Arthur Soffiati - Ilhas em chamas
O verão de 2023, no hemisfério norte, começou com altas temperaturas e incêndios mais uma vez. As florestas do Canadá foram devastadas, lançando cinzas na atmosfera. Nova Iorque ficou envolta em fumaça e fuligem. As temperaturas bateram recordes mais uma vez nos Estados Unidos e na Europa. No sul de Portugal, o município de Odemira ardeu em chamas. Observatórios renomados afirmam que julho de 2023 foi o mês mais quente desde que as temperaturas mundiais começaram a ser registradas, na segunda metade do século XIX.
Depois que um incêndio devastador passa, é de se supor que todo o material combustível tenha sido devorado e que nenhum novo incêndio possa queimar o que já foi queimado. Resta a aridez, que se agrava ano a ano. E as reconstruções de casas e cidades atingidas sempre fornecem material para o fogo novamente.
Algumas ilhas foram vitimadas pelo fogo em 2023. Em Rodes e em Corfu, integrantes da Grécia, os incêndios foram inclementes, forçando a saída de 19 mil pessoas de suas casas e de hotéis em Rodes. O mesmo aconteceu, em menor escala, em Corfu.
Recentemente, o maior incêndio registrado numa ilha do arquipélago do Havaí, um dos estados norte-americanos, simplesmente apagou do mapa uma cidade. Trata-se da cidade de Lahaina, na ilha de Maui. A imprensa costuma noticiar os casos pontuais, tipo entrevistar uma velhinha, mostrar carros queimados, filmar um cachorro e/ou um gato que se salvaram, buscar logo brasileiros residentes na cidade. Tudo sem maior profundidade.
As ilhas do oceano Pacífico, no geral, têm formação vulcânica ou coralígena. As formadoras do arquipélago do Havaí têm origem vulcânica. As partes altas costumam ser cobertas por florestas temperadas estacionais. As cidades se ergueram nas partes baixas, junto ao mar. Floresta estacional é aquela que perde folhas na estação seca, tornando-se vulnerável a incêndios. O fogo é bastante comum na Califórnia, no Canadá e na orla do mar Mediterrâneo. Os incêndios estão se tornando mais destruidores por conta das mudanças climáticas e das cidades que se ergueram em locais sujeitos a fogo. E ventos fortes ajudam os incêndios a se alastrarem com mais rapidez e mais intensidade.
Lahaina reuniu esses ingredientes: ergueu-se na orla de uma ilha vulcânica em que florestas estacionais ocupam a parte alta da ilha. Está sujeita a tempestades de vento em gradações distintas, incluindo furacões. Por ocasião do recente incêndio, revelou outra fragilidade não esperada em país rico: descuido com a prevenção.
O caso de Lahaina é altamente ilustrativo do nosso tempo. Cidade construída em moldes ocidentais dentro de um país considerado rico, não apresenta desigualdades sociais gritantes. O turismo é um forte elemento de sua economia. Quem a visita geralmente está à procura de exotismos: espetáculos apresentados por nativos polinésios. Há também praticantes de surfe, que podem se fixar na ilha como moradores. Vários brasileiros residiam lá.
Anualmente, a ilha é assolada por incêndios florestais. As matas se recuperam no período úmido. Com as mudanças climáticas, os incêndios estão se tornando mais atrevidos. Eles estão descendo as montanhas e entrando nas cidades. E não apenas os pobres são atingidos por eles. Há poucos pobres. Agora, também os ricos começam a sofrer com o aquecimento global gerado por atividades humanas.
Curiosos dizem que o incêndio que destruiu Lahaina é o maior do século XXI, tendo sido superado apenas pelo incêndio Cloquet, que ocorreu em Minnesota, Wisconsin, em 1918. Parece uma informação descontextualizada. Curt Brown aborda a situação da cidade em “Minnesota, 1918: when flu, fire and war revaged the state”. Houve, naquele ano, a combinação de um grande incêndio com mortes causadas pela gripe espanhola e pela Primeira Guerra Mundial. Não se pode ainda inserir o grande incêndio de 1918 na série histórica do aquecimento global progressivo.
O chamado incêndio Cloquet foi ocasionado faíscas de locomotivas em locais secos. Morreram 453 pessoas. Eventos como esse eram considerados como regulares. Chuvas torrenciais e secas intensas ocorriam de tempos em tempos. Não podemos, por exemplo, buscar aleatoriamente um fenômeno ocorrido no passado sem contextualizá-lo. O incêndio de Lahaina integra uma série ascendente de temperaturas elevadas. Essa série permite fazer previsões. Incêndios como o que destruiu Lahaina tendem a ocorrer com mais frequência.
Agora, secas, incêndios, chuvas torrenciais, inundações, ventos devastadores, destruição de campos agropastoris, de casas e mortes, não são mais questões pontuais. São manifestações de uma civilização que se tornou globalizada. O que acontece no litoral brasileiro deve nos interessar tanto quanto furacões tropicais no Atlântico, derretimento das calotas polares do Ártico e do Antártico e secas na Europa.