Elba Maria Nunes Ramalho, leonina, nascida em 17 de agosto de 1951, em Conceição do Piancó, no sertão da Paraíba: uma fina flor brotada no solo seco, castigado pela falta de chuva, situação que inspirou muitos compositores, entre os quais se insere o próprio Rei do Baião, Luiz Gonzaga, como se nota nos versos de “Asa Branca”, clássico da música brasileira sempre presente no repertório de Elba: “Por farta d'água perdi meu gado/ Morreu de sede meu alazão”.

Antes do estrelato, ainda quando fazia faculdade, participou de uma banda feminina de rock, chamada As Brasas, na qual tocava bateria. No ano de 1978, foi convidada para participar da peça “Ópera do Malandro”, de Chico Buarque, numa adaptação da “Ópera dos Três Vinténs”, de Bertolt Brecht. Elba interpretou a personagem Lúcia Chaves, fazendo ainda um dueto com Marieta Severo na canção “O meu amor”. Essa canção integrou o disco com a trilha sonora da peça, contribuindo para que a “cantriz” chamasse a atenção do meio musical, com seu timbre forte, rasgante, sem precedente no cenário musical nacional. No ano seguinte, 1979, Elba Ramalho lançou seu primeiro LP, intitulado “Ave de Prata”. Estreou com o pé direito, gravando uma música de Chico Buarque, “Não Sonho Mais”, que a Flor da Paraíba cantava no filme “República dos Assassinos”.

Elba, durante muito tempo, lançou um LP por ano. A seguir, a discografia de Elba: “Ave de Prata” (1979), trabalho que já apresenta canções de Geraldo Azevedo com Carlos Fernando, Luis Ramalho, Vinicius Cantuária, Zé Ramalho, Cátia de França, Walter Franco, Humberto Teixeira com Cícero Nunes; “Capim do Vale” (1980); “Elba” (1981); Alegria (1982), LP com dois grandes sucessos: “Bate coração” e “Amor com café”, ambas de Cecéu; “Coração brasileiro” (1983), LP que apresenta a clássica “Banho de Cheiro”, de Carlos Fernando, “Toque de fole”, de Bastinho Calixto e Ana Paula, “Se eu fosse o seu Patrão”, de Chico Buarque, “Chororô”, de Gilberto Gil, “Canção da Despedida”, de Geraldo Azevedo e Geraldo Vandré, “Ai que saudade d’ocê”, de Vital Farias; “Do Jeito Que a Gente Gosta” (1984), LP com os sucessos: “Forró do poeirão”, de Cecéu, “Do Jeito Que a Gente Gosta”, de Severo e Jaguar, “Energia”, de Lula Queiroga, e “Nordeste Independente”, de Bráulio Tavares e Ivanildo Vila Nova, que teve proibida a execução pública e a radioteledifusão pela censura federal; “Fogo na Mistura” (1985), LP com o sucesso “De volta pro aconchego”, de Dominguinhos e Nando Cordel; “Remexer” (1986); “Elba” (1987); “Fruto” (1988); “Popular Brasileira” (1989); “Elba Ao Vivo” (1990); “Felicidade Urgente” (1991), trabalho com as seguintes participações especiais: Lulu Santos, Claudio Zoli, Djavan, Sandra Sá. Nesse LP, produzido por Nelson Motta, Elba gravou “La vie en Rose”, música conhecida mundialmente na voz de Édith Piaf; “Encanto” (1992);“ Devora-me” (1993); “Paisagem” (1995); “Leão do Norte” (1996); “O Grande Encontro” (1996), com Zé Ramalho, Alceu Valença e Geraldo Azevedo; “Baioque” (1997); “O Grande Encontro 2” (1997), com Zé Ramalho e Geraldo Azevedo; “Flor da Paraíba” (1998); “Solar” (1999); “O Grande Encontro 3” (2000), com Zé Ramalho e Geraldo Azevedo, além dos seguintes convidados: Belchior, Lenine e Moraes Moreira; “Cirandeira” (2001); “Elba Canta Luiz” (2002); “Elba Ao Vivo” (2003); “Elba e Dominguinhos” (2005); “Qual o assunto que mais lhe interessa?” (2007); “Raízes e Antenas” (2008); “Balaio de Amor” (2009); “Marco Zero” (2010); “São João Carioca” (2012); “Vambora Lá Dançar” (2013); “Do meu Olhar pra fora” (2015); “Cordas, Gonzaga e Afins” (2015); “O Grande Encontro 20 anos” (2016), com Alceu Valença e Geraldo Azevedo; “Eu sou o caminho” (2017); “O ouro do pó da estrada” (2018); “Eu e vocês” (2020), lançado apenas no formato digital, durante a pandemia do coronavírus, produzido pelo filho, Luã Yvys; “Festa” (2021), gravado em dueto com Fagner, também no formato digital. A cantora não parou de produzir durante a quarentena. Como visto, gravou dois trabalhos nesse período, além de realizar muitas lives.

O ano de 1985 é deveras marcante na trajetória do Furacão Elba Ramalho: a) estourou em todo o Brasil, com a canção “De volta pro aconchego”, que fez parte do repertório da novela global “Roque Santeiro”; b) fez dois shows na primeira edição do Rock in Rio; c) cantou no Olympia, de Paris, pela primeira vez.

Elba é considerada a maior intérprete do cancioneiro de Dominguinhos, grande amigo da cantora, que, no dia 23 de julho de 2013, aos 72 anos, alçou voo para fortalecer o brilho das estrelas celestiais.

No 27º Prêmio da Música Brasileira, em 2016, Elba faturou dois troféus: um de melhor cantora regional e outro pelo melhor disco regional, por “Cordas, Gonzaga e Afins”.

A Flor da Paraíba foi homenageada por uma escola de samba de São Paulo, qual seja: a Tom Maior, que, no ano de 2017, apresentou o enredo “Elba Ramalho canta em oração o folclore do Nordeste. Toque sanfoneiro forró, frevo e xaxado”. A energia de Elba é contagiante, é solar. No carnaval de 2018, bateu seu recorde em tempo de desfile no Galo da Madrugada, em Recife: sete horas e meia de apresentação, isso prestes a completar 67 anos à época.

A religiosidade é um traço em comum entre Elba Ramalho e Maria Bethânia, e que acabou as unindo, num grande, especial e inédito encontro no dia 23 de novembro de 2015, cujo desiderato foi o de arrecadar fundos para a Paróquia São Conrado no Rio de Janeiro. Nessa ocasião, a Flor da Paraíba recebeu a Filha de Iansã em um show no Teatro Oi Casa Grande. Trata-se de momento inesquecível na história da Música Popular Brasileira, mormente, quando as intérpretes fizeram os seguintes duetos: “A tua presença morena” e “O ciúme”, ambas de Caetano Veloso e “Gostoso demais”, de Dominguinhos.

Há outros pontos afins entre a Filha de Iansã e a Filha de Conceição do Piancó, além da religiosidade e do Nordeste, correndo, pulsando nas veias. Ambas intérpretes dominam o palco como ninguém e obtêm dele todo o respeito, toda a reverência que um verdadeiro artista merece.

Se, para a Flor da Paraíba, o início foi com “Não Sonho Mais”, ela, de fato, já não precisa, há décadas, sonhar mais com o sucesso, porque ele repousa no “aconchego” desta Filha de Conceição. Abaixo, um poema de minha autoria em homenagem à herdeira do legado musical deixado por Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro:

Ventos nordestes não a fizeram se curvar
Veio de Conceição do Piancó
para a sua arte mundo afora "ramalhar"...
São muitos verões, divulgando a nossa cultura popular
Transformando a dor dos severinos em belos versos
cantando, com alegria, à luz do luar
Dona Geni, de seu ventre essa menina, no palco uma leoa
Ave de prata que ao seu canto e ao seu povo tanto se doa
Velho Lua, rei do baião, pode daí o fole puxar
Circo armado, é só Elba chegar...
que o pandeiro do Jackson a sanfona de Dominguinhos vai abraçar
e, no "som dessa sanfona", vamos todos "sambaiãozar"
Flor da Paraíba, mulher de palavra...
Palavra de mulher: “haja o que houver...”
Em sua cartola , bela "gaiola da saudade",
a morena de Angola vive a noite severina,
dança "o xote das meninas" e "sete cantigas para voar"...
Do "lamento sertanejo" floresce "o retrato da vida"
dessa grande artista da música brasileira, da música popular!

Elba é uma artista que transcende em cena e para quem o palco se curva, diante da pujança, da garra, da força que corre na veia da mulher nordestina e que brota “debaixo do barro do chão, como se Deus irradiasse uma forte energia”, numa alusão aos versos do poeta e acadêmico Gilberto Gil.

Elba está no rosário da Maria, no calor da fogueira de “São João-Pessoa”, no aconchego das festas nordestinas, na chuva que enramalha de verde o sertão de uma Campina que é Grande.