Arthur Soffiati - Catolicismo cultural
* Arthur Soffiati - Atualizado em 30/12/2023 16:58
Por parte de mãe, nasci numa grande família católica apostólica romana. A maioria dos meus parentes era católica por batismo apenas. Alguns frequentavam missa por obrigação. Nem sempre, a ética dos meus parentes era cristã. Apenas um tio era católico praticante. Sempre fazia o sinal da cruz ao passar diante de uma igreja católica, ia à missa todo final de semana e vivia com a casa cheia de padres.
Esse tio foi escolhido por minha mãe para ser meu padrinho de confirmação. Meu pai não fez objeção. Ele era muito confuso em termos de religião. Debochava das igrejas, mas pedia socorro à minha mãe sempre que se sentia fraco. Minha confirmação deveria ocorrer quando eu completasse oito anos de idade. Não sei bem por que razão, recusei. Meu tio ficou muito sentido.
À medida em que eu crescia, o desejo de conhecer as coisas deste mundo me afastava de qualquer igreja. Não cheguei a me tornar ateu. Afirmar ou negar com convicção a existência de Deus parecia uma ousadia ou ignorância muito grande. Firmei minha convicção agnóstica depois de ler vários pensadores que não conseguiram comungar de uma fé ou negar o transcendente.
Ao mesmo tempo, interessei-me pelas doutrinas religiosas. A condição de professor de história me ajudou. Não tive problemas em concluir que a emergência da consciência no ser humano a partir do homem de Neandertal levou-o a perceber sua solidão e seu desamparo neste mundo. Ainda tenho dúvidas quanto à existência do plano sobrenatural. Deus abriu os olhos do ser humano, como fez com Adão e Eva, para que tomasse consciência d’Ele, ou a emergência da consciência impôs a necessidade de acreditar num plano sobrenatural para se viver mais confortavelmente na Terra? Não sei responder nem sinto necessidade de resposta porque, por mais longa que seja minha vida, não obterei uma resposta. E não quero fazer uma aposta na existência de Deus, como fez Pascal. Deixemos a questão para depois da minha morte.
Minha curiosidade pelas doutrinas religiosas é grande. Têm sido muitas as explicações sobre o plano sobrenatural. E essas explicações são aceitas por muitas pessoas, que acabam aceitando doutrinas historicamente construídas. É mais fácil para as pessoas aderir a uma doutrina do que construí-la. E ritos acabam se desenvolvendo. Entendo as doutrinas, as crenças e os ritos como fundamentais para as pessoas. Nunca considerei as doutrinas acerca do que não vemos como alienação, mas como necessidade do ser humano. Não é tão difícil viver para um animal. Ele nasce, aprende a viver de acordo com sua espécie, procria, envelhece e morre. Tudo de forma inconsciente, creio. Até o momento, a etologia não me forneceu elementos seguros de que os animais sofrem com a perspectiva da morte. Sei que eles têm medo, sentem dor e sofrem. Mas talvez não atinem com as causas do seu sofrimento.
É bom viver como eu vivo? Eu diria que não. Uma crença conforta e dá segurança, mas seria desonesto da minha parte uma conversão na expectativa de uma convicção. No entanto, sinto-me católico. Nasci e cresci numa família católica, num país de maioria católica quando eu era jovem. Gosto de igrejas católicas, de imagens, de mitos e ritos, mesmo não tendo convicção. Sei que, na história do Cristianismo, houve e continua havendo muitas discussões e violência. Relevo isso tudo. À medida em que envelheço, sinto-me seguro num ambiente católico apostólico romano. Dentro do Cristianismo, existem muitas discussões a respeito da natureza de Jesus. Ele foi apenas humano? Foi apenas espírito? Tinha duas naturezas separadas ou unidas? Essas perguntas não fazem mais sentido, como mostra o Papa Francisco. Num mundo que valoriza o material, o espiritual deve unir e não separar, como mostrou Gandhi.
Beirando os 77 anos de idade, sinto desejo de confirmar meu batismo, realizado quando completei seis meses de idade, na Igreja Nossa Senhora da Glória, no Largo do Machado, tendo meus avós paternos como padrinhos. Sei que nenhum padre aceitaria confirmar o batismo de uma pessoa que continua com dúvidas acerca do plano sobrenatural. Creio que não superarei essas dúvidas. Sei que muitos teólogos católicos de todas as denominações não acreditam no Gênesis. Que eles aceitam explicações científicas. Que alguns até são cientistas e paleontólogos. Teilhard de Chardin foi um deles. No entanto, continuava celebrando missas.
Sei que muitos têm dúvidas a respeito do credo. Como historiador, sei que ele foi construído no tempo em que pululavam as explicações sobre Jesus. A meu favor, argumento que gostaria de confirmar meu catolicismo cultural, pois sigo a ética cristã sem aquelas demonstrações externas que acabam resultando em simplificações e até em fanatismo. Sei também que muitos lerão este artigo (quando toco em religião, sempre aparece uma alma caridosa querendo me salvar) e me enviarão palavras de salvação. Da minha parte, desejo apenas confirmar meu batismo.

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