Caso Patrícia Manhães: marido da vítima e outros dois réus vão a júri popular
Verônica Nascimento e Virna Alencar 04/07/2018 09:15 - Atualizado em 05/07/2018 13:47
Carro da analista judiciária
Carro da analista judiciária / Rodrigo Silveira
Analista judiciária Patrícia Manhães
Analista judiciária Patrícia Manhães / Divulgação
O julgamento dos acusados do assassinato da analista judiciária Patrícia Manhães — Uenderson de Souza Mattos, marido da vítima; Genessi José Maria Filho e Jonathan Bernardo Lima — começou nesta quarta (4) e prossegue nesta quinta-feira (5). Dois anos depois do crime, os réus estão sendo julgados no Fórum Maria Tereza Gusmão, em Campos, local onde a analista e o guarda municipal se conheceram. Amigos de trabalho e familiares da vítima e dos acusados acompanharam o julgamento. Uenderson, com quem Patrícia tinha dois filhos, é acusado de ser o mandante do homicídio, inicialmente apresentado por ele à polícia como latrocínio. 
O julgamento desta quarta começou por volta das 12h, após seleção dos jurados — cinco mulheres e dois homens — e seguiu até o fim dia. Por volta de 21h20, a equipe de reportagem da Folha deixou o Fórum e a última testemunha estava sendo ouvida. O policiamento foi reforçado no Tribunal do Júri e socorristas ficaram apostos durante todo o julgamento. Lugares, nas últimas fileiras de cadeiras, foram reservados para a família e amigos de Patrícia, assim como também foram separadas cadeiras para a imprensa.
O juiz da 1ª Vara Criminal de Campos, Bruno Rodrigues Pinto, leu a denúncia do Ministério Público, segundo a qual Uenderson teria combinado com Genessi a contratação da morte de Patrícia. Os dois trabalhavam na Guarda Municipal de Campos sendo que, na época do crime, Genessi atuava no Grupamento Ambiental (GAM). Conforme a denúncia, ele foi encarregado por Uenderson de contratar Jonathan, que, juntamente com outro homem ainda não identificado, atirou na analista em um suposto assalto. O dinheiro pago pela morte de Patrícia teria sido usado para a realização de um baile funk, pelo aniversário da filha de Jonathan.
Neste primeiro dia de júri, ocorreu a audiência de instrução. A denúncia do Ministério Público destacou as características do crime, ocorrido em 13 de abril de 2016. O MP qualificou o homicídio como encomendado, em uma espécie de troca de favores ou vantagens entre Uenderson e Genessi, praticado sob emboscada, com ataque de difícil defesa pela vítima. O crime ainda foi agravado pelo motivo fútil, pois, conforme a denúncia, Uenderson queria a morte da esposa para manter o caso de mais de um ano com uma amante e se beneficiar da pensão da analista judiciária, bem superior ao salário que ele recebia como auxiliar de segurança na Guarda. A denúncia também citou o menosprezo à condição fragilizada da vítima: mulher, esposa e mãe.
O MP ainda citou que Uenderson e Genessi planejaram a execução de Patrícia. Com a desculpa de entregar um material de pesca a um primo, o guarda levou a esposa até as instalações do antigo Ceasa, onde funcionava o GAM, deixando Patrícia dentro do veículo, em um local escuro e deserto. O local e o horário do crime também teriam sido combinados com os executores, que estariam escondidos na mata próxima e, após efetuarem os disparos, fugiram em direção ao Parque São Mateus.
Após a leitura da denúncia, teve início a oitiva de aproximadamente 10 testemunhas de defesa e acusação. O debate, com a argumentação do Ministério Público, do advogado de Uenderson e dos defensores públicos que representam Genessi e Jonathan, está previsto para esta quinta-feira (5), seguido pela deliberação do júri e a sentença do juiz.
A primeira testemunha da acusação a prestar depoimento foi o titular da 146ª Delegacia de Polícia (Guarus), Luís Maurício Armond, responsável pelas investigações na época do homicídio. Durante depoimento do delegado, o MP apresentou uma maquete da antiga sede da Guarda Civil, em que foi mostrado o local onde Uenderson estacionou o carro na noite do crime, que ocorreu por volta das 18h30. Ao invés de parar na entrada da Guarda, ele teria tomado um caminho para os fundos, onde os executores armariam a emboscada. Uenderson teria estado no local pela manhã e o objetivo do MP foi, através da maquete, mostrar aos jurados os pontos de acesso ao local e demonstrar que Uenderson, sabendo que o lugar era perigoso, teria propositalmente levado o carro e deixado a esposa no ponto "escuro", para a ação dos executores.
Uma reprodução simulada dos fatos ocorridos no local do crime também foi apresentada aos jurados. A versão digitalizada da simulação do crime também continha imagens gravadas na simulação real, realizada pelo delegado e por promotores de Justiça meses após o crime. O delegado foi explicando os fatos e acrescentando informações. "Quatro minutos antes da esposa ser morta, Uenderson ligou para Genessi. Patrícia, sentindo temerosa por estar sozinha no carro, fez diversas chamadas para o marido também", destacou Armond.
Outra informação é que o guarda teria alegado tratar-se de um assalto, que tinham levado um embrulho com dinheiro que estava no carro. Segundo Armond, a perícia demonstrou que o corpo de Patrícia não foi manipulado e o carro também não teria sido aberto. "Os executores atiraram e fugiram pela mata". Interceptações telefônicas mostraram o contato constante de Uenderson com Genessi e deste com Jonathan. Genessi teria alertado o executor sobre as investigações da polícia e buscas no Parque São Mateus.
— Uenderson usava diferentes telefones para contatar Genessi e os contatos eram constantes durante o mês anterior ao crime e depois foram ficando esporádicos, o que nos chamou a atenção. Quando interrogamos Jonathan, ele disse ser ajudante de pedreiro, mas poucos dias após a morte da analista, ele deu uma festa para a filha, com cerveja para todo mundo, brinquedos, o que não poderia ser bancado com um salário de pedreiro. São várias provas de que Uenderson, sem considerar a esposa e mãe de seus filhos, encomendou sua morte, para dela se beneficiar — concluiu o delegado.
Amiga prestou homenagem à Patrícia
Amiga prestou homenagem à Patrícia / Verônica Nascimento
Foi dado um intervalo no julgamento por volta das 13h52. Aguardando o retorno, estava uma amiga de Patrícia. Erika Moreira, de 40 anos, vestia uma blusa com a imagem da analista judiciária. Quando completou um ano da morte da amiga, ela fez uma tatuagem com o rosto de Patrícia e a frase "O pior de sentir saudade é saber que não volta mais. Patrícia Manhães". "Ela era uma ótima pessoa. Está pra nascer no mundo outra igual", falou.
O julgamento foi retomado às 14h46, com depoimento da inspetora Carolina Soares, que acompanhou a investigação. A inspetora relatou que, quando recebeu a notícia do crime por um PM, lhe causou estranheza o local, os fundos da sede da Guarda Ambiental, sem nenhuma iluminação pública, sendo que há um local de estacionamento próprio para guardas e frequentantes. Segundo Carolina, o carro foi estacionado em um ponto anterior as janelas da base onde nenhum guarda pudesse avistá-la. Uenderson alegou que o casal estaria lá para a entrega de uma pipa a um primo depois de sete anos de posse.
Ela disse que durante as diligências advertiu Uenderson, que prestava muita atenção ao que os policiais conversavam. No momento do crime, segundo a inspetora, ele sustentava a ideia de socorrer a mulher que evidentemente estava morta, não acionando os bombeiros e a PM e, assim, existiria a probabilidade dos criminosos serem capturados.
Sobre o envolvimento de Genessi, ela disse que o acusado estava de plantão no dia do crime. Foi verificado que ele usava tornozeleira e já tinha passagens pela polícia por homicídio qualificado e furto. A inspetora disse, ainda, que denúncias chegadas à delegacia relatavam o possível envolvimento de um guarda no crime. 
Segundo a testemunha, ficou comprovada a ligação entre Uenderson, Genessi e Jonathan, por meio de interceptação telefônica - capaz de captar conversas em tempo real. Jonathan fez ligações para Genessi antes e depois do crime e começou a ligar para Uenderson nove dias antes. Depois do crime, o acusado ainda mandou SMS para Uenderson. Os acusados, de acordo com depoimento da inspetora, tentaram encobrir a relação entre eles e houve contradição nos depoimentos. 
Após o crime, Jonathan promove um baile funk que, segundo testemunhas, foi uma festa farta, sendo que a amante de Jonathan havia declarado que ele estava desempregado fazendo bicos como ajudante de pedreiro. 
A inspetora ainda coloca que informações chegadas à delegacia descreveram um dos criminosos como alto, negro e magro, condizentes com as características de Jonathan, que tem passagens por tráfico de drogas e porte de arma de fogo. Ela ainda descartou a possibilidade do crime ter cunho patrimonial, pois Patrícia segurava o celular e a bolsa, que não foram subtraídos.
Ainda segundo a testemunha, no dia do crime, a primeira pessoa para quem Genessi liga é Uenderson, que por sua vez liga para a amante, com quem já mantinha relação há mais de um ano. Quando interrogada, a mulher contou que começou a estranhar o comportamento de Uenderson após o crime, ele discutia como seria dividido os bens, valor de pensão, em nenhum momento demonstrando estar fragilizado. Uenderson ainda propôs à amante que ela largasse o marido para que ele a assumisse.
Novo intervalo foi dado às 17h04. O julgamento retornou às 17h21, com depoimento de Marcelo Matos, primo de Uenderson. Marcelo disse que estava de serviço quando o fato aconteceu.
Dois ou três dias antes do crime, Uenderson liga para ele dizendo que o encontraria para levar uma pipa. Como conta Marcelo, Uenderson chegou por volta das 17h30. A testemunha ainda relata que conversava com Bruno, um colega de serviço, a respeito de um cavalo e que, em seguida, foi para dentro da base com Uenderson. No local estava também outro colega de serviço, conhecido como Porto. O homem contou que não percebeu o acusado chegando de carro, pois não havia iluminação no local. Segundo ele, Uenderson não falou que Patrícia estava no veículo, nem demonstrava pressa de ir embora.
O primo de Uenderson disse que, minutos depois de entrarem na base, três disparos foram ouvidos, momento em que Uenderson vai até a janela e grita: “Minha mulher e meu carro”. Em seguida, eles vão até o automóvel. Segundo a testemunha, Genessi estava de serviço e trabalhava em sua guarnição. Ele teria saído para buscar uma viatura que estava na oficina.
A quarta testemunha ouvida foi o guarda ambiental Luiz Carlos Porto da Silva. Ele disse que estava de plantão no dia do crime e que, no momento dos disparos, falava ao telefone com um conhecido de Farol, que conserta pipa e material de pesca, a pedido de Uenderson. Disse que primeiramente ligou para a PM e que ficou na sede enquanto Uenderson e Marcelo foram socorrer Patrícia, que já chegou ao hospital sem vida. Tanto Marcelo quanto Porto relataram que Bruno (que estava do lado de fora) disse ter visto duas pessoas seguindo para o matagal após os disparos. Perguntado pela assistente de acusação se ele deixaria a esposa estacionado no local do crime, Porto respondeu: "em hipótese alguma".
Outra testemunha ouvida nesta quarta-feira foi o comandante da Guarda Ambiental, Sávio Tatagiba. Ele contou que Genessi se prontificou a ir à oficina com ele, onde permaneceu até por volta das 18h. De lá, Sávio disse ter levado a esposa a um colégio. No caminho, ele recebeu uma ligação de Marcelo, primo de Uenderson, contando o ocorrido. Sávio contou que ligou para o comandante da Guarda Municipal pedindo reforço e relatando que a mulher do motorista dele, Uenderson, havia sido baleada. Perguntado pela defesa sobre o comportamento de Uenderson, Sávio disse que o acusado demonstrava ser uma pessoa quieta, tranquila, pacata e que lhe causou estranheza as suposições de que ele seria o mandante do crime.
Às 18h42, foi dada nova pausa. 
Após a pausa, Bruno Batista Amaral, outra testemunha do caso, contou, em depoimento, que assim que encerrou a conversa com Marcelo, foi colocar o cavalo no curral e sentou. Foi quando ouviu os disparos em direção ao grupamento. Disse que viu duas pessoas correndo em direção ao mato, logo após os disparos.
Considerada uma testemunha importante, Jaciara Dias Araújo Silva, empregada do casal que trabalhava há 4 anos e 10 meses na residência, contou que tomava conta do apartamento e dos filhos de Patrícia e Uenderson, de 4 e 8 anos.
Durante depoimento, ela disse que o casal mantinha uma relação normal na presença dela. No dia do crime, por volta das 19h, no seu horário de saída, Uenderson ligou pra ela perguntando se poderia ficar até mais tarde, que a deixaria em casa, pois estava resolvendo um problema. Segundo ela, ele estava bem natural como se nada tivesse acontecido. Jaciara relatou, ainda, que Uenderson colocou o advogado dele para pressioná-la e mudar seu depoimento. Ela disse para o patrão que não mentira e que cabia a ele provar a inocência.
Ainda segundo o depoimento dela, dois dias depois, Uenderson mandou tirar todas as fotos de Patrícia do apartamento. Uenderson falava para os filhos que a mãe tinha abandonado eles. No dia seguinte ao crime, Uenderson deu baixa na carteira dela sem ela saber. Ao final do seu depoimento, Jaciara fez elogios a Patrícia. 
Último depoimento desta quarta-feira, Marcelo Manhães Gonçalves, irmão de Patrícia, disse que no dia do crime estava trabalhando na comarca de SJB, onde ele é servidor público, quando recebeu a ligação de Uenderson, por volta das 18h44, dizendo que a irmã havia sido baleada. Ele perguntou para Uenderson em que parte do corpo ela tinha sido atingida, a fim de saber a gravidade da situação, mas o marido da vítima disse que não sabia responder. 
Assim que chegou ao Hospital Ferreira Machado, Marcelo contou que foi ao encontro de Uenderson. Ele viu que o guarda segurava a bolsa de Patrícia e na conversa percebeu que ele demonstrava frieza. Ao olhar o carro, Marcelo afirmou se tratar de execução e percebeu que nessa hora Uenderson mudou o semblante.
Ainda em seu depoimento, o irmão da vítima disse que durante o enterro de Patrícia, Uenderson não se aproximou do caixão e que conversava com colegas da Guarda rindo. 
Marcelo, que atualmente cuida dos filhos do casal, disse que foi a 146ª Delegacia acompanhar as investigações e contou para o delegado Armond que às 18h44 recebeu a ligação de Uenderson, dizendo que Patrícia foi baleada. No entanto, Armond mostrou o registro de uma ligação realizada do celular de Patrícia para Uenderson às 18h53.
Uenderson disse para o irmão da vítima que assim que ouviu os disparos, o celular tocava no bolso dele e, ao abrir o carro, viu o celular dela no chão do veículo realizando a chamada. Ele questionou Uenderson: “como a pessoa leva dois tiros e faz uma ligação?” 
Ainda em seu depoimento, Marcelo disse: "minha irmã não era de sair. De tão caseira, ficou uma presa fácil". 
 
 

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