Arthur Soffiati - Cartagena
Embora Gabriel García Márquez não mencione nomes de lugares em “Em agosto nos vemos” (São Paulo/Rio de Janeiro: Record, 2024), seu romance póstumo, suspeito que ele é ambientado em Cartagena das Índias. Trata-se de uma linda cidade nas costas caribenhas da Colômbia. Pelo menos, era fascinante no passado. Ela se ergueu às margens de uma baía acima do istmo que liga a América do Norte à América do Sul.
Dentro dessa baía, existe a ilha de Tierra Bomba, com o centro ainda conservando vegetação nativa, mas com as bordas urbanizadas. Existem moradores antigos e hotéis modestos ao lado de hotéis luxuosos. Os principais lugares são Bocachica (o maior), Cano de Loro, Punta Arenas e Tierra Bomba. A ilha é ensolarada e conta com praias maravilhosas. A personagem central do romance chama-se Ana Magdalena Bach, a filha compositora do grande músico Johann Sebastian Bach, que teve 22 filhos, entre os quais muitos eram músicos como o pai.
No romance, Ana Magdalena Bach sai de sua cidade e vai a uma ilha depositar flores na sepultura de sua mãe. Por três anos seguidos, ela vive romances curtos com pessoas desconhecidas. Ela é casada e bem casada, segundo a sociedade. Seu marido é músico, assim como seu filho. Sua filha é uma moça bastante emancipada, mas que se torna freira. Por que Ana Magdalena não pode viver suas aventuras românticas, se seu charmoso marido pode?
García Márquez integra uma geração em que as questões ambientais ainda não haviam se destacado como o mais grave problema produzido pela economia de mercado e o mais perigoso para a vida humana e para a Terra. Seus romances focalizam sempre dramas humanos em que o elemento mágico está presente.
Como García Márquez ambientaria seus romances hoje? O mar continua belo como antes, mas seu nível está se elevando pelo aquecimento do planeta por causa do acúmulo de gases emitidos pela economia de mercado. A Terra está progressivamente se aquecendo. Os recordes de temperatura se superam ano a ano.
Não apenas a elevação do nível do mar ameaça Cartagena das Índia e a ilha de Tierra Bomba. A área em que se situam as duas está afundando. Assim, a vela está sendo queimada por dois fenômenos. Um deles é a transgressão marinha, que significa avanço da linha do mar sobre o continente. Esse fenômeno vem ocorrendo com rapidez não natural e decorre de ações humanas que emitem gases do efeito-estufa. O outro é natural e é denominado pelos cientistas de subsidência. Ele significa rebaixamento do nível dos continentes. A subsidência cria condições favoráveis ao avanço do mar. Na ilha de Tierra Bomba, o mar está desenterrando ossadas de um ou de vários cemitérios. Talvez, os restos mortais da mãe de Ana Magdalena estejam sendo levados pelas ondas. Esse fenômeno macabro tem assustado os moradores e frequentadores da ilha.
Não apenas a elevação do nível do mar ameaça Cartagena das Índia e a ilha de Tierra Bomba. A área em que se situam as duas está afundando. Assim, a vela está sendo queimada por dois fenômenos. Um deles é a transgressão marinha, que significa avanço da linha do mar sobre o continente. Esse fenômeno vem ocorrendo com rapidez não natural e decorre de ações humanas que emitem gases do efeito-estufa. O outro é natural e é denominado pelos cientistas de subsidência. Ele significa rebaixamento do nível dos continentes. A subsidência cria condições favoráveis ao avanço do mar. Na ilha de Tierra Bomba, o mar está desenterrando ossadas de um ou de vários cemitérios. Talvez, os restos mortais da mãe de Ana Magdalena estejam sendo levados pelas ondas. Esse fenômeno macabro tem assustado os moradores e frequentadores da ilha.
Mas eu já me deparei com essa combinação de fenômenos perto de onde moro. Foi na restinga existente entre Quissamã e Macaé, a chamada restinga de Jurubatiba. Segundo estudos geológicos recentes, essa restinga está associada à penúltima transgressão marinha, datada de 123 mil anos antes do presente ((MARTIN, Louis; SUGUIO, Kenitiro; DOMINGUEZ, José M. L.; e FLEXOR, Jean-Marie. “Geologia do Quaternário Costeiro do litoral norte do Rio de Janeiro e do Espírito Santo”. Belo Horizonte: CPRM, 1997). Ela era irrigada por pequenos rios que desciam das partes pouco mais altas e desembocavam no mar. As principais são Preta, Paulista, Carapebus (a maior de todas), Comprida e Jurubatiba. Quase todas têm nascentes nos tabuleiros. Essa restinga sofreu um processo natural de rebaixamento (subsidência) que permitiu ao mar acrescer a ela uma faixa de areia. Formaram-se, então, lagoas arredondas junto à costa, como Ubatuba, do Pires, do Visgueiro, das Garças, Amarra-boi etc. Aconteceram dois fenômenos naturais que mudaram a fisionomia da restinga. Por um lado, ocorreu um fenômeno de subsidência na restinga. Ela afundou. Por outro, entre 10 mil anos e 5.100 anos antes do presente, o nível do mar se elevou e invadiu a restinga. Os grupos humanos em todo o mundo se relacionavam com a natureza (desde duas origens, eles se relacionam), mas sem a mínima capacidade de mudar completamente ecossistemas e de provocar mudanças climáticas.
Assim, a combinação de transgressão marinha e subsidência ocorreu na restinga de Jurubatiba entre 123.000 e 5.100 anos antes do presente. Está acontecendo agora em Cartagena das Índias e na ilha de Tierra Bomba. A primeira foi causada por processos naturais. A segunda tem a mão humana, pelo menos na elevação do nível do mar. Com relação à restinga de Jurubatiba, a combinação dos dois fenômenos é coisa do passado, mas deve-se considerar que toda a zona costeira entre Macaé (RJ) e Marataízes (ES) é bastante vulnerável à elevação do nível do mar. Vejamos o caso icônico de Atafona. O caso de Cartagena é bem recente. Se García Márquez escrevesse seu romance hoje, a questão ambiental mereceria atenção dele?