Quando o prefeito Wladimir Garotinho anunciou, segunda (28), a entrega do Parque Alberto Sampaio à Associação Evangélica de Campos (AEC) (confira aqui), e que ali passaria a se chamar “Praça da Bíblia”, logo foi lembrado, pela classe artística e cultural da cidade, que o anfiteatro abrigado ali já tem nome — por força de lei —, homenageando seu criador, “um profeta da arte e cultura de Campos, como diretor teatral, poeta, carnavalesco e turismólogo”, chamado Kapi, morto em 2015.
Conta-se que a expressão a emenda saiu pior do que o soneto nasceu quando o poeta português Manuel de Bocage recebeu um soneto para que marcasse com uma cruz cada erro que encontrasse. Havia tantos, porém, que ele o devolveu tal qual o recebeu. O que já estava ruim ficaria ainda pior, caso remendado. Estivesse vivo, não seria de se estranhar caso Kapi se apropriasse da expressão de seu colega português para repelir a nova proposta do prefeito após as manifestações de hoje (veja algumas no blog Opiniões, de Aluysio Abreu Barbosa).
“Vamos manter o nome de Kapi no anfiteatro que ele inaugurou e batiza. E manter a parceria com a AEC(...). No espaço entre o anfiteatro Kapi e onde o Camelódromo funciona provisoriamente, passará a se chamar Praça da Bíblia”. Assim o prefeito emendou o soneto.
Já o ator Alexandre Ferram — talvez dirigido por Kapi de outros palcos — falou "por ele" hoje, em rede social: “Não sei o que é pior. Um palco com nome de Kapi sendo ocupado pra realização de cultos evangélicos é no mínimo desonrar a memória do artista que ele foi. Nesse caso é melhor tirar o nome dele disso, já que a administração pública, pelo visto, mantém sua decisão sem nenhuma consulta e discussão prévia com a comunidade”.
A arquiteta campista Carla Aparecida, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo do Instituto Federal Fluminense (IFF), diz que “um espaço público só é de fato eficaz e seguro se nele coexistirem diversos usos, e pra isso, tal espaço precisa ser atrativo a população”. Sobre o Alberto Sampaio, salienta que as “intervenções” no parque fizeram com que ele perdesse essas características. “A construção da Ponte Leonel Brizola; a área destinada ao estacionamento privativo; o gradeamento; e a locação do Shopping Popular, o isolaram da malha urbana, não sendo acessível e muito menos seguro”.
— O Parque Alberto Sampaio está há anos sendo sufocado pelo poder municipal para fins que contemplam apenas uma minoria. É vital que a cidade seja democrática e justa, com a população sendo incluída na construção desta. Em São Paulo, coletivos como “A cidade precisa de você”, já se organizam em redes colaborativas da sociedade civil em conjunto com o poder público para transformar, ativar e melhorar seus espaços públicos. Conceder a conservação do Parque Alberto Sampaio a um único ‘fazedor cultural’ é apenas mais uma intervenção que nos afasta de uma construção coletiva do espaço — finaliza a arquiteta.
Com a palavra, o Comcultua
Para tentar emendar a emenda de um soneto que Kapi parece ainda escrever em Campos, o Conselho Municipal de Cultura (Comcultura) de Campos convocou reunião extraordinária para às 16h desta sexta (02), onde a nova proposta de Wladimir será apresentada oficialmente à classe artística e cultural do município. Em um Estado ainda laico e em uma Campos ainda com grande relevância cultural, anfiteatros e praças devem permanecer como espaços realmente públicos e plurais — abertos à qualquer manifestação, portanto. Que intervenções são necessárias para que sonetos sejam novamente recitados no local, não resta dúvida. O duvidoso — que quase passa a ser certeza se olharmos para o Mercado, ali ao lado — é se intervir passou a ser sinônimo de descaracterizar em Campos.