O que querem os catadores de recicláveis de Campos?
26/08/2024 | 18h03
Movimento Reciclando Justiça – Catadores em luta pela sobrevivência
Movimento Reciclando Justiça – Catadores em luta pela sobrevivência / Erica Almeida - Acervo pessoal
 
Quando a Prefeitura de Campos encerrou, em 2012, as atividades do antigo lixão da Codin, transferindo os resíduos sólidos urbanos (RSU) para o aterro sanitário, tivemos um avanço importante do ponto de vista da saúde pública e do ambiente. Mas, para centenas de catadores e catadoras de materiais recicláveis, a mudança decretou o fim daquele que era o seu meio de vida por mais de duas décadas. Mesmo sem carteira assinada e em condições insalubres, o trabalho no lixão propiciava ganhos diários e autonomia quanto ao tempo de trabalho, à comercialização e à proximidade com a moradia — o que era crucial para as mulheres, quase sempre responsáveis pelos cuidados da família e da casa.
De 2012 até hoje, o movimento dos catadores avançou reivindicações importantes em Campos, como a criação das cooperativas, a construção dos galpões com alguns equipamentos e a recepção da coleta seletiva local, antes doada a uma ONG. Mas eles continuam longe de conquistar autonomia para enfrentar a precarização, a rotatividade e os baixos rendimentos.
Em 2020, com a pandemia da Covid-19, os rendimentos dos catadores foram impactados com o fechamento das escolas e do comércio de rua. O prolongamento da pandemia e os problemas relativos à sua gestão promoveram um encolhimento do mercado de trabalho, atingindo especialmente as ocupações que envolvem menor escolaridade e renda, como serviços domésticos, alojamento e alimentação e construção — conforme dados do IBGE referentes à Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad Contínua) de 2020. Segundo a mesma fonte, a população desocupada chegou a 12,7 milhões de pessoas; entre as que tinham ocupação, 37,6% estavam na informalidade. Muitos desempregados, dentre eles jovens sem expectativa de trabalho, optaram pela coleta de recicláveis nas ruas e lixões.
Segundo o Sistema Nacional de Informações sobre o Saneamento (Snis), em 2022 o Brasil gerou 63,8 toneladas de resíduos sólidos urbanos (RSU), que popularmente chamamos de lixo. Em média, cada habitante do nosso país gerou quase um quilo (0,98 kg) de resíduos desse tipo por dia. Enquanto 80% desses materiais são enviados para os aterros sanitários, 7% sequer são coletados e, portanto, são descartados de maneira inadequada e/ou queimados, contrariando a Política Nacional de Resíduos Sólidos, instituída pela Lei 12.035/2010. No que se refere à coleta seletiva, ela está presente em menos de um terço (32,2%) dos 5.570 municípios brasileiros. Em Campos, segundo informações da Vital Engenharia, em 2022, o município gerou mais de 90 mil toneladas de RSU, o equivalente a pouco mais de meio quilo de lixo por pessoa a cada dia.
Do material que é recolhido pela coleta tradicional — em que os recicláveis estão misturados com o resíduos orgânicos —, de cinco a sete caminhões por semana são cedidos à Cooperativa Nova Esperança, na Codin; o restante é encaminhado para o aterro sanitário perto de Conselheiro Josino. Ainda que o aterro cumpra a sua função de receber adequadamente os resíduos sólidos da cidade, uma boa parcela deles é composta de materiais recicláveis, que, segundo a política nacional definida para o setor, não poderiam estar no aterro, já que ainda podem ser reutilizados e/ou reciclados. A solução mais adequada é a separação do resíduo seco (reciclável) do molhado (orgânico) ainda no domicílio ou comércio e o seu recolhimento pela coleta seletiva com a participação das organizações de catadores, o que, além de contribuir com o ambiente, gera trabalho e renda para milhares de pessoas.
Segundo a política nacional instituída em 2010, os municípios são os responsáveis pela realização da coleta seletiva e devem priorizar a contratação de cooperativas e/ou associações de catadores ou de trabalhadores em situação de vulnerabilidade. Essa é principal bandeira de luta dos catadores e catadoras de recicláveis de Campos!
No Brasil 39,4% da coleta seletiva é realizada pelas organizações de catadores, contratadas formalmente ou não para a prestação deste serviço ambiental urbano, conforme dados da pesquisa Ciclosoft 2023, realizada pela associação sem fins lucrativos Compromisso Empresarial para Reciclagem (Cempre). Ainda segundo o Cempre, dados de 2023 do Sistema Nacional de Informações sobre o Saneamento indicam que apenas 1.211 municípios brasileiros (21,7% do total) realizam coleta seletiva para pelo menos metade da sua população — uma prática que precisa melhorar diante dos desafios impostos pela crise climática e urbana.
Segundo o IBGE, o número de catadores informais passou de 180,5 mil em 2014 para 268 mil em 2018, um crescimento de 48%, conforme relato da jornalista Thaís Carrança no jornal Valor Econômico de 10/05/19.
Para o Movimento dos Catadores, no entanto, os números podem ser bem maiores, já que nem todos os catadores consideram a coleta de recicláveis como sua atividade principal, levando a uma subnotificação deste indicador. De qualquer forma, os dados revelam não só o aumento no quantitativo de catadores nos anos de crise do emprego e de avanço da extrema pobreza, como também o significado desta atividade para a reprodução social das famílias de trabalhadores mais vulnerabilizados e desprotegidos socialmente.
Cabe registrar que, embora prestem um serviço ambiental muito mais amplo, os catadores só recebem — e muito pouco! — pela parte do material coletado que é adquirida pela indústria. O papelão que, por hipótese, tenha sido comprado pela indústria ao comerciante intermediário por R$ 1 foi antes negociado por R$ 0,50 com o comerciante de bairro, que, por sua vez, comprou da cooperativa de catadores por R$ 0,30 ou até menos, se ele for um catador individual de rua. Trata-se de uma atividade sem custos e responsabilidades tanto para o setor produtivo, que tem lucrado cada vez mais com a superexploração dos catadores, quanto para os governos, que não reconhecem o trabalho ambiental urbano realizado por este segmento social.
Enquanto lugar de trabalhadores empobrecidos, a coleta de recicláveis resiste ao tempo e ao “desenvolvimento”, demonstrando que, depois de tantos anos, ela continua absorvendo parcela significativa da classe atingida pelo desemprego estrutural-tecnológico, ou seja, por aquele desemprego causado pelas inovações tecnológicas e que persiste com ou sem crescimento econômico, particularmente nas economias dependentes como a do Brasil. Detalhe importante: a existência dos catadores de recicláveis e de pessoas exercendo outras ocupações de menor prestígio sem nenhuma regulação e proteção trabalhista não tem nada de disfuncional. Essas pessoas não são “excluídas” do processo produtivo. Ao contrário, os catadores cumprem papel estratégico na consolidação, lucratividade e expansão da cadeia produtiva da reciclagem.
Quanto maior e mais duradouro for o desemprego e a necessidade de sobrevivência de trabalhadores, maior será a força de trabalho disponível para esta e quaisquer outras atividades insalubres, inseguras, precarizadas e de baixíssima remuneração e/ou em situação análoga à escravidão.
Em síntese, ao apresentar a preocupação da sociedade brasileira, com a redução do consumo e com a recuperação e reciclagem dos RSU, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) foi fundamental para a regulação desta atividade, chamando a atenção para a responsabilidade dos governos, das empresas e da sociedade com práticas mais sustentáveis e justas. Ao recuperar o papel histórico dos catadores, a PNRS aponta os caminhos para a integração de suas organizações na política municipal de resíduos sólidos, particularmente na coleta seletiva, na educação ambiental e na logística reversa (o caminho inverso dos resíduos do ponto de consumo para o ponto de origem).
Cabe perguntar se os(as) candidatos(as) a governar nossa cidade pretendem implementar uma política de resíduos sólidos em conformidade com a Lei 12.305/2010, contratando as cooperativas de catadores para a realização da coleta seletiva local, ou se vão continuar negligenciando a coleta seletiva com a participação dos catadores no enfrentamento da questão ambiental, climática e social que aflige o nosso município.
Érica Almeida é professora associada do curso de Serviço Social e do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional, Ambiente e Políticas Públicas da UFF Campos dos Goytacazes, um dos parceiros do Núcleo Norte Fluminense do INCT Observatório das Metrópoles. A autora é também coordenadora do Núcleo de Pesquisa em Dinâmica Capitalista e Ação Política (Netrad).
 
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Transporte público gratuito na agenda da mobilidade urbana
12/07/2024 | 18h41
IMTT
Movimentar-se no espaço é uma ação primordial para garantir o acesso a lugares, recursos, equipamentos e oportunidades por parte da população. Por isso, as políticas e ações que visem melhorar as condições de mobilidade são essenciais para a ampliação desse acesso.
No cenário das políticas urbanas na primeira década do século XXI, sob os princípios do Estatuto das Cidades, da Criação do Ministério das Cidades, esse termo “mobilidade urbana” passou a ser bastante difundido no país, situando o debate e as ações para além das questões de trânsito e transporte. Os serviços de mobilidade urbana no Brasil são de competência do município, mas devem atender às orientações legais colocadas em nível federal, como a Lei de Mobilidade Urbana (Lei 12.587/12).
A agenda política para uma mobilidade urbana com potencial de transformação precisa considerar a diversidade urbana brasileira, as desigualdades, as injustiças sociais e ambientais. A mobilidade é primordial para vislumbrarmos cidades mais justas, democráticas, inclusivas e ambientalmente sustentáveis. Não há dúvidas entre os estudiosos do tema que a mobilidade é uma dimensão central para enfrentar os desafios ambientais relacionados às mudanças climáticas, uma vez que boa parte das emissões de CO2 se dá através do transporte motorizado.
Assim, também é preciso superar o modelo de planejamento do setor baseado na automobilidade, o que está ligado à ampliação e diversificação de infraestruturas. Já do ponto de vista social e econômico, precisamos muito questionar o modelo de prestação do serviço e o modelo de financiamento prevalecente em boa parte dos municípios brasileiros.
Nessa pegada, tem ocorrido um amplo movimento no Brasil para discutir as ações no setor. Podemos destacar a Coalizão Mobilidade Triplo Zero, uma “rede de organizações da sociedade civil, movimentos sociais e pesquisadores que surge com a perspectiva de apresentar saídas para a superação da crise da mobilidade que afeta o Brasil e lutar por garantir mais democracia e acesso a direitos sociais”. O “triplo” refere-se a três dimensões: zero tarifa, zero emissões de poluentes e zero mortes no trânsito, focando nos aspectos econômicos, sociais e ambientais relacionados à mobilidade.
No que se refere aos custos do transporte, um dos principais problemas para acesso ao sistema são as altas tarifas, aliadas a má qualidade dos serviços de transporte público, falta de financiamento para a criação de infraestrutura adequada, ausência de transparência sobre os custos das empresas concessionárias do transporte público, falta de fiscalização.
Ao problematizar o assunto, tem crescido no Brasil o debate e as iniciativas em torno da tarifa zero. Os formatos de implementação atuais são diversificados, assim como a fonte dos recursos. Até levantamento de junho de 2024 no site da Coalização Triplo Zero são 106 municípios no país que já apresentam a tarifa zero, sob diferentes articulações e formatos. É fundamental pontuar que a proposta não envolve simplesmente transferir recursos para as empresas, mas reconstruir o modelo de financiamento e prestação do serviço.
Aliada a essa ideia, desde maio de 2023, está tramitando no Congresso Nacional uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC 25/2023) para instituir o SUM (Sistema Único de Mobilidade), que poderá integrar o transporte público de todo o país. A iniciativa foi articulada pela Coalizão Mobilidade Triplo Zero e diversas entidades e apresentada pela deputada federal Luísa Erundina, com o seguinte teor: “Acrescenta o Capítulo IX ao Título VIII para oferecer diretrizes sobre o direito social ao transporte previsto no art. 6º e sobre o Sistema único de Mobilidade e autoriza a União, Distrito Federal e Municípios a instituírem contribuição pelo uso do sistema viário, destinada ao custeio do transporte público coletivo urbano”.
O projeto prevê maior participação nas decisões no setor de mobilidade, transparência na destinação e aplicação dos recursos, novas fontes de financiamento para que os custos não sejam apenas na esfera dos municípios, e que sejam mais focados no transporte público e na mobilidade ativa.
Na região norte fluminense, ainda há pouco debate nesse sentido. Segundo mapeamento coletivo organizado por Daniel Santini, vinculado a Coalizão Triplo Zero, no ERJ são 13 (dos 92 municípios) com alguma experiência relacionada à Tarifa Zero. Na região norte fluminense, o levantamento traz as iniciativas recentes de São João da Barra e São Fidélis, no NF – municípios com 38,9 e 36,5 mil habitantes que lançaram a experiência da gratuidade no transporte público – cenário ainda a acompanhar.
Impossível não mencionar que o histórico recente das políticas urbanas dos municípios da região foi fortemente influenciado pelas rendas advindas dos royalties do petróleo, porém de forma contraditória, com abundância de recursos sem planejamento de longo prazo e redução das desigualdades. Maricá e Niterói (atualmente as bilionárias no recebimento destes recursos) assumem que estão num esforço para não repetir os erros dos municípios do norte fluminense. Aliás, Maricá figura entre os municípios com expressiva experiência na implementação de uma política de tarifa zero, desde 2014.
Já o município de Campos, por exemplo, o maior município em extensão territorial do estado e o maior em população do interior, apresenta inúmeros desafios relativos ao sistema de mobilidade urbana, com expansão de sua área urbana e persistente dificuldade de integração entre os subdistritos e mesmo bairros da área urbana. Os recursos dos royalties neste município financiaram políticas que tiveram grande impacto sobre o espaço urbano, como o Programa Habitacional Morar Feliz, a Política do transporte a 1 real, entre outras.
Esta última, implantada em 2009, foi denominada Programa Campos Cidadão, uma política que realmente aumentou o número de passageiros e o número de viagens realizadas no município. Durante sua vigência, vários ajustes foram realizados por meio de novos decretos e leis, com alterações no preço original da passagem para quem não estava no programa. Mas sua interrupção ocorreu por completo em 2017 quando assumiu uma gestão diversa ao grupo político que estava nos governos anteriores. O programa se aproximou de um modelo de tarifação subsidiado pelo poder público, mas, apesar de ampliar o acesso ao transporte, não apresentou melhorias amplas no sistema. De todo modo, suas falhas e potencialidades constituíram um considerável experimento para pensar o modelo de financiamento e de prestação do serviço, assim como o papel do transporte público no município.
Sabemos que os desafios são imensos para pensar no aprofundamento do acesso à cidade via transporte público gratuito, mas os caminhos estão sendo trilhados e já temos muitas experiências nessa linha. Claro que o debate em nível nacional também é fundamental, como a proposição do SUM. Importa destacar que não adianta apenas zerar a tarifa, é preciso fomentar uma agenda de mobilidade com participação nas decisões, transparência na destinação e aplicação dos recursos, novas fontes de financiamento para que os custos não sejam apenas na esfera dos municípios, controle e fiscalização dos prestadores e foco no transporte público e na mobilidade ativa com um sistema de mobilidade e infraestrutura mais sustentável.
Portanto, a questão da mobilidade urbana sustentável é tema central para o debate político no cenário pré-eleitoral atual, reconhecendo sua relação com outras políticas como habitação, segurança, meio ambiente, saúde, desenvolvimento econômico e social. Candidatos e candidatas aos executivos e legislativos municipais precisam responder o que pensam e o que propõem sobre este tema que define em grande medida o cotidiano de nossas cidades.

* Érica Tavares é professora da UFF Campos, pesquisadora do Núcleo Norte Fluminense do INCT Observatório das Metrópoles e do Núcleo de Estudos Socioambientais da UFF
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Caminhada e bicicleta como política pública
28/06/2024 | 18h00
Agência Brasil
Agência Brasil / Rovena Rosa
Não é de hoje que andar a pé ou de bicicleta é um importante meio de locomoção para os campistas das classes populares, mas na atualidade essas são consideradas boas opções de mobilidade a serem incentivadas pelo poder público. O termo técnico para dizer isso é transporte ativo, que inclui caminhar, andar de bicicleta ou qualquer outro meio não motorizado de se deslocar.
Essa realidade pode ser de difícil assimilação para certa mentalidade aristocrática que muitos de nós carregamos mesmo sem perceber, mas andar a pé e de bicicleta não é mais "coisa de pobre" - aliás, esse tipo de expressão não cabe em uma concepção de cidade de e para todos. Os estudos mais atualizados sobre mobilidade urbana concebem o transporte ativo como forma complementar a modais de transporte motorizado. Seria o caso, por exemplo, de utilizar a bicicleta até um terminal, estacioná-la de forma segura e continuar o trajeto de ônibus. Este tipo de integração, baseado numa ideia de intermodalidade, potencialmente reduz o tempo de viagem, diminui o uso de transportes motorizados, como o carro, e melhora o acesso ao transporte público pela população, além de aumentar a quantidade de usuários neste tipo de modal.
É importante dizer que nenhum tipo de transporte deve ser colocado como algo indevido ou que deva ser abolido. Muito pelo contrário: defende-se a liberdade de escolha das pessoas que irão utilizar determinado modal, considerando o que melhor se adeque ao seu estilo de vida e à realização de sua(s) atividade(s). Quando agregamos ao transporte público a mobilidade ativa, ou seja, o uso do caminhar e do pedalar, estamos promovendo uma mobilidade mais sustentável, porque estamos associando transportes menos poluentes. Isso otimiza custos e emissões de gases poluentes nos deslocamentos. A mobilidade urbana sustentável relaciona-se ao direito fundamental ao ambiente sadio e equilibrado, em uma perspectiva que atenda as diferentes idades, das gerações atuais e futuras, na efetivação da liberdade de locomoção com acessibilidade.
O fato é que o espaço urbano espelha as dinâmicas sociais, culturais, ambientais, políticas e econômicas da sociedade, intermediando as relações entre indivíduos e ambiente. Concretamente: quando a gente vê um condomínio de habitações populares distante da área central e as pessoas pedalando no acostamento de uma rodovia federal para se deslocar até o trabalho na área central, isso diz um pouco sobre as dinâmicas sociais, culturais, ambientais, políticas e econômicas da nossa sociedade campista. Da mesma forma, com sinal trocado, quando presenciamos a expansão da malha cicloviária na zona urbana, podemos entender que isso exprime certo amadurecimento da nossa sociedade, ainda que em meio a conflitos e falhas pontuais de planejamento.
Apontada como um dos meios de transportes mais eficientes, de menor custo em produção e aquisição, assim como o caminhar, o pedalar é uma ação limpa, não causando danos ao ambiente, além de contribuir para atenuar possíveis enfermidades. A bicicleta possui grande potencial para inserção no espaço urbano e adoção por parte da população no geral, já que seu uso atende a todas as faixas etárias e ainda possui multifuncionalidade, podendo servir de objeto para lazer, esporte ou trabalho.
Pensando na mobilidade ativa, mais especificamente o caminhar e o pedalar em Campos, suas ruas, calçadas e ciclovias, ou similares, e a relação disso com as condições de transporte público, será que a infraestrutura existente contribui para o acesso aos demais modais da cidade, especialmente o transporte público? As características da cidade potencializam o uso do caminhar e do pedalar. Campos é uma planície e, considerando seu núcleo urbano principal, não apresenta distâncias muito longas para serem percorridas no dia a dia de grande parte da população. Mesmo nas distâncias mais amplas, com uma boa infraestrutura de integração, a mobilidade urbana sustentável representa uma importante alternativa.
Durante pesquisas e levantamentos de campo que têm sido realizados na cidade, foram presenciados inúmeros desafios que o caminhar enfrenta na cidade, desde má conservação ou escolha incorreta dos acabamentos, faixas livres estreitas ou quase inexistentes (que é o espaço da calçada destinado ao caminhar livre), ausência de sinalização adequada, semáforos com tempo insuficiente para travessia, incontáveis desrespeitos às leis de trânsito e principalmente desrespeito ao pedestre. Quanto à recém-aumentada malha cicloviária, vários desafios estão sendo observados no que diz respeito à adaptação dos ciclistas para seu uso eficiente e seguro; à sinalização, principalmente nos cruzamentos; e à educação no trânsito, tanto pelos ciclistas quanto por motoristas e pedestres. Tem sido observada uma dificuldade de estabelecer uma relação direta entre as rotas das linhas de ônibus, a malha cicloviária e as características dos espaços para os pedestres.
Essa discussão se alinha aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), que foram estabelecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2015 e compõem uma agenda mundial para a construção e implementação de políticas públicas que visam guiar a humanidade até 2030. O tema se relaciona ao ODS 11 (Cidades e comunidades sustentáveis) e especialmente à meta 11.2, segundo a qual o Brasil, até 2030, “deve melhorar a segurança viária e o acesso à cidade por meio de sistemas de mobilidade urbana mais sustentáveis, inclusivos, eficientes e justos, priorizando o transporte público de massa e o transporte ativo, com especial atenção para as necessidades das pessoas em situação de vulnerabilidade, como aquelas com deficiência e com mobilidade reduzida, mulheres, crianças e pessoas idosas”.
Neste sentido, temos diretrizes estabelecidas no Plano Diretor e no Plano de Mobilidade Urbana Sustentável de Campos que, por meio da estratégia do desenvolvimento sustentável, sinalizam a implementação do Sistema de Mobilidade Urbana Acessível; a implantação de estacionamentos públicos para bicicletas e ciclomotores em áreas apropriadas e com correto dimensionamento; bem como a adequação das calçadas e do mobiliário urbano às normas de mobilidade e acessibilidade, propiciando, assim, a territorialização dos ODS.
Por ocupar um território majoritariamente plano, a cidade de Campos permite, com certa facilidade, incluir os deslocamentos a pé e por bicicleta como importantes modais de transporte e mobilidade urbana. Prever e adequar a integração destes meios de deslocamento com outros tipos de modais de transporte, como os ônibus circulares por exemplo, constituem uma estratégia para alcançar todo o território campista de forma mais econômica e prática, ratificando o direito à cidade.
A literatura acadêmica aponta isso, mas nem chega a soar como novidade. Estranho é a gente não estranhar o hábito de ficar escravo do automóvel durante o dia e à noite ir à academia se exercitar em esteiras rolantes e em bicicletas que não saem do lugar.

Danielly Aliprandi é professora do IFF Campos Centro e coordenadora do APPA/MobiRede.

Fagner das Neves é professor do IFF Campos Centro e pesquisador do APPA/MobiRede.

Daniela Bogado é professora do IFF Campos Centro e pesquisadora do Núcleo Norte Fluminense do INCT Observatório das Metrópoles e do APPA/MobiRede.
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Saneamento básico e eleições municipais: qual olhar devemos ter?
21/06/2024 | 18h44
Rio de Janeiro (RJ) 26/03/2024
Rio de Janeiro (RJ) 26/03/2024 / Fernando Frazão/Agência Brasil
 
No cenário de eleições municipais, os problemas urbanos ganham destaque no debate público e são incorporados às propostas de governo. Um deles é a falta de saneamento básico, que é responsabilidade dos municípios e há décadas vem suscitando discussões sobre possíveis soluções técnicas e financeiras, sempre demandando investimentos volumosos.
Quando falamos em saneamento, estamos nos referindo não apenas aos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário, mas também à gestão de resíduos sólidos (“lixo”) e à drenagem das águas pluviais. Cada um deles possui sistemas particulares, com suas próprias complexidades, assim como envolve diferentes formas de gestão, o que pode levar a uma desmunicipalização, isto é, à transferência da prestação dos serviços para uma concessionária estadual ou privada. Diversos motivos são alegados para explicar essa decisão. Os mais comuns são a baixa capacidade institucional, com pouco ou nenhum corpo técnico qualificado que se responsabilize diretamente por esses sistemas, e a falta de recursos, inviabilizando as grandes obras de infraestrutura exigidas, por exemplo, pelo esgotamento sanitário. Nos municípios menos populosos, a combinação desses dois fatores é mais comum.
No entanto, não podemos permanecer na superficialidade (e ingenuidade) e limitar tais questões a problemas técnicos e/ou financeiros. Se fosse esse o caso, o saneamento já teria sido universalizado, ou pelo menos estaríamos muito mais próximos dessa realidade. A dimensão política é a mais importante. Nesse momento de escolha dos futuros gestores municipais é imperativo pensar o acesso aos serviços de saneamento, avaliar as propostas dos candidatos, decidir e reivindicar qual agenda de governança queremos para os municípios do Norte e Noroeste Fluminense. Ressalta-se que a “dimensão política” colocada não se refere à política partidária, mas sim à necessidade de identificar os interesses públicos e privados envolvidos e os conflitos nem sempre visíveis a olho nu.
É urgente priorizar a parcela da população que não tem acesso aos serviços adequadamente. Falamos de acesso físico e financeiro, que promova qualidade de vida, desenvolvimento, privacidade e dignidade humana. Esse olhar vai além do ato de a concessionária responsável realizar uma ligação à rede de água e esgoto, para contabilização de dados estatísticos e abordagens midiáticas sobre uma suposta universalização que não necessariamente é percebida por toda a população.
As agendas políticas municipais precisam discutir e “fazer saneamento” para quem, até então, tem sido privado dos benefícios de ter água de abastecimento com qualidade e regularidade em suas torneiras e vias sem esgoto e lixo expostos. Através desse direcionamento, a desigualdade será reduzida, principalmente no que concerne à saúde pública, em virtude da contribuição do saneamento para a promoção do bem-estar social.
Em termos de prioridade, entramos no aspecto do direcionamento dos investimentos. O Norte Fluminense já se depara com anos de ações voltadas ao rentismo e ao clientelismo, tanto no setor quanto fora dele, como, por exemplo na economia petrolífera. A iniciativa privada, por exemplo, constantemente se apodera de recursos públicos (em termos financeiros ou em infraestrutura construída) para realizar suas atividades sem, necessariamente, gerar benefícios diretos à população; em outros casos, beneficia uma parcela em detrimento de outra.
Nesse sentido, a cobrança de tarifas é uma estratégia frutífera para o mercado ganhar em cima dessa “renta” (aluguel), principalmente em se tratando de um monopólio natural, como o é no caso dos serviços de água e esgotamento sanitário, em que os contratos possuem, em média, durabilidade de 30 anos. Isso quer dizer que a empresa responsável pelo serviço (quando esta não é municipal) possui o monopólio da água durante um longo período, pois não há competição entre as concessionárias e, caso não satisfaça a população, ela não tem a opção de trocar e migrar para outra (como ocorre com as operadoras de telefonia e internet, por exemplo).
Nós estamos nos referindo à garantia de um direito humano e à gestão de um bem comum (a água), que sofre um processo de mercantilização, isto é, ganha um valor comercial, mas que deveria ser garantido de forma gratuita e segura a toda a população. É preciso mudar essa realidade e reestruturar as prioridades, para superar as demandas das áreas periféricas dos espaços urbanos e o discurso da impossibilidade de atendimento devido à extensão da rede, e procurar medidas que solucionem o acesso em locais que, até então, vêm sendo intitulados como não rentáveis e irresolúveis.
Além disso, a governança municipal deve ter em seu escopo o diálogo com os prestadores dos serviços de saneamento, principalmente diante do emaranhado de relações institucionais, políticas e econômicas que existe em virtude dos múltiplos atores atuantes, ampliados pelas mudanças recentes ocorridas com o leilão da Cedae. O diálogo entre esses atores segue fragmentado, e a população, ainda mais afastada da participação pública e das decisões que a afetam diretamente.
Em Campos dos Goytacazes, foram várias tentativas, sem êxito, de pressionar a concessionária. Jornais locais e pesquisadores como Marcos Pedlowski, da Uenf, e Roberto Moraes, do IFF, vêm há tempo denunciando, em seus blogs pessoais, os lucros exorbitantes da empresa, realizados por meio de uma prática tarifária abusiva (uma das mais altas do Brasil). Seu poderio parece ser maior e para além da alçada do próprio poder público municipal, que é “incapaz” — por vontade política — de estabelecer uma comissão parlamentar de inquérito para rever o contrato de concessão, tentativa que se prorroga por alguns anos. Ao contrário, como anunciado recentemente em mídia local, a prefeitura, por meio de três aditivos, prorrogou o contrato da prestadora por mais 29 anos, sem licitação pública.
Outro ponto fundamental é olhar para o saneamento rural, que historicamente é abandonado pelo poder público, enquanto essa população encontra alternativas individuais (nem sempre adequadas) para lidar com efluentes. Os investimentos públicos, que deveriam ser destinados para garantir o (saneamento) básico, são direcionados para outras áreas — na maioria das vezes, financiando projetos de infraestrutura em áreas (urbanas) já valorizadas. A iniciativa privada, por outro lado, nem cogita chegar a esses espaços, justamente por não serem rentáveis.
Como lidar com o saneamento em zonas rurais, onde os domicílios são dispersos e é mais difícil implantar algum tipo de rede? É preciso que as prefeituras apresentem alternativas junto aos próprios moradores e aprimorem as medidas adotadas para suprir a ausência de serviços regulares, principalmente aquelas que combatam a insalubridade nas comunidades rurais.
Por fim, não podemos deixar de pontuar a ausência da garantia do acesso à água potável e banheiros em espaços públicos. Hoje, além da população em geral, que utiliza a rua em seus deslocamentos cotidianos, nos deparamos com uma parcela da população que possui outra relação com a rua. Por exemplo, os trabalhadores da limpeza pública, os camelôs, os entregadores e motoristas de aplicativos e a população em situação de rua dia e noite buscam formas de existência e sobrevivência nas calçadas e asfaltos da cidade.
Assim, enfatizamos que as novas gestões municipais precisam assumir o papel de representantes da população e contestar o atual cenário de priorização do interesse privado. É preciso e considerar o acesso à água tratada e ao esgotamento sanitário como direito humano, promovendo isonomia na prestação dos serviços e oportunizando espaços de participação e controle social. Água não é mercadoria, é um bem comum.
Não será possível falar em universalização do saneamento se todas essas questões permanecerem negligenciadas. A eleição é uma oportunidade muito importante para o(a) eleitor(a) procurar saber quem é quem no tabuleiro dos interesses envolvidos. E, entre uma eleição e outra, é preciso ocupar os espaços de decisão política para além das urnas eletrônicas.

Carlos Frederico Rangel de Almeida Ribeiro é doutorando em Planejamento Urbano e Regional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e pesquisador assistente do Núcleo Norte Fluminense do INCT Observatório das Metrópoles

Juliana Santos Alves de Souza é doutoranda em Ciências Ambientais e Conservação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e pesquisadora assistente do Núcleo Norte Fluminense do INCT Observatório das Metrópoles
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Mobilidade Urbana, Planejamento e Direito à cidade em Campos dos Goytacazes
14/06/2024 | 20h28
Agência Brasil
Agência Brasil / Fernando Frazão
A mobilidade urbana está entre os mais urgentes temas que permeiam hoje o debate público. Os cidadãos necessitam habitar, mas também se deslocar para acesso às diversas funções urbanas, relacionadas às oportunidades de emprego e renda, educação, saúde, lazer, serviços públicos, entre outros. O debate emerge pelo enfrentamento diário dos obstáculos a esse acesso: certo incômodo pela implantação de ciclovias que ocupam vagas de estacionamento, especialmente no Centro, como ocorreu recentemente em Campos; o trânsito lento; a discussão da necessidade ou não de duplicação de vias arteriais, abrindo mais espaço para a circulação de carros; a (in)disponibilidade de ônibus urbanos, a falta de estrutura e qualidade das calçadas para os pedestres; o transporte por meio de vans ou por automóveis que prestam serviços por meio de aplicativos; em suma, questões que estão atreladas à disputa constante por espaço e formas de locomoção nos diversos aspectos citadinos.
A superfície do tecido urbano campista cresceu consideravelmente nas últimas duas décadas. Neste processo, as populações de menor renda ocupam cada vez mais as áreas periféricas, distantes do setor central e das ditas funções urbanas, o que ocorre tanto pelo aumento do valor do solo nas áreas centrais, quanto pela ação do poder público municipal, que implementou pujante programa de habitação social predominantemente nas bordas mais afastadas da mancha urbana. A população do distrito-sede aumentou e, em um fenômeno inerente à economia de mercado, quem chega à cidade para habitar encontra moradia em locais com atributos e estrutura proporcionais a sua capacidade de remunerar o mercado imobiliário.
Esse crescimento que aponta “para fora”, por conta do chamado processo de espraiamento urbano, produz uma cidade fragmentada, isto é, desconcentrada, com baixa densidade e permeada por grandes espaços livres de edificações ou de urbanização em seu interior. Diferentemente de uma cidade com urbanização compacta, as distâncias aumentam e se traduzem em maior tempo e maiores custos para o deslocamento diário dos munícipes, com maior impacto para quem tem menos renda e se encontra cada vez mais afastado das funções urbanas elementares.
        
Nesta extensa planície urbanizada, entendemos que as condições de deslocamento figuram como elemento estruturador do espaço: quanto maior for a fluidez, democratização e eficiência do sistema de mobilidade, maior será o acesso à infraestrutura urbana, que se encontra mais centralizada. A questão não se relaciona apenas à periferização da moradia, uma vez que parcelas da população fazem opções conscientes por loteamentos fechados ou condomínios nas bordas do tecido urbano. O detalhe está em dispor (ou não) de veículos próprios e recursos para garantir sua mobilidade, o que garante a esses moradores conforto, bem como um domínio significativo do tempo e do custo individual e familiar de deslocamento. Portanto, numa perspectiva de classe, a questão perpassa a periferização sem estrutura e dependente do transporte público, desdobrando-se nos custos financeiros e de tempo acumulado, o tempo para o deslocamento, que se soma à jornada de trabalho e/ou estudo, e acaba encurtando ou inviabilizando o descanso e o lazer qualificado.
Diante disso, o atual Plano Diretor campista (Lei Complementar nº 015/2020), que é o principal instrumento de planejamento urbano municipal, apresenta como estratégia geral a promoção da mobilidade e da acessibilidade universal, com a requalificação dos espaços públicos e a ampliação e integração das diversas modalidades de transporte com as diversas atividades humanas localizadas no seu território. Essa lei também dispõe sobre a estruturação da mobilidade urbana, a fim de garantir o suporte físico e tecnológico para a universalização da acessibilidade dentro da área urbana, racionalizando a rede viária existente para compatibilizá-la com os índices e as modalidades de uso e ocupação do solo urbano, bem como criando condições para o ordenamento territorial da cidade e o seu desenvolvimento. Essas diretrizes não podem ser compreendidas como mero discurso, pois são parâmetros vinculantes do planejamento urbano no que tange à sustentabilidade; à inclusão social; à integração do território municipal; à gestão participativa; ao desenvolvimento urbano; à construção da cidade e habitação.
Tudo isso precisa estar em consonância com o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 11, da Agenda 2030 da ONU, cuja meta 11.2 ressalta a importância de melhorar a segurança viária e o acesso à cidade por meio de sistemas de mobilidade urbana mais sustentáveis, inclusivos, eficientes e justos, priorizando o transporte público de massa e o transporte ativo, com especial atenção para as necessidades das pessoas em situação de vulnerabilidade, como aquelas com deficiência e com mobilidade reduzida, mulheres, crianças e pessoas idosas. Entretanto, não é surpresa pensar que isso ainda é um ideal contrastante com a cidade real.
Por um lado, em um sistema democrático, que permite a livre circulação e o acesso universal às diversas áreas da cidade, sinalizamos para a inclusão, a integração socialmente justa, a sustentabilidade e a garantia do direito à cidade para todos os campistas. Por outro lado, diante das desigualdades sociais urbanas, dos diversos obstáculos, das dificuldades de se deslocar, da (des)proporcionalidade dos custos em relação à renda das famílias e do aumento significativo no tempo de deslocamento, apontamos para a intensificação do processo de segregação socioespacial. Neste sentido, podemos afirmar que a mobilidade urbana é um dos parâmetros de leitura da exclusão social. Afinal, há um duplo caráter das políticas públicas de mobilidade: um óbvio de acesso e fruição, mas outro que define inclusão e até mesmo distribuição de renda, pois trata de acesso às localizações de moradias, postos de trabalho e estudo.
Os diversos setores do tecido urbano podem ser lidos como localizações que, comparadas entre si, guardam atributos diferentes: infraestrutura urbana; acesso e proximidade a postos de trabalho, serviços públicos e privados; qualidade do ambiente construído e, por consequência, valor do solo urbano. Em uma economia de mercado os padrões de uso e ocupação do solo, definidos pelo planejamento urbano, regulam o direito de propriedade por definir os limites para edificar e, por conseguinte, para obter renda imobiliária. Logo, o principal campo de disputa dos diversos agentes está na aplicação de fundos públicos, ou seja, no uso de recursos públicos para a melhoria do espaço urbano e de seus atributos de localização. Contudo, tais fundos têm alocação desigual no contexto geral da cidade, embora devesse priorizar o cumprimento da função socioambiental da propriedade e da justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização.
O direito à cidade é mais do que direito de acesso a espaços da cidade ou às funções urbanas: é um direito de, sendo um agente formulador, participar ativamente do planejamento urbano. Não pode ser mera formalidade a inclusão da palavra “participativo” no Plano Diretor, uma vez que o planejamento e a gestão urbana precisam ser resultado do amplo debate público na esfera política e não resultado apenas de mesas tecnocratas ou de interesses políticos elitistas.
A solução para uma estrutura de mobilidade urbana sustentável e de acesso universal passa pelo respeito ao direito à cidade, envolvendo métodos que incluam no debate público e na formulação de planos e políticas públicas parte da população excluída desse processo. Como o resultado dessas formulações implica a distribuição espacial da aplicação de fundos públicos, sem a ampla participação social, esta distribuição tenderá a atender aos interesses privados e mercadológicos, reproduzindo um padrão de uso e ocupação do solo que segrega e exclui a maior parte dos cidadãos.

Antonio Godoy é professor e coordenador do curso de Arquitetura e Urbanismo do IFF-Campos e pesquisador do APPA/MobiRede.

Daniela Bogado é professora do IFF Campos e pesquisadora do Núcleo Norte Fluminense do INCT Observatório das Metrópoles e do APPA/MobiRede.
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Afinal, a cidade é para quem?
22/05/2024 | 16h22
 
Rio de Janeiro (RJ), 29/02/2024
Rio de Janeiro (RJ), 29/02/2024 / Tânia Rêgo/Agência Brasil
O futuro das cidades brasileiras passa necessariamente pelo encontro com o seu passado, no qual diversas experiências de políticas urbanas contribuíram para o aprofundamento das nossas desigualdades. A Constituição democrática de 1988 trouxe uma seção exclusiva sobre a política urbana, que preconizava os futuros instrumentos de democratização dessa mesma política.
Os constituintes tinham a expectativa de que, ao democratizarmos os meios políticos, iríamos automaticamente democratizar a sociedade. No entanto, os anos que se seguiram à promulgação da Constituição demonstraram que a adoção de políticas neoliberais intensificou o caráter não democrático das nossas cidades, principalmente porque os custos das reformas econômicas recaíram sobre a população mais vulnerável. Além disso, mudanças no mundo do trabalho minaram as formas de cooperação da classe trabalhadora, enfraquecendo-a na luta por suas demandas coletivas.
Tomando a moradia como exemplo, experimentamos longo período de ausência de políticas habitacionais por parte dos governos em todas as esferas, deixando uma significativa parcela da população sem a garantia desse direito básico e sujeita ao descontrole dos aluguéis, a soluções habitacionais precárias ou mesmo à moradia na rua. A solução neoliberal para os problemas urbanos tem sido a transformação da cidade em um grande mercado, que garante o acesso a quem tem recursos e abandona à própria sorte quem não tem.
Em seu livro “Guerra dos Lugares” (2015 – Boitempo Editorial), a pesquisadora e arquiteta Raquel Rolnik narra as relações estabelecidas entre interesses dos setores hegemônicos do mercado financeiro, políticas públicas e a forma de produzir nossas cidades. A partir de sua experiência como relatora especial da ONU para assuntos relacionados à urbanização e à moradia, a pesquisadora expôs o dramático quadro existente em nossas cidades, onde a política urbana foi subjugada pelos interesses financistas. Raquel Rolnik fez importante sinalização: a cidade precisa ser produzida com ações democráticas substanciais. Assim, o grande desafio contemporâneo seria ampliar a participação dos segmentos sociais até então alijados dos processos decisórios das políticas urbanas, especialmente no campo da habitação. Esse tipo de participação enseja não apenas abrir espaço para a população decidir sobre suas políticas, mas sobretudo se contrapor à extrema pobreza, que cria amarras políticas passíveis de se traduzir na captura do voto.
Historicamente, passamos por grandes projetos de políticas habitacionais que, na maioria das vezes, acabaram se traduzindo na construção de grandes e afastados conjuntos habitacionais, que pouco ou nada contribuem para a democratização do espaço urbano. Inegavelmente os grandes projetos habitacionais — como o Minha Casa, Minha Vida (MCMV), lançado em 2009 — produziram um volume substancial de moradias, mas esses programas tiveram como objetivo maior promover o setor de construção civil e atender a uma lógica lucrativa com a expansão das cidades em direção às periferias.
Após um hiato nos investimentos no campo da habitação, a Lei 14.620, de 2023, marcou o retorno do programa federal MCMV, com objetivos de ampliação da oferta e expectativas de melhorias e novas práticas de implementação, com uma melhor relação com o planejamento urbano. A meta do governo é a contratação de 2 milhões de moradias populares até 2026. Apontando para a adoção de novas práticas e aperfeiçoamento do programa, temos um comprometimento da atual gestão Lula com a busca de melhor localização dos empreendimentos considerando critérios de direito à cidade, acesso a equipamentos e a serviços públicos. Uma das críticas ao MCMV mais frequentes na literatura consiste exatamente na sua colaboração para a periferização das cidades, com a construção de conjuntos em áreas distantes dos centros urbanos, sem oferta de serviços públicos como saúde, educação, transporte, dentre outros.
Por sua vez, nos municípios do Norte Fluminense também temos vivenciado, nos últimos anos, uma desmobilização das políticas habitacionais de âmbito municipal. Após uma série de experiências realizadas especialmente em Campos e Macaé, vivenciamos a descontinuidade de projetos sociais importantes, que se dirigiam à população em maior estado de vulnerabilidade.
Diversos estudos acadêmicos dão conta desse mesmo caráter segregacionista das políticas habitacionais em Campos, pois houve excessiva preocupação em produzir moradias e praticamente nenhuma em conferir protagonismo aos próprios beneficiários com ações que pudessem adequar o modelo das políticas a suas necessidades. O programa habitacional municipal “Morar Feliz”, com sua meta rígida — e não alcançada — de 10 mil moradias, exemplifica esse padrão induzido de crescimento periférico, que impõe à população mais pobre espaços longínquos, pessimamente servidos por serviços públicos e com grandes dificuldades de criação de laços de solidariedade social. Assim, experimentamos em Campos, em sua devida escala, padrões de ocupação urbana que reiteram a lógica das grandes metrópoles, reeditando a histórica produção periférica do ambiente urbano. O potencial de produzir uma política local que tivesse maior efetividade na ampliação dos canais democráticos e na adequação do espaço de moradia foi simplesmente descartado pelo poder municipal a sua época.
É importante notar que a produção desse espaço urbano extremamente hierarquizado e segregado se intensificou justamente no período em que as rendas do petróleo tiveram um extraordinário crescimento com o pagamento dos royalties e das participações especiais. Contudo, nos últimos anos estamos vivenciando uma escassez de propostas para o enfrentamento da questão habitacional; os recursos das receitas petrolíferas diminuíram, e não há alternativas para a manutenção dessa política. Na atualidade não há sinalização do poder público para a construção de novas moradias e nem mesmo ações de suporte para os conjuntos já existentes.
Além da falta de vontade política, a extremada dependência nestes municípios frente às receitas petrolíferas também aponta a fragilidade desses programas habitacionais, o que explica, em grande parte, a descontinuidade. A bonança dos recursos dos royalties provocou a ausência de medidas que poderiam prevenir o atual momento. A falta de mecanismos institucionais, como um fundo municipal de habitação de interesse social e mesmo o Plano Local de Habitação Social, deve ser levada em conta se o poder local quiser dar continuidade aos programas habitacionais com vistas a realmente promover a democratização do ambiente urbano de Campos. Por sua vez, o retorno do programa federal MCMV poderia permitir a articulação das esferas municipais com o ente federal, rompendo com uma lógica de insulamento até então presente na área de habitação em Campos. Sem recursos municipais que permitam a continuidade de tais projetos, essas parcerias serão essenciais se de fato o acesso à moradia for uma prioridade para o poder local, ainda que isto gere o rateio de seu capital eleitoral.
O vácuo criado pelo completo desmantelamento das ações junto à moradia (tanto no nível municipal, quanto no federal) possibilitou as condições para a intensificação dessa problemática, que no caso de Campos culminou com a ocupação das casas populares do Conjunto Novo Horizonte. Em que pesem todas as críticas possíveis a essa ação e aos seus desdobramentos — pois famílias pobres ocuparam moradias que seriam entregues a outras famílias pobres —, esse emblemático caso pode nos trazer pistas para finalmente estabelecermos um caminho mais democrático para a questão da moradia em Campos. O ineditismo dessa ocupação provocou a mobilização de um significativo conjunto de atores da sociedade civil buscando mediar e solucionar esta questão. Pesquisadores, professores e alunos de instituições como a Uenf, a UFF e o IFF, em conjunto com Ministério Público, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), movimentos sociais e associações de moradores, vêm ampliando o debate acerca da necessidade de promover uma política habitacional democrática e efetiva. Portanto, cabe aos que disputarão as eleições deste ano ouvirem justamente aqueles que eles se propõem a servir: a população.

Júlio Pinheiro de Oliveira é doutor em Planejamento Urbano e Regional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), professor do Instituto Federal Fluminense (IFF) e pesquisador do Núcleo Norte Fluminense do INCT Observatório das Metrópoles.

Ana Paula Serpa Nogueira de Arruda é doutora em Sociologia Política pela Uenf, com estágio de doutorado (Capes) no Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa (Igot/UL); professora do Programa de Pós-Graduação em Planejamento Regional e Gestão de Cidades (PGPRGC) da Universidade Cândido Mendes (Ucam); e pesquisadora do Núcleo Norte Fluminense do INCT Observatório das Metrópoles.

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Segurança e eleições municipais: não dá para fugir do assunto
10/05/2024 | 20h11
Policiais da DRACO/IE no Centro do Rio.
Policiais da DRACO/IE no Centro do Rio. / Tomaz Silva/Agência Brasil
A segurança pública é apontada como um dos temas que mais preocupam os brasileiros. Como a inflação em décadas anteriores, a criminalidade violenta tende a ser percebida pela sociedade como uma espécie de monstro indomável. Se, na percepção generalizada, nem os governos federal e dos estados conseguem avançar nessa área, o que se poderia esperar dos municípios?
Até bem pouco tempo atrás, nos debates entre candidatos à prefeitura, quando o tema da segurança era colocado, os candidatos se limitavam a dizer que a questão tinha outra alçada e que no máximo as prefeituras poderiam melhorar a iluminação pública. Hoje não é mais assim: várias mudanças legais apontam para uma participação mais efetiva do município nessa seara. Pode não ser o ideal — na minha visão, a gente se distanciou dele ao longo do percurso —, mas há mudanças importantes.
No texto original da Constituição Cidadã, de 1988, a segurança pública foi definida genericamente como “dever do Estado, direito e responsabilidade de todos”, devendo ser “exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio”. As forças de segurança pública então definidas foram a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, a Polícia Ferroviária Federal (poucos sabem que existe) e, no âmbito estadual, as polícias civis, as militares e os bombeiros militares. Em 2019, a Emenda Constitucional 104 instituiu as polícias penais federal, estaduais e distrital. Aos municípios, que nos tocam de perto neste artigo, coube o direito de constituir guardas municipais, inicialmente destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, mas depois reconhecidas por leis e por interpretações do Supremo Tribunal Federal como pertencentes ao aparato mais geral da segurança pública.
Recapitulemos, brevemente, os avanços e recuos no debate e nas normas relativas à participação dos municípios nas políticas de segurança pública. O “Projeto Segurança Pública para o Brasil”, lançado no primeiro governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, apresentou propostas de reformas na área também na esfera municipal. Entre elas, previa-se a reorientação do pacto federativo, com a criação de um Sistema Único de Segurança Pública (Susp) ao qual os municípios seriam integrados. Previa-se uma reorganização institucional que incluía o âmbito municipal. Os guardas municipais adquiririam poder de polícia e atuariam seguindo um policiamento orientado à solução de problemas.
Mas boa parte dessas propostas não chegou a sair do papel — algumas ficaram paradas no Congresso Nacional ou foram completamente esvaziadas na versão aprovada. Parte dessas propostas foi retomada no segundo governo do presidente Lula. O governo conseguiu aprovar o Programa Nacional de Segurança Pública (Pronasci), em 2007 (Lei n.º 11.530/2007, alterada pela Lei n.º 11.707/2008), mas que não tinha o teor reformador do plano anterior, que previa alterações estruturais nas polícias e o fortalecimento das guardas municipais. Com vigência de cinco anos, o Pronasci foi um programa, e não um plano de reforma.
Foi o Estatuto Geral das Guardas Municipais (Lei n.º 13.022/2014) que atribuiu explicitamente às guardas municipais uma participação efetiva na segurança pública, onde deveria atuar de forma articulada com os demais órgãos que fazem parte do sistema. O Estatuto versa sobre a criação, o efetivo, a capacitação, as competências e o controle das guardas municipais. Isto foi ratificado em 2018 com a aprovação da lei de criação do Sistema Único de Segurança Pública (Susp).
A aprovação — ainda que tardia — da Lei n.º 13.675/2018, que criou o Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (PNSPDS) e instituiu o Sistema Único de Segurança Pública (Susp), atribuiu novas responsabilidades aos municípios, de forma a equiparar seu papel ao da União, Estados e Distrito Federal como integrantes estratégicos (e não apenas coadjuvantes) do Sistema. No entanto, o sistema não foi implementado de fato no governo seguinte, do presidente Jair Bolsonaro. Esse tema volta à agenda no terceiro governo Lula: o atual ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, defendeu recentemente a implementação do Susp nos moldes do Sistema Único de Saúde (SUS). Mas, até o momento, a implementação desse sistema de fato ainda não aconteceu, para além de algumas diretrizes.
Outra alteração que trouxe mudanças para os municípios foi a nova regulamentação, por meio da Lei n.º 13.756/2018, do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP). A lei passou a permitir que os municípios tenham acesso aos recursos do Fundo desde que formulem seus próprios planos de segurança pública. A nova Lei suspendeu uma antiga exigência de instituição de guarda municipal para acesso ao fundo. Essa alteração buscou facilitar o acesso, principalmente dos pequenos municípios, aos recursos do Fundo.
Essas propostas de mudanças de papéis na segurança pública para os entes federados trazem desafios para os municípios. Nesse sentindo, qual a capacidade institucional de os municípios cumprirem esse papel e lidarem com problemas reais de segurança pública em seus territórios? Especificamente, o que dizer dos municípios do Rio de Janeiro e região Norte Fluminense?
Dados recentes mostram que 85,87% dos municípios do Rio de Janeiro tinham algum órgão responsável pela área de segurança pública, sendo que 35,87% afirmaram ter uma secretaria municipal exclusiva. O Rio de Janeiro é, no Brasil, o estado com maior percentual de municípios possuidores de guardas municipais, chegando a 85,9% dos municípios, segundo a Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (Pnad) de 2019. No entanto, somente 15,21% deles tinham plano de segurança pública e 10,8 % um fundo municipal de segurança pública.

Segundo os dados da Pnad de 2019, todos os municípios do Norte Fluminense possuem um órgão gestor (subordinado ou exclusivo) responsável pela área de segurança pública e criaram guardas municipais nos últimos anos. Os municípios da região parecem ter priorizado a criação de guardas municipais, que fazem o policiamento ostensivo.
No entanto, em pesquisa recente, em conjunto com o pesquisador Renato Dirk, verificamos que nenhum município do Norte Fluminense tem um plano municipal de segurança pública, ainda que em três deles (Campos, Quissamã e Macaé) haja registros da intenção de elaborá-lo. Na prática, significa que hoje estes municípios não podem solicitar recursos do FNSP, que seriam fundamentais para o desenvolvimento de programas e projetos voltados para a prevenção da violência e da criminalidade em suas cidades.
Embora o cenário não seja tão animador, já não é possível aos candidatos a prefeito e a vereador se esquivar de suas responsabilidades nessa área. As eleições estão às portas, e a sociedade tem o direito de saber como as forças políticas pensam em enfrentar, no nível local, esse problema tão agudo.

Patricia Burlamaqui é doutora em ciência política pela UFF, pós-doutoranda em Sociologia política pela UENF e pesquisadora do Núcleo Norte Fluminense INCT Observatório das Metrópoles.
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Os carrinhos no dia a dia de uma periferia: pensando as fronteiras entre o legal e o ilegal no fluxo da vida cotidiana
30/04/2024 | 21h31
Gustavo Smiderle /Núcleo Norte Fluminense, INCT Observatório das Metrópoles
Por um considerável período de tempo tive minha atenção e tempo direcionados para a região de Santa Rosa, em Guarus. Primeiramente em razão do trabalho, pois sou professora em uma escola da região, e depois pelo meu trabalho de campo para minha pesquisa de doutorado. E, dentre as peculiaridades locais, chamou minha atenção a circulação dos chamados carrinhos — isto é, carros particulares de transportes de pessoas, oficialmente classificados como clandestinos, mas que constituem expediente muito utilizado para facilitar a mobilidade e o acesso à cidade em face da precariedade que é o sistema de transporte público da cidade em geral e do território em particular.
Embora oficialmente essa modalidade de transporte seja irregular, há uma organização interna, dentro do próprio território, para viabilizar sua execução, incluindo um monitoramento exercido sobre o funcionamento interno — quem, quando e onde circular — e a fiscalização externa — como as blitze e as operações do IMTT (Instituto Municipal de Trânsito e Transportes). No contexto social específico, olhando de forma microssociológica, essas fronteiras entre o legal e o ilegal, o regulado e o clandestino — e, no limite, entre o lícito e o ilícito — são muito tênues. Nem sempre o que é declarado fora da norma (irregular, ilegal, fora da lei) é considerado ilegítimo pela coletividade.
No caso dos carrinhos, houve períodos de repressão aberta e outros de leniência, mas em tese a prática esteve sempre proibida. No entanto, as pessoas reconhecem certa legitimidade, devido principalmente a dois aspectos: (a) o transporte público oficial é insuficiente (quando não inteiramente ausente) para atender as demandas e as necessidades da população; (b) os condutores das lotadas estão trabalhando, e a repressão a sua atividade é percebida como a perseguição ao livre exercício do trabalho que põe o pão na mesa da família.
Como participante da sociabilidade local, eu mesma algumas vezes lancei mão desses meios para o desenvolvimento da minha pesquisa, dada a sua agilidade e também a possibilidade de obter informações sobre o bairro, pois o contato e o diálogo com motoristas e outros passageiros eram muito mais facilitados. Como se sabe, certos ambientes de interação são ótimos para a gente ter um termômetro da realidade ou do que as pessoas pensam a respeito dela.
Digo em termos concretos: um dos sinais de quebra da rotina na vida ordinária do bairro era a interferência no transporte, especialmente na circulação dos carrinhos. A ausência na circulação indicava que algo não ia bem. Para ilustrar, transcrevo um trecho do caderno de campo, registrado em 14 de março de 2016, em que pude observar essa questão:
Hoje, ao chegar ao Centro, percebi algo diferente: observei que não havia carrinhos e que o fluxo de van estava diminuído. De fato, o Centro pareceu mais ordenado, com um menor fluxo de pessoas em relação aos outros dias, especialmente para uma segunda-feira. Observei que havia dois guardas municipais na praça com seus blocos de multas. Deduzi que a ausência dos carrinhos se devia a este fato; no entanto, no fim do dia fui informada por Marilda (nome fictício) (...) que o motivo foi outro, a saber; ordem do tráfico para somente circular ônibus e vans. E ainda, estas últimas deveriam ir somente até o Ciep. No fim do dia, o fluxo já estava normalizado.
Embora eu não tenha conseguido confirmar a informação por outras fontes, conforme registrei no caderno de campo, ela também não se mostrou improcedente. Em muitas viagens houve relatos dos motoristas acerca das restrições no itinerário ou no horário de circulação dos carros, impostas por outrem ou pela própria recusa do motorista em ir a determinados lugares. Em regra, o ordenamento imposto à circulação desses transportes é obedecido, pois, conforme pude presenciar algumas vezes, por meio de discussões e/ou telefonemas acalorados, as quebras dos acordos não são toleradas. E, como ouvi de um motorista em uma das viagens em um carrinho, em maio de 2017, a proteção é “primeiro Deus, depois o revólver”.
Pensando de um ponto de vista puramente jurídico ou formal, por que os carrinhos seriam ilegais e deveriam ser combatidos enquanto as grandes plataformas de transporte por aplicativo agem de forma soberana? Alguém poderia dizer que as condições objetivas dos veículos seriam muito diferentes nos dois casos, uma vez que na prática grande parte das lotadas é praticada em carros velhos e de manutenção duvidosa. Mas esse não seria um argumento de verdade; se o fosse, um carrinho totalmente regularizado deveria ter reconhecido o direito à livre passagem em qualquer época, sob qualquer gestão municipal.
Também se pode dizer que o maior problema de certos ilegalismos não é a prática irregular propriamente dita, mas os esquemas de violência que se montam por de trás, como era o caso do Jogo do Bicho. Bem lembraram os autores do  artigo anterior dessa seção, os professores Wania Mesquita e David Maciel, que os conflitos surgidos em esquemas ilegais de atuação não podem ser processados via apelo à Justiça ou a algum órgão do gênero, mas acabam resolvidos na base de ameaças, espancamentos e até homicídios.
Não é exagero pronunciar uma má-fé institucional, em termos bourdieusianos, quando se verifica que o município como ente regulador não mobiliza os recursos necessários para prover aquele território, habitado por trabalhadores, dos meios necessários para sua mobilidade e acesso à cidade, e também não organize a circulação dos carrinhos, deixando esse ordenamento aos controles internos. Pois, considerando o número de indivíduos lá residentes, uma rápida observação dá conta da insuficiência do serviço, vista no tempo de espera nos pontos, na lotação dos ônibus e na condição de viagem dos passageiros. O fato é que, diante das precariedades produzidas pelas desigualdades sociais, vê-se no dia a dia as pessoas construindo estratégias para tornar viável o fluxo da vida ordinária e nesta tentativa vão operando (e negociando com) as estruturas sociais que lhes condicionam os comportamentos.

Ana Carla de Oliveira Pinheiro é doutora em Sociologia Política pela Uenf, pós-doutoranda em Sociologia e Direito pela UFF e professora de Sociologia da Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro
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Ilegalismos em Campos: dinâmicas do tráfico na planície Goitacá
29/04/2024 | 21h15
Fuzis e munição aprendidos em paiol do tráfico de drogas no Rio de Janeiro
Fuzis e munição aprendidos em paiol do tráfico de drogas no Rio de Janeiro / Fernando Frazão/Agência Brasil
No mês de abril, em diferentes regiões do país, estudiosos da rede Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) Observatório das Metrópoles estão debatendo com a sociedade, em artigos de opinião, o tema dos ilegalismos. A palavra vem da obra do filósofo Michel Foucault e traduz, em linhas gerais, transgressões à lei toleradas e praticadas por diferentes grupos sociais. Frequentemente, estudos que usam esse conceito têm como objeto o domínio do tráfico de drogas ou das milícias sobre certas porções do território. Teríamos esse problema em Campos dos Goytacazes?

Em um capítulo do recém-lançado livro “Desenvolvimento urbano e governança: para uma agenda do Norte Fluminense”, reunimos, junto com outros cinco pesquisadores(as) vinculados(as) à rede Observatório das Metrópoles, subsídios que permitem responder a essa pergunta. Além dos autores desse artigo, o capítulo é assinado por Juliana Blasi, Ana Carla Pinheiro, Vanessa Palagar, Patricia Burlamaqui e Renato Dirk. Primeiro, as milícias: estariam elas atuando na cidade como atuam em áreas do Rio de Janeiro e da Região Metropolitana?

Segundo o texto, “não há milícias em Campos”, pelo menos por ora. “Não existem hoje evidências robustas que apontem para um domínio territorial típico de grupos milicianos na planície campista”, afirmam os autores. “Há, sim, pistoleiros, justiceiros locais e grupos de extermínio; todavia não extorquem sistematicamente moradores e comerciantes, tampouco impõem o monopólio da compra de mercadorias essenciais (...)”. E quanto ao tráfico? Sobre isso, há dados fartos para subsidiar o debate. Para não reforçar estereótipos, vamos mencionar os locais e as pessoas usando nomes fictícios.

Reportando-se a um tempo em que não se falava em facções do crime em Campos, o capítulo cita como marco fundamental a chegada da cocaína em grandes quantidades, na década de 1980. Na ocasião, conviviam em relativa paz as quadrilhas do Abacateiro e do Limoeiro (nomes fictícios), à época separadas apenas por uma linha férrea, cada qual controlada por uma família. Mas havia dois pontos de conflito. Primeiro, o Abacateiro era “mais expansionista” — o que poderia levar a uma postura de disputa — e logo fez acordo com a família que dominava o tráfico em outro local da cidade, aqui referido como Castanheira (nome também fictício). O segundo ponto é que o Abacateiro tinha fama de mau pagador, encarnando o ditado campista nem fiado nem à vista. Uma vez que no mercado ilegal não é possível acionar o SPC, o Procon ou a Justiça, os acordos são muitas vezes garantidos “pelo puro e simples uso da força: ameaças, espancamentos, expropriações e, em último caso, assassinatos” (pág. 270). Diz o texto que, quando o fornecedor ia receber o pagamento, o pessoal do Abacateiro não pagava o valor total nem devolvia a mercadoria correspondente à diferença. “Não se sabe ao certo como, mas essa situação desembocou em um confronto armado entre o Limoeiro e a dupla Abacateiro/Castanheira”, conta o capítulo, registrando a vitória e o subsequente domínio desta.

A aliança vencedora durou pouco, e a cisão não teria ocorrido por disputas frias em torno de dinheiro ou de porções do território, mas sim por uma questão passional e de certo modo infantil. Uma moça que tinha sido namorada do gerente do tráfico no Abacateiro veio a se tornar namorada do gerente da Castanheira. Tudo corria normalmente até que o ex-namorado fez um comentário elogioso a sua ex: “Fala para o Diego” — nome fictício — “que essa mulher dele tá muito bonita. Se bobear, eu venho aqui e pego ela de novo para mim.” O gracejo chegou aos ouvidos do então companheiro da moça. O relato que se segue é instigante, mas em resumo o chefão do Abacateiro resolveu ir até a Castanheira, acompanhado de outro gerente (não envolvido com a confusão), para apaziguar a situação. Ao contrário, o que ocorreu foi o assassinato de ambos. “Enquanto Francisco e Joaquim” — nomes fictícios — “aguardavam na Castanheira para ser atendidos, resolveram ‘apertar um baseado’. Parece que, à época, fumar maconha em frente a crianças e moradores era considerado uma violação moral das leis do tráfico. Inconformados com mais um abuso de autoridade, os traficantes da Castanheira decidiram matar Francisco e seu gerente Joaquim. Cortaram os cadáveres na barriga para não flutuarem e os jogaram nas águas do Paraíba do Sul. Logo em seguida, rumaram armados para tomar o Abacateiro, mas não obtiveram sucesso.” (pág. 271). Desde então, o pessoal do Abacateiro jura vingança contra a Castanheira.

“Até os dias atuais, as relações de reconhecimento e oposição entre as quadrilhas se dão mais com base em com qual favela/família alguém é coligado (...) do que com a sigla de alguma facção”, afirma o texto, baseado em estudos anteriores. As facções Terceiro Comando Puro (TCP) e Amigo dos Amigos (ADA) só teriam chegado a Campos depois, quando os chefes das quadrilhas campistas, presos e enviados a unidades do Grande Rio, precisaram se aliar a alguma das facções hegemônicas para sobreviverem. Assim nasceu a identificação do Abacateiro com a ADA e da Castanheira com o TCP, assim como o enquadramento praticamente automático de cidadãos de cada um desses locais à respectiva facção.

A dimensão territorial dessa disputa atingiu um “ponto de acomodação” — pelo menos na margem direita do Paraíba — mediante o estabelecimento do canal Campos-Macaé como divisa entre as áreas de cada facção. Ao leste da Beira-Valão, os pontos de venda de drogas ficariam nas mãos da Castanheira (leia-se TCP), enquanto ao oeste o domínio seria do Abacateiro (leia-se ADA). Mas no subdistrito de Jabuticabeira (outro nome fictício) esse equilíbrio tênue não foi atingido, e, segundo os estudos sobre o tema, sua ausência tem bastante a dizer sobre o índice de violência muito mais alto nesse subdistrito — em 2019, por exemplo (e o exemplo não é atípico), o índice de homicídios por 100 mil habitantes foi de 87,11 na delegacia que o tem como jurisdição e de 20,95 na da margem direita. “Na margem norte” (do Paraíba), “muitas vezes, uma quadrilha é separada da outra apenas por uma rua”, escrevem os autores, citando como exemplo um condomínio municipal de habitação popular dominado pela ADA. A região é por vezes referida como Faixa de Gaza, cercada de todos os lados por domínios do TCP.

Ao implementar o referido e conhecido programa habitacional municipal, que instalou conjuntos em diferentes pontos da cidade, a Prefeitura de Campos não atentou para essa dimensão territorial das quadrilhas do tráfico e permitiu que famílias de diferentes bairros e “pertenças” fossem reunidas em um mesmo espaço, gerando conflitos que o Estado ainda não se tem mostrado apto a processar. Esse é um ponto negativo sempre apontado pelos analistas dessa política pública, que, evidentemente, também teve seus méritos. Por isso se pode fazer uma pequena autocrítica ao título escolhido para o capítulo em questão, que é “O inesperado imbricamento entre moradia e tráfico de drogas em Campos”. A rigor, não há nada de inesperado nas consequências desse descuido trágico.

Wania Mesquita é doutora em Sociologia, professora associada do Laboratório de Estudos da Sociedade Civil e do Estado (Lesce) da Uenf e pesquisadora do Núcleo Norte Fluminense do INCT Observatório das Metrópoles.

David Maciel de Mello Neto é doutor em Sociologia, professor associado do Laboratório de Gestão e Políticas Públicas (LGPP) da Uenf e pesquisador do Núcleo Norte Fluminense do INCT Observatório das Metrópoles.
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Participação cidadã e dinheiro público: o que aprendemos com o imbróglio da LOA em Campos?
01/04/2024 | 19h52
Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil
A recente contenda entre o Legislativo e o Executivo de Campos dos Goytacazes sobre a Lei Orçamentária Municipal (LOA) para 2024 pode não ter sido o melhor exemplo de harmonia entre os poderes, mas trouxe um ganho: suscitou um debate intenso que foi além das questões técnicas para se tornar um fenômeno de participação popular. Geralmente os cidadãos não se interessam pelo tema do orçamento público, tantas vezes referido como “peça de ficção”. Mas a ameaça de paralisação de serviços públicos fundamentais -- mais comum nos Estados Unidos, onde é conhecida como “shutdown” -- mostrou uma face muito concreta da importância e urgência da participação.
Para usar uma expressão cara ao presidente da República, nunca antes na história de Campos dos Goytacazes se viu tamanha mobilização em torno da aprovação do orçamento municipal. A LOA, antes considerada por muitos um mero trâmite burocrático, tornou-se o epicentro de debates, manifestações e discussões nas redes sociais. A cidade experimentou um despertar para a importância do orçamento público em seu cotidiano.
O envolvimento de pessoas e entidades, embora inicialmente motivado por paixões políticas e interesses particulares, proporcionou uma oportunidade única de diálogo sobre um tema frequentemente distante do cidadão comum. A falta de compreensão sobre o funcionamento do orçamento público cedeu lugar a uma conscientização geral à medida que a população percebia as potenciais consequências de uma paralisação governamental.
O desfecho desse episódio em Campos trouxe à tona a importância do Ministério Público como mediador extrajudicial. Sua intervenção, motivada por preocupações relacionadas à tutela coletiva, evidencia o papel crucial que as instituições podem desempenhar na defesa do interesse público. Contudo, é imperativo destacar que a atuação do Ministério Público não deveria ser uma solução isolada. Essa experiência deve servir como uma lição aprendida para os cidadãos, demonstrando que o envolvimento direto nos assuntos públicos é importante para o funcionamento efetivo da democracia.
A participação popular pode representar uma ferramenta essencial para garantir uma gestão orçamentária participativa que possa ir além da polarização política e dos embates partidários. Esses eventos recentes podem inspirar a população a se envolver ativamente em todos os níveis de tomada de decisão, promovendo um acompanhamento mais efetivo das ações do governo, o que se potencializa neste ano eleitoral.
É verdade que a participação não é assunto simples, como percebem tanto os cidadãos comuns quanto os estudiosos do tema. Todos sabem que o ato de participar envolve custos -- de tempo, energia, paciência e até custos financeiros. Por isso, embora em geral se reconheça a importância da participação, é preciso pensar constantemente em mecanismos institucionalizados para favorecê-la e fortalecê-la, superando certos desafios estruturais. Um dos pontos específicos que podem ser melhorados diz respeito à ausência de diretrizes claras para a gestão orçamentária participativa.
O Estatuto da Cidade, promulgado pela Lei nº 10.257 em 2001, consagrou a gestão orçamentária participativa como condição indispensável, introduzindo a obrigatoriedade de realizar debates, audiências e consultas públicas como pré-requisitos para a aprovação de leis orçamentárias nas Câmaras Municipais. No entanto, a deficiência de coordenação federativa no Brasil, juntamente com a autonomia dada aos municípios, resulta em disparidades significativas na condução das audiências públicas. Esta situação, por sua vez, pode levar a inconsistências e desafios no próprio processo de gestão orçamentária.
Por isso, a participação popular e os desafios da gestão orçamentária municipal têm suscitado interesse como um tema importante de ser discutido pela cidade. A condução discricionária das audiências públicas, marcada pela ausência de diretrizes claras quanto aos responsáveis por sua organização, prazos adequados e a incorporação de propostas oriundas de diversos setores da sociedade, compromete tanto a efetividade da participação cidadã quanto a transparência administrativa. Há municípios que agendam as audiências em prazos exíguos, o que impede uma preparação efetiva por parte da sociedade civil. Essa carência de orientações precisas não apenas eleva os custos associados à gestão orçamentária participativa, como também restringe significativamente a influência do público no processo decisório.
Escassas, por demais, são as iniciativas de regulamentação do tema, da qual podemos citar como exemplo quase que único, a Nota Técnica nº 1/2023-DICAMI/SECEX, do Tribunal de Contas do Amazonas, que destaca a importância de realizar audiências tanto no Poder Executivo quanto no Legislativo. No Executivo, visam enriquecer o planejamento estratégico do governo, enquanto no Legislativo integram-se ao debate e à aprovação das leis orçamentárias, colaborando com a transparência e participação. A normativa aborda prazos adequados, ampla divulgação e estrutura acessível para as audiências públicas. Contudo, lacunas persistem, especialmente no formato das propostas populares para o Orçamento.
Outro raro exemplo é o de Belo Horizonte, onde foram estabelecidos procedimentos legais para tratar sugestões populares, destacando a importância de boas práticas na gestão orçamentária participativa. Neste sentido, uma normativa nacional, abordando aspectos centrais das audiências, poderia garantir uma padronização mínima, impulsionando práticas eficazes nos municípios.
Durante a 22ª Conferência do Observatório Internacional da Democracia Participativa (OIDP), em novembro do ano passado (2023), foi destacado o papel do Orçamento Participativo (OP) como ferramenta essencial cujas raízes remontam às gestões progressistas pós-redemocratização brasileira, notadamente as de Porto Alegre a partir de 1989. O êxito do OP brasileiro, legitimando a voz popular na alocação de recursos municipais, transcendeu fronteiras, sendo adotado em diversas cidades globais, como Paris e Barcelona. Hoje já se fala que o Brasil pode aprender sobre o OP com experiências do exterior, originariamente inspiradas em nós, mas de qualquer maneira a democracia brasileira contempla outras formas de participação, obrigatórias e discutidas em audiências públicas, que são as relacionadas ao Plano Plurianual (PPA), à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e à Lei Orçamentária Anual (LOA).
Seria um avanço significativo a implementação de uma normativa nacional que abordasse de forma abrangente os aspectos essenciais das audiências públicas e da incorporação das sugestões populares no orçamento público. Tal medida não só estabeleceria um guia claro para os municípios, como também promoveria práticas mais eficazes de participação orçamentária em todo o país. No entanto, se a normativa não vier de cima, nada nos impede de fazermos nós mesmos esse dever de casa.
Ao aprender com seus desafios orçamentários particulares, Campos pode se tornar um exemplo inspirador para outras cidades, demonstrando que a participação popular não é apenas um direito, mas uma ferramenta valiosa na difícil escolha da alocação de recursos para as políticas públicas prioritárias do município. Neste ano de eleições municipais, em que ouviremos muitas propostas e promessas de boas intenções, estariam os candidatos dispostos a assumir um compromisso formal com a regulamentação local da participação popular no processo orçamentário e com a implantação do Orçamento Participativo?
Nilo Azevedo é doutor em Sociologia Política e Professor Associado da Universidade Estadual do Norte Fluminense “Darcy Ribeiro” (UENF)
Felipe Quintanilha é Pesquisador e doutorando em Sociologia Política pela Universidade Estadual do Norte Fluminense “Darcy Ribeiro” (UENF)
 
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O Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) Observatório das Metrópoles é uma rede nacional de 18 Núcleos de Pesquisas e Programas de Ensino de Graduação e Pós-Graduação que analisa os desafios metropolitanos para o desenvolvimento nacional. Integrado por mais de 400 pesquisadores e professores de distintas universidades brasileiras, o INCT se propõe, nesse espaço, incidir sobre a agenda pública sobre os temas centrais do destino das cidades no marco das eleições municipais de 2024. Visando dialogar com amplos espectros sociais, nosso objetivo é transferir conhecimento e informação qualificada, decorrentes das nossas pesquisas, para definir um futuro inclusivo, sustentável e redistributivo das cidades brasileiras. O Núcleo Norte Fluminense (NNF) do INCT, responsável pelos artigos publicados neste espaço, é integrado por mais de 25 intelectuais de diversos Programas da UENF, UFF, IFF e UCAM em Campos dos Goytacazes. Nossa intenção é apresentar propostas e chaves para pensar o desenvolvimento econômico e social da nossa região.