conduta pela qual, muitas vezes, nada podem ter contribuído. Seria correto tal elastecimento? Ainda que legal, seria ético ou moral?
É fato que as normas e o dominante entendimento eleitoral preveem tais resultados, mas posicionamentos já foram revistos em inúmeras oportunidades. De fato, o individuo que opera pela fraude deve arcar com todos os ônus, mas o fato dos mandatos “pertencerem”, legal e ficticiamente, aos partidos, é suficiente para soterrar os sonhos de quem não obrou pela fraude, demostrou sua elegibilidade e foi aprovado pelo Povo, “Senhor do voto”? A questão do voto no partido há muitas décadas não se afirma no nosso Pais, seja pela mínima credibilidade destas Instituições, muitas usadas como fontes de financiamento ou verbas governamentais ou disputa pelo poder. Sem hipocrisia, no Brasil, “pessoas votam em pessoas”... nunca ou quase nunca em partidos... é um fato: chama-se Primazia da Realidade! É necessário levar ao STF esse claro Conflito Aparente de Normas Constitucionais, que devem ser integrados pelos Princípios da Proporcionalidade e da Razoabilidade, sem sobreposição.
Assim, se deflui que a cassação do cidadão que se dispôs a ser um representante político, obedecendo os critérios constitucionais de elegibilidade, investindo parte de sua vida, muitas vezes, em sua campanha eleitoral, e obtendo aprovação popular pelo sufrágio universal, sem abuso de poder econômico, não tendo contribuído com atos para a consecução de fraudes eleitorais, não deveria, ao menos, ser alcançado pelos efeitos colaterais de condutas perniciosas pelas quais não integrou! Esta alteração de entendimento judicante, possivelmente, não ocorrerá em pouco tempo, mas os Institutos existem para serem aprimorados. Pensar não dói e as normas existem para realização da Justiça!

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