A eterna quarta-feira de cinzas do patrimônio campista
Edmundo Siqueira 14/02/2024 02:10 - Atualizado em 14/02/2024 02:19
Estamos perdendo. As cinzas que se acumulam estão aí para provar. Para quem se preocupa com a história e o patrimônio de Campos dos Goytacazes, a sensação de derrota é inevitável.


Talvez seja mais cômodo culparmos o poder público, ou a falta de conhecimento dos campistas sobre sua própria história. Mas certamente é mais honesto culparmos nós mesmos. Nós que nos iludimos, esperando que lamentos se transformem em ação, nós que acreditamos no dia em que tudo isso mude e a valorização do patrimônio edificado seja constante e ampla e se transforme em um ativo turístico e cultural para a cidade.

Mas a verdade é tão forte quanto as retroescavadeiras que derrubaram o Hotel Flávio na última segunda-feira, 12. E as que levaram ao chão a Casa da Árvore, no final de janeiro. Para ficar nos exemplos mais recentes.

Não há interesse em preservar em Campos; pelo contrário. Aceitar essa condição, por mais indigesto que seja, não significa desistir ou se resignar, mas sim entendê-la como um ponto de partida para que seja feito um diagnóstico, ampliando-se o conhecimento das causas desse descaso — da sociedade civil e do poder público.

Desde que Campos se constituiu como um núcleo urbano, ainda nos fins do século XVIII, a iniciativa privada era indutora da edificação e das intervenções na cidade. Solares e casarios foram construídos e se estabeleceram como residências e comércios. Formou-se uma urbanidade de inspiração europeia, e constitui-se a chamada “nobreza da terra”, que eram títulos concedidos pelo poder econômico.

O caso campista não foi diferente de outros centros urbanos no Brasil, onde a miscigenação cultural entre indígenas, negros africanos e europeus resultou em um complexo — e violento — jogo de poder (econômico e político) e de ocupação de territórios. A planície goytacá, repleta de cana-de-açúcar, abastecia o continente e o além-mar, e deixava por aqui um rastro de riqueza arquitetônica, cultural, literária, artística, comercial e política, mas também desigualdade, escravidão e preconceito.

Campos não nasceu como ela é hoje. Para que instituições e construções existam na atualidade, a história precisou acontecer. Quando uma entidade da classe comercial de Campos comemora a demolição do Hotel Flávio, não apenas ignora essa condição, mas age contra os interesses próprios, pois a ruína comemorada é antecessora da sua. Não há atrativo no Centro maior que sua própria história, suas próprias construções.


Tomemos como exemplo a antiga Santa Casa, no mesmo centro. É possível encontrar registros nos jornais onde campistas reclamavam de sua existência, dizendo ser uma 'velharia inútil', algo desprezível que precisaria ir ao chão, mesmo sendo um conjunto arquitetônico de simbolismo e beleza únicos. Ela foi demolida, mesmo tendo tombamento federal, em um caso raro de “destombamento”, e por anos o local se resumiu a um estacionamento. Hoje abriga um edifício garagem.

Estamos perdendo. Aos poucos, sob olhares acomodados e acusatórios, deixamos que demolições se acumulem e estacionamentos sejam abertos sob ruínas. A cada patrimônio que cai ou é dolosamente demolido, assistimos, quase impassíveis, aos aplausos de quem não entendeu nada. Estamos perdendo, e os culpados somos nós mesmos.

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