Aldir Sales
08/02/2020 18:13 - Atualizado em 19/02/2020 16:49
Como mostrou a Folha da Manhã na edição do último domingo (02), o Ministério Público abriu 14 inquéritos para investigar empréstimos do Fundo de Desenvolvimento de Campos (Fundecam) considerados suspeitos pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Fundecam que foi concluída na Câmara Municipal no ano passado. O valor total do dinheiro que saiu dos cofres públicos nestes contratos soma quase R$ 143,8 milhões em valores atualizados. Deste total, sete empresas nunca pagaram uma parcela sequer e contabilizam R$ 81,1 milhões de prejuízo ao Fundecam. A lista dos devedores é longa e incluem sociedades de Campos e até de Belo Horizonte. Algumas mudaram de nome, enquanto outras já fecharam as portas. Além disso, dois vereadores de mandato são citados nos inquéritos: Rosilani do Renê (PSC), como proprietária de uma das empresas investigadas, e Eduardo Crespo (PL), que é ex-presidente do fundo.
Os atuais proprietários da Fábrica de Sabão Guarulhense são Rosilani e o marido Renê Siqueira, como consta no inquérito do MP. No entanto, os dois compraram a empresa em abril de 2013 da família Pita. O empréstimo, de 2006, foi no valor de R$ 1,8 milhão (R$ 4 milhões em valores atualizados), com objetivo de ampliar e modernizar o parque industrial. A defesa do casal também explicou que os dois não foram chamados pela CPI para explicar a situação e que não poderiam ser citados na investigação. Eles também disseram que imóveis foram dados como garantia para a dívida.
Uma das ex-sócias da empresa, que não quis se identificar, explicou que tem ciência que os atuais sócios que são os responsáveis pela dívida já tentaram negociar diversas vezes junto a Prefeitura, inclusive em outros governos e com o atual, mas sem êxito.
Ex-presidente do fundo e atual vereador, Eduardo Crespo disse que não teve acesso ao relatório final da CPI, não conhece o processo e nem foi citado judicialmente: “A nossa gestão foi transparente e as contas foram aprovadas pelo Conselho. Já como vereador assinei a favor da abertura da CPI do Fundecam. Assinei também por outras CPIs, como a da Saúde, entre outras. Estarei sempre à disposição para prestar qualquer esclarecimento”.
Dos 14 inquéritos, 12 estão nas mãos do promotor Marcelo Lessa, da 2ª Promotoria de Tutela Coletiva de Campos, enquanto outros dois foram redistribuídos para outras promotorias por já haver processos em andamento.
Na 2ª Promotoria, o maior contrato investigado foi assinado no dia 29 de março de 2011 entre o Fundecam e a Canabrava Agrícola S.A. O valor total do empréstimo foi de R$ 21,7 milhões (R$ 35,9 milhões em valores atualizados). Depois de passar por problemas administrativos, a usina passou por uma reformulação e conta com uma nova direção com a denominação de Nova Canabrava. O representante da empresa, Rodrigo Luppi disse que a dívida foi feita pela gestão anterior e que existe um imóvel colocado como garantia.
— A dívida com o Fundecam realmente existe e na época foi colocado um imóvel como garantia pelos antigos proprietários. Desde que assumimos a Canabrava estamos tentando colocar a casa em ordem com o tanto de heranças malditas. Não foi na minha gestão, mas não foi um contrato fraudulento porque existe essa garantia. Até pelas decisões judiciais, minha prioridade atual é resolver os 3 mil processos trabalhistas que herdei. Ainda não fui notificado pelo MP e nem pela Prefeitura sobre essa dívida. Hoje, a Canabrava tem um parque industrial moderníssimo e emprega mais de mil pessoas.
Na sequência aparece a fábrica de fraldas Jeová Industrial Ltda, com sede em Contagem, em Minas Gerais, com R$ 16 milhões em empréstimo de 2007 (R$ 33 milhões atualizados), mas a reportagem não conseguiu contato com os proprietários até o fechamento desta edição.
Na terceira colocação da lista dos maiores contratos do Fundecam investigados aparece os R$ 12 milhões de empréstimo a Agacê Sucroquímica em setembro de 2005 (R$ 27,3 milhões atualizados). O empresário Geraldo Coutinho, dono da empresa, negou qualquer irregularidade na concessão do crédito.
— Desconheço essa investigação do MP, não fui informado oficialmente ainda. Temos absoluta tranquilidade quanto à lisura do contrato com o Fundecam. Infelizmente o projeto não decolou e existe uma inadimplência confessada, mas não houve má intenção no investimento. As aplicações foram comprovadas e não fomos chamados para dar explicações na CPI.
A reportagem também tentou contato com as demais empresas citadas nos inquéritos do Ministério Público, mas não obteve retorno.
Apuração sobre ônibus foi arquivada em 2019
Algumas das empresas que não pagaram nenhuma das parcelas dos empréstimos com o Fundecam fazem parte do sistema de transporte público do município. Em junho de 2019, Marcelo Lessa arquivou o inquérito instaurado com o objetivo de apurar supostas irregularidades na concessão de crédito para que estas empresas comprassem novos ônibus, ainda durante a gestão da ex-prefeita Rosinha Garotinho (Pros).
— A partir disso, proferi o despacho, delimitando de modo bem objetivo o que interessava apurar nestes autos: as empresas receberam o financiamento? Como usaram o dinheiro? Compraram ônibus? Colocaram em circulação em Campos? Era, em síntese, o que interessava. (...) Examinado em conjunto com a assentada da audiência (...), permite concluir que foram adquiridos ônibus, sendo que o pagamento foi feito direto do Fundecam às montadoras fornecedoras dos veículos, de sorte que inexistiu possibilidade de qualquer desvio de recursos. Tais ônibus foram postos em circulação nesta cidade, pelo que o fomento atingiu às finalidades para as quais foi concedido — disse o promotor na decisão.