José Eduardo: Justiça açodada não é justiça
Há poucos meses estávamos pasmos com as atrocidades cometidas, ainda antes da eleição presidencial, tudo no sentido da preservação do poder, com medidas autoritárias e ilegais, sob a justificativa melíflua de que estavam defendendo a Pátria e a Família. Tínhamos, naquele momento, um verdadeiro “estado de exceção”, onde as “autoridades”, travestidas de cabos eleitorais, “torciam” o sentido da Lei. A crítica, por certo, era que o extremismo (naquele momento de direita) estava tentando fazer desmoronar o Estado Democrático de Direito. Notem que as pessoas que estavam à frente destas condutas espúrias eram do mais alto escalão da República, logo capazes de materializar tais atos.
Ocorridas as eleições e vencidos os extremistas ignóbeis, abriu-se uma perspectiva de dias mais tranquilos, com a Justiça imperando e o social buscando minorar as desigualdades. Bem... esse, pelo menos, ainda é o discurso corrente. Não obstante, emerge uma fumaça densa de “forra”. Sim, parece que os opositores vencedores, maltratados pelo exercício anterior, ao revés de se voltarem para o País, estão cultivando um sentimento de revanche, o que, por certo, somente cria mais extremistas. Para nossa surpresa, este senso de “vendetta” parece estar abrigado, ainda que em parte, na mais alta Corte Judicial do País.
Dias passados, o STF começou a julgar os réus acusados de “atacar a Democracia e tentar um golpe de Estado” no fatídico dia de 08 de janeiro de 2023, dia que poderíamos chamar de “dia do descalabro”, mas, em minha humilde opinião, dificilmente de “dia do golpe” , ainda que frustrado.
Verificamos que no início desta enormidade de julgamentos que ocorrerão (é bom ressaltar que todas as condutas criminosas devem ser punidas, obviamente na medida da ação proferida pelo agente), constatamos que três acusados foram condenados a penas que variam de 14 anos a 17 anos de prisão. Os crimes imputados foram: dano qualificado; deterioração do patrimônio tombado; associação criminosa armada; abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado.
Quanto aos dois primeiros (dano qualificado; deterioração do patrimônio tombado), a quase totalidade dos acusados são, de fato, autores dos delitos. No que tange ao terceiro, as condutas devem ser bem verificadas, pois fica claro pelas imagens do dia em questão que nem todos estavam armados (na verdade a maioria não estava armada – ou não há prova disso). Logo, eventual condenação deve ter substrato probatório inequívoco. Quanto às duas últimas capitulações, de maior gravame (abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado), me parece, data máxima vênia e com respeito às opiniões em contrário, que somente podem ser imputadas aos mentores e agentes com condições materiais de consecutir os delitos. ´
É certo que a destruição patrimonial (não se tem comprovação de dano pessoal específico, salvo casos isolados) causou grande clamor nas instituições. E mais: arriscaria afirmar que “feriu o ego” das autoridades que comandavam os patrimônios depredados. Mas daí a levar seu “orgulho ferido” até o julgamento... há uma grande distância. De fato, é complexo que a Corte atingida seja vítima e julgador, o que, ainda que não possa ser ilegal, não nos parece ético, muito menos coaduna com os tão propalados Princípios Democráticos.
Antes, na gestão passada, brandiam as armas, com ferocidade e sepultavam direitos em nome da Família, da Propriedade e da Pátria; hoje se despersonalizam as condutas típicas penais (com subterfúgios, vide “crime de multidão”); autorizam o sentimento de “forra” e proclamam penas, em tese, excessivas em nome da Democracia. Sim... as instituições estão tendo seus nomes maculados.
Note que a maioria, nos casos julgados, até o momento, seguiu o voto do Relator, o superministro Alexandre de Moraes. Ministros que votaram, conscientemente, por penas menores, foram enxovalhados na Web, em mesmos procedimentos usados pela turba anterior do poder. Nos causa, ainda, mais espanto que o STF tenha “pressa” nos julgamentos! Por quê? Estamos falando da Liberdade de centenas de pessoas, Bem maior que a propalada Democracia protege. Agora, como forma de minorar danos de exposição; ter de dar menos explicações; proferir votos em surdina e impedir, quase que totalmente, o manus dos advogados de defesa, o STF prosseguirá, ao que consta, com as ações penais (note que não são civis ou ADIs ou ADCs... são penais) em “Plenário Virtual”. Virtualizarão também o cumprimento das penas?
Não há aqui qualquer apologia à baderna, mas a OAB, que há muito andava calada, quase que como dever protocolar, sem muita ênfase, por seu Conselho Federal, oficiou ao Supremo Tribunal Federal contestando a decisão da Corte sobre o “plenário virtual” para prosseguimento dos julgamentos. Até agora, “falou para as paredes”! Esta decisão traz claras ofensas, desde a falta de Isonomia, de Igualdade, de Imparcialidade, de Razoabilidade e de Proporcionalidade, todas oriundas de Princípios Garantidores Constitucionais, além de muitas outras normas infraconstitucionais maculadas. Mas recorrer a quem?
Havia um rumor de que se alteraria o Regimento Interno do STF (o que já seria aviltante, pois não “deveria” sequer ter efetividade para esse processo em curso) para que os crimes fossem julgados pelas Turmas, onde seria mais célere, inicialmente, e com menos rumor, mas tal alteração, certamente, possibilitaria que os eventuais condenados recorressem ao Pleno do STF, o que traria toda matéria de volta. Então, maculam Princípios Constitucionais, normas infraconstitucionais de processo penal e “segue o jogo”!
Desde o início já havia (e ainda há entre os constitucionalistas garantistas) um claro dissenso, inclusive sob o ponto de vista do ministro do Supremo Tribunal Federal André Mendonça, de que a competência para julgar essas ações penais, para “todos” os acusados, pelo STF, mereceria uma melhor reflexão. A matéria, no entanto, foi sumariamente rechaçada pelo superministro Alexandre de Moraes. Note que, por enquanto, ao todo, são 1.345 réus (chamados pela mídia de “bolsonaristas”). Essas pessoas não merecem um julgamento de acordo com suas reais condutas? Não seria isso Democracia?
Sabemos que dentre a turba do dia 08 de janeiro havia integrantes de alta periculosidade, que talvez pudessem ser taxados, realmente, de terroristas, como o indivíduo que colocou uma bomba em veículo de inflamáveis na capital. Mas, quanto aos acusados, a maioria era “massa de manobra”, “tangida” por um discurso ultra convencional e totalitário. Esses devem ser julgados como os mentores? Pode um individuo que colocou uma bomba em um caminhão próximo a um aeroporto, repleto de pessoas, ter pena total menor do que quem depredou a sede de um Poder? Mesmo não sendo simplista, é razoável? Ainda que se considere a cumulatividade das penas de crimes diversos, ainda assim, soa desproporcional!
O fato é que o País para a cada julgamento do STF, quando esta ribalta deveria ser para programas sociais e quando o artista principal do espetáculo deveria ser o Povo (e não Ministros da Suprema Corte). Mais uma vez: que Deus nos proteja!