Colocaram nas mãos de um neozelandês que só dirigiu filmes de baixo orçamento a missão de conduzir o terceiro filme em que Thor é o principal herói. Taika Waititi é filho de branco com maori. Ele dá um caráter mestiço a sua concepção. Assim como os maoris perderam a sua concepção sacralizada de mundo, seu diretor leva o paraíso dos Vikings a um mundo completamente humano. A partir da criação original de Stan Lee, Larry Lieber e Jack Kirby, vários roteiristas foram convocados sob o comando de Eric Pearson. Se, na literatura, o roteiro ainda não pode se libertar completamente do texto, nos quadrinhos, roteiro e diretor têm maior liberdade. Eles, no máximo, devem respeitar os perfis dos personagens, não as histórias. Mas Waititi nem isso fez.
O enredo envolve Asgard, a Terra, um planeta estranho e Asgard novamente. Melancolicamente, Odin está aposentado na Terra. Ele é representado pelo também melancólico Anthony Hopkins em fim de carreira. Thor (Chris Hemsworth) não é tão forte como se pensava. Segundo Odin, seu pai, ele é mais forte do que imagina. Mesmo assim, sua irmã Hela (Cate Blanchet), a deusa da destruição, mói seu invencível martelo e lhe usurpa o trono depois de muitas mortes.
Na tentativa de voltar ao lar, Thor e Loki (Tom Hiddleston), seu irmão traiçoeiro, são capturados por uma ex-Valquíria (Tessa Thompson) num mundo que representa talvez a melhor parte do filme. Ele parece o lixão do cosmos. Tudo que é dejeto cai lá. Seres estranhíssimos estão prestes a capturar nosso herói quando uma Valquíria sem qualquer traço nórdico o salva para vendê-lo. Thor, quem diria, caiu num mundo dominado pelo ótimo Jeff Goldblum (no papel de Grandmaster). Comprado como lutador, ele deverá enfrentar competidores.
Esse mundo é dominado por pão e circo, mais circo do que pão. E Hulk é aclamado como um King Kong. Seu chefe, sua general e seu povo vivem no meio do lixo, caçam humanos e urram na arena. Thor é jogado lá para enfrentar ninguém menos que Hulk (Mark Ruffalo). Os dois fazem parte da Marvel e já se conhecem. Mas Hulk o estranha. Repito que esta é a melhor parte do filme pelas tiradas de humor, pelas trapalhadas e pela metalinguagem. Todos os heróis, bons ou maus, perderam sua aura de superioridade em relação aos pobres mortais. Mas é preciso voltar para Asgard e enfrentar a pérfida Hela. Afinal, Asgard não é um topos, mas um povo, um modo de ser. Para tanto, forma-se um bizarro exército. O diretor não tem o menor receio de armar deuses com as mais poderosas armas terrenas.
Assim, armados até os dentes, e com a força dos seus músculos, mais uma vez o bem triunfa e Thor recupera seu trono, manchado de sangue pelo seu envelhecido pai e por sua derrotada irmã. Como Asgard foi destroçada, Thor, seus ajudantes e seu povo escolhem a Terra para morar. O que virá por aí?
Por mais que Taika Waititi desmistifique de vez o que sobrou de um mundo sagrado, por sua vez já bastante dessacralizado por Stan Lee, a melhor versão de Thor ainda cabe a Kenneth Branhagh, o shakespeariano diretor. No mais, a Marvel tem reunido seus heróis de todas as formas. Eles se amam, se estranham, mas estão juntos. A DC Comics está tentando promover encontros com os seus. A Universal promete uma confraternização de seus monstros. Mas começou mal com o retorno da múmia.