Inseminação Caseira: Análise Interdisciplinar
Nino Bellieny 11/07/2024 16:01 - Atualizado em 11/07/2024 16:01
Artigo Científico
+INSEMINAÇÃO CASEIRA EM ANÁLISE INTERDISCIPLINAR NO BRASIL DA DÉCADA DE 2020: EFEITOS JURÍDICOS, RISCOS À SAÚDE E A RELEVÂNCIA DA INFORMAÇÃO.
BRASIL, DÉCADA DE 2020
Brenda
BRENDA MARTINS BELONI
Graduanda em Direito. Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisa em Bioética e Dignidade Humana. Pesquisadora do Núcleo de Pesquisa e Extensão Prof. José
Horr (UNIG – Campus V – Itaperuna/RJ) e do Projeto Iniciação Científica (PIC – UNIG – Campus V – Itaperuna/RJ). [email protected]
Lucas

LUCAS CARVALHO TINOCO
Graduando em Medicina. Pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisa em Bioética e Dignidade Humana.
Pesquisador do Projeto Iniciação Científica (PIC – UNIG – Campus V Itaperuna/RJ. [email protected]
Hildeliza

HILDELIZA LACERDA TINOCO BOECHAT CABRAL
Doutora e Mestra em Cognição e Linguagem UENF. Pós-doc em Direito Civil e Processual UFES.
Membro da Sociedade Brasileira de Bioética. Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisa em Bioética e Dignidade Humana. Advogada.

Resumo
O presente artigo objetiva analisar as principais consequências da Inseminação Caseira (IC) como novo
procedimento de reprodução humana, cuja adesão cresce de forma exponencial, por pessoas que não
dispõem de condições financeiras para arcar com os custos de uma clínica de reprodução humana. Optam
pela IC ao argumento de ser uma forma desburocratizada para efetivar o projeto parental, inerente ao
direito constitucional ao planejamento familiar. Na década de 2020, com o avanço tecnológico, os
interessados e adeptos da IC, planejam a reprodução por meio de grupos nas redes sociais, de maneira
que as tentantes escolhem o doador com as características que almejam, que consubstancia tais grupos
como “banco de sêmen virtuais”.
O ineditismo do presente artigo é apresentar os múltiplos riscos à saúde
da prole e eventuais efeitos jurídicos, que já repercutem nos julgados dos Tribunais. Nessa perspectiva, o
presente artigo se justifica pela necessidade de dissecar possíveis consequências do procedimento, tais
como eventuais efeitos jurídicos levados ao Judiciário, riscos à saúde da prole e descumprimento de
preceitos da bioética que podem advir da adoção do procedimento, tornando-se um imperativo de
ordem da saúde pública e de interesse social informar a população a respeito da IC.
Palavras-chave: Inseminação Caseira; efeitos jurídicos; riscos à saúde; informar; Bioética.

The aim of this article is to analyze the main consequences of Home Insemination (HI) as a new human
reproduction procedure, which is growing exponentially among people who cannot afford the costs of a
human reproduction clinic. They opt for CI on the grounds that it is an unbureaucratic way to carry out
the parental project, which is inherent in the constitutional right to family planning. In the 2020s, with
technological advances, those interested in and adept at CI plan their reproduction through groups on
social networks, so that those who try can choose the donor with the characteristics they want, which
makes these groups "virtual semen banks". The novelty of this article is to present the multiple risks to
the health of the offspring and possible legal effects, which are already having repercussions in court
judgments. From this perspective, this article is justified by the need to dissect possible consequences of
the procedure, such as possible legal effects brought before the Judiciary, risks to the health of the
offspring and non-compliance with bioethical precepts that may arise from the adoption of the
procedure, making it an imperative of public health and social interest to inform the population about CI.
Keywords: Home Insemination; legal effects; health risks; informing; Bioethics.
 

Introdução
A IC é uma inovadora técnica reprodutiva, mais utilizada do que se imagina na atual realidade brasileira.
O procedimento tem sido defendido ao argumento de que além de ser mais natural, é econômico e
desburocratizado, pois a pessoa realiza o sonho de ter um filho, que possibilita a efetivação do projeto
parental em face do direito constitucional ao planejamento familiar de forma célere (CABRAL, 2022).
A execução deste método reprodutivo consiste na escolha de um doador de sêmen, na maioria das vezes,
com as características almejadas, de maneira informal, que poderá ser diretamente nas redes sociais ou
ainda algum familiar, vizinho ou amigo que consente em doar material genético. Combinam o local onde
se encontrarão para consumarem a coleta do sêmen e a introdução no corpo da mulher. A partir da
análise das notícias veiculadas, constata-se que a maioria dos usuários são casais homoafetivos
femininos, contudo, não se restringem somente a esses casais, de forma que casais homoafetivos
masculinos ou heterossexuais que apresentam infertilidade também se valem deste recurso.

Por esses motivos, a IC ou autoinseminação ou inseminação doméstica apresenta relevante crescimento,
principalmente nas redes sociais digitais como Facebook e WhatsApp, nas quais os grupos privados têm a
finalidade de se voluntariar como doador e ser escolhido para realizar trocas e relatos de experiências
com outras tentantes (TIBÚRCIO, 2018). Além dos fatos mencionados, cumpre ressaltar que o
procedimento reprodutivo não conta com amparo legal, de maneira que poderá dar ensejo futuramente
a diversas relações jurídicas em relação a possíveis efeitos advindos da IC, que se consubstanciam em
eventuais ações de investigação de paternidade, alimentos, guarda e convivência familiar, uma vez que
não observado o critério do anonimato do doador, sendo ele conhecido pela família (CABRAL, 2022).

Embora já existam alguns estudos acerca deste tema tão relevante para a saúde coletiva, este artigo
apresenta a inovação de analisar riscos à saúde da prole e efeitos jurídicos que chegam aos Tribunais,
acarretando certas situações adversas às partes, uma vez que sem regulamentação própria, os
magistrados precisam se valer da normativa do CFM, analogia e dos princípios gerais do direito para
julgar, já que não podem se eximir de decidir. Outra situação muito delicada se refere aos riscos que a IC
pode acarretar à saúde humana e coletiva, que transcende o risco de Infecções sexualmente
transmissíveis para abranger a consanguinidade, a hiperestimulação ovariana causando gravidez gemelar,
que a falta de assistência médica durante o procedimento pode gerar.

Na perspectiva da medicina, a inseminação, quando indicada e realizada com observância das prescrições
éticas, é uma forma de tratamento para infertilidade (CARSON, 2021). A falta de conhecimento médico e
ambiente propício para a realização do procedimento torna a IC uma prática arriscada, pois sem
acompanhamento médico pode implicar diversos riscos, em relação à saúde da mulher e da criança,
relacionados ao manuseio do sêmen e exposição do material genético a patógenos provenientes da não
realização de filtragem e sem passar por quarentena.
O aumento da incidência de complicações inerentes
ao procedimento como reação no local de inseminação, desconforto abdominal, hiperestimulação
ovariana e múltiplas gestações podem se fazer presentes.
E ainda, a exposição da mulher que tenta o procedimento ao material genético não regulamentado implica aumento do risco de contrair infecções sexualmente transmissíveis (IST), levando em consideração que o material utilizado provavelmente não é coletado e testado de forma adequada.

Contudo, há outros desdobramentos no que diz respeito ao aspecto bioético, a priori pelo fato de que a
fecundação ocorre de maneira informal, em que não se observa cuidados com a saúde da mulher no
procedimento, que visaria evitar doenças e complicações, como também pela não preservação do
anonimato na escolha do doador, o que ocorre diferentemente da inseminação artificial ocorrida nas
clínicas de reprodução assistidas (RA); na caseira, o indivíduo escolhe as características que deseja
podendo acarretar conflito da preservação da identidade do doador e irrenunciabilidade do direito da
criança em buscar suas informações genéticas (CABRAL, 2022).

Reprodução heteróloga caseira e lacuna normativa
Por ser uma prática relativamente nova, o ordenamento jurídico brasileiro ainda não dispõe de leis que
regulamentem a relação jurídica, cabendo somente aplicar, no que couber, a regulamentação do
Conselho Federal de Medicina, a Resolução nº 2.320/2022 (BRASIL, 1990), no que se refere à inseminação
artificial, amparada por toda equipe médica qualificada para garantir uma intervenção pautada na ética e
nos direitos e deveres de cada uma das partes.

Da análise deste julgado, infere-se a cautela do magistrado no caso concreto, quanto à forma de
realização da reprodução.

AÇÃO DECLARATÓRIA DE DUPLA MATERNIDADE - Procedência - Insurgência do Ministério
Público - Cabimento - Autoras que pretendem a declaração de dupla maternidade do filho
que está sendo gerado pela coautora F.E. - Provimento nº 63/2017, do CNJ, que dispõe
sobre o registro de nascimento dos filhos gerados por reprodução assistida, sem disciplina
legal para a hipótese de "IC" - Ainda que seja possível o reconhecimento da maternidade
socioafetiva da coautora S. em relação ao/à filho/a que está sendo gerado/a por F.E., é
necessário considerar que se trata de um nascituro, desprovido de personalidade civil, e
que apenas os interesses das autoras está sendo trazido a debate – Direito de
reconhecimento à ancestralidade que deve ser preservado (CC, art. 2º, parte final) –
Improcedência da ação que é medida de rigor –RECURSO PROVIDO.
TJSP; Apelação Cível 1001350-16.2022.8.26.0008; Relator (a): Miguel Brandi; Órgão
Julgador: 7ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional VIII - Tatuapé - 2ª Vara da Família e
Sucessões; Data do Julgamento: 30/06/2022; Data de Registro: 30/06/2022

Neste viés, no caso concreto descrito ao analisar a íntegra do acórdão, constata-se a dúvida do julgador
quanto à real utilização do método caseiro:
Sustenta que a doação particular de sêmen não possui previsão legal e sua prática é
vedada pelo ordenamento jurídico pátrio, ressaltando que o CNJ deixou de regular a
possibilidade de “IC”, “tendo em vista que não houve ato médico e consentimento formal e
escrito do doador, o que pode ensejar a prática de ilegalidades e ilícitos penais, como por
exemplo a prática do crime descrito no artigo 242 do Código Penal. (sic fls. 195).
Menciona, ainda, que a alegação de IC pode ser utilizada para acobertar possíveis fraudes,
como a de ter ocorrido uma concepção natural, obstando à criança o seu direito
personalíssimo de obter sua paternidade reconhecida (sic fls. 196), e afirma não haver
prova da referida reprodução artificial caseira.

TJSP; Apelação Cível 1001350-16.2022.8.26.0008; Relator (a): Miguel Brandi; Órgão
Julgador: 7ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional VIII - Tatuapé - 2ª Vara da Família e
Sucessões; Data do Julgamento: 30/06/2022; Data de Registro: 30/06/2022

Diante desses fatos, infere-se que o exponencial crescimento e disseminação da IC poderá ocasionar
incertezas nos futuros julgamentos, devido à carência normativa até que se firme entendimento e se obtenha prova de que realmente se trata de IC, haja vista a ausência de profissionais da saúde durante o
procedimento. Os julgadores encontram dificuldade para aplicar o direito ao caso concreto em um
procedimento sem regulamentação, conforme ocorreu no caso concreto do julgado em questão:
APELAÇÃO CÍVEL – Declaratória – Autoras que formam um casal homoafetivo e realizaram
inseminação artificial caseira (autoinseminação), ensejando na gravidez de uma delas, com
expectativa de parto em 21/08/2021 – Pretensão de "declaração futura acerca do estado
do feto após o parto", constando ambas as autoras como suas genitoras e ascendentes,
sem qualquer distinção para a posterior lavratura da certidão de nascimento da criança,
ou, subsidiariamente, de autorização para a lavratura de certidão de nascimento do
nascituro em nome de ambas - Insurgência contra sentença de extinção sem resolução de
mérito por falta de interesse de agir, conforme artigos 330, III, e 485, I, do CPC – Não
acolhimento - Inviabilidade de se emitir a declaração pretendida no sentido de se
reconhecer, antes do nascimento, a relação socioafetiva (que pressupõe ao menos dois
sujeitos de direito) com a requerente não gestante e assim autorizar que no (futuro)
registro civil de nascimento também conste o nome dela como genitoras/ascendente - A
despeito das questões relacionadas ao procedimento caseiro adotado pelas apelantes,
ainda não regulamentado no ordenamento pátrio, o que impede o acolhimento da
pretensão inicial é, de fato, a ausência de interesse de agir, pois a situação envolver sujeito
ainda desprovido de personalidade jurídica e de direitos, sendo o nascituro detentor de
meras expectativas de direitos - RECURSO DESPROVIDO. TJSP; Apelação Cível 1007450-
30.2021.8.26.0005; Relator (a): Rodolfo Pellizari; Órgão Julgador: 5ª Câmara de Direito
Privado; Foro Regional V - São Miguel Paulista - 3ª Vara da Família e Sucessões; Data do
Julgamento: 03/09/2021; Data de Registro: 03/09/2021

Além disso, a Resolução, no inciso IV, do Conselho Federal de Medicina, que regulamenta a inseminação
artificial, impõe, in verbis:
1. A doação não pode ter caráter lucrativo ou comercial.
2. Os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores e vice-versa [...] (BRASIL,
1990)

No caso da IC, na maioria das situações, acontece doação (sem fins lucrativos), embora alguns recebam
algum valor. Entretanto, é certo que o doador é identificado pela mulher e mais quem a acompanha, pois
ele comparece pessoalmente para proceder à coleta do esperma.

Os grupos do Facebook se assemelham a um banco de sêmen virtual, em que as tentantes escolhem o
doador de acordo com os atributos físicos, recomendações por conta de probabilidade de êxito no
procedimento, que se distancia da observância do anonimato, de forma a constituir violação da
prescrição ética para a realização do procedimento.
Após a escolha o doador de sêmen para a fecundação, marcam uma eventual data em que a mulher esteja no período de ovulação, o doador comparece à residência da tentante ou em outro local convencionado pelas partes, realiza a coleta do material genético mediante em um pote estéril, para em seguida, introduzir (ela esma ou a pessoa que a acompanha) no canal vaginal da tentante para a fertilização.
Não obstante, se o procedimento obtiver êxito, as partes divulgam a IC e suas experiências, bem como indicam o doador a outras, por meio dos perfis das redes sociais digitais criados para essa finalidade.
Algumas circunstâncias podem acarretar futuros desdobramentos sérios, além de indesejáveis, pois
mulheres da mesma região, costumam escolher o mesmo doador para minimizar custos, compartilham as
dependências do local, deslocamento e despesas de alimentação e hospedagem do doador.
Nesse caso, o risco de consanguinidade aumenta, pois pessoas da mesma região, filhas biológicas do mesmo doador, podem, mais tarde, ter um relacionamento amoroso, com parentes consanguíneos, que no casamento, gera impedimentos na linha colateral até o terceiro grau, conforme o Art. 1.521 do CC. (BRASIL, 2002)

A IC à luz da Bioética
O Conselho Federal de Medicina foi o precursor quanto à normatização da reprodução assistida,
prevendo a preservação total da identidade do doador no procedimento, de forma a visar o direito à
reprodução segura e adequada com as técnicas médicas precisas para a saúde da mulher e do feto. No
entanto, a inseminação era utilizada somente para casais com infertilidade, com a finalidade de facultar a
reprodução, seguindo as normas internas do CFM como a não onerosidade do material genético,
necessidade do procedimento, a territorialidade de cada doador, entre outros fatores.

A Resolução de nº 2.013/2013 do CFM, possibilitou a inseminação artificial aos casais homoafetivos, para
desmocratizar o acesso ao método inclusive para casais de mulheres que não apresentam infertilidade
(FELIPE, 2020). Por se tratar de técnicas em ambiente especial, profissionais altamente qualificados e
material de alto custo, torna-se oneroso para grande parte das pessoas que desejam engravidar, por isso
a inseminação artificial não é acessível à maioria dos brasileiros. Assim, a sociedade começou a buscar
alternativas mais econômicas para realizar o objetivo reprodutivo de forma menos burocrática e que não
seja ilegal.
Dessa forma, sendo praticado, em sua maioria, principalmente por casais homoafetivos
femininos, de forma a não observar as prescrições da normativa emanada do CFM e nenhuma outra
legislação brasileira, posto não existente no ordenamento jurídico.

A importância da regulamentação à luz da bioética é justamente para a preservação do procedimento,
com observância do anonimato; a cautela quanto à filtragem, tratamento e quarentena do sêmen para
evitar transmissão de doenças; a gratuidade do ato, a fim de não acarretar difíceis situações de ordem
ética (como por exemplo a sexagem, a escolha da cor da pele, dos olhos); outros cuidados em relação à
saúde da mulher e de sua prole.

Outra questão bastante desafiadora é a exposição das crianças nascidas a partir da IC. alguns casais
publicam foto da criança ao lado do doador nas redes sociais, a fim de demonstrar que o procedimento
tem sido exitoso. Essas questões de violação aos direitos de personalidade das crianças tem sido uma
preocupação, pois preservar o direito à intimidade e à privacidade das crianças deve ser sempre observado.

Eventuais efeitos jurídicos decorrentes da IC
Por ser um procedimento reprodutivo menos burocrático e de fácil acesso para a consecução de uma
desejada gravidez para a realização do projeto familiar, as tentantes escolhem uma pessoa disposta a
doar material genético, que “renuncie” ao direito ao vínculo paterno-filial, sendo considerado, portanto,
um mero auxilio informal na fecundação.

O direito fundado no planejamento familiar representa a efetividade do princípio constitucional da
dignidade da pessoa humana, acerca do qual a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
garantiu a não interferência estatal nas relações familiares, bem como atribuiu ao Estado o dever de
oferecer os recursos necessários para o exercício desse direito.

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável,
o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos
educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva
por parte de instituições oficiais ou privadas. (BRASIL, 1996)
Além de ser um direito constitucional, o planejamento familiar é também normatizado pela lei nº
9.263/1996 como forma de regulamentar o referido artigo, bem como reafirmá-lo como direito de todo
cidadão ter acesso ao exercício da saúde reprodutiva: “O Sistema Único de Saúde promoverá o
treinamento de recursos humanos, com ênfase na capacitação do pessoal técnico, para visar a promoção
de ações de atendimento à saúde reprodutiva” (BRASIL, 1996).

Segundo Flávio Tartuce (2023), o parentesco se inicia com a fecundação dos materiais genéticos dos
indivíduos e, em consideração aos tipos de parentesco, sendo a reprodução assistida especificada na
espécie de parentesco civil, do qual decorrem todas as obrigações patrimoniais e pessoais inerentes à
relação paterno-materno-filial.

Ao analisar a questão do doador do sêmen, observa-se que, a IC não sendo regulamentada sem amparo,
o doador passa a ser enquadrado no parentesco biológico com o dever de arcar também com as
necessidades da criança, caso a mãe/tentante, por deter legitimidade ativa processual, ingresse com uma
ação de reconhecimento de paternidade, alimentos, guarda e visitação, não podendo o doador se eximir
da obrigação, vez que o vínculo consanguíneo permanece e será comprovado e reconhecido pelos
exames.

Contudo, relativo ao parceiro ou parceira da tentante, poderá ter vínculo afetivo com a criança, com o
reconhecimento do parentesco na certidão de nascimento da criança, caso em que dependerá de ação
judicial, já que o procedimento de IC não segue as normas do CFM e por esse motivo, o casal não tem
acesso ao termo expedido pelo laboratório médico que informa que aquela gravidez não foi ocasionada
pelo método natural, para garantir ao tabelião segurança para proceder ao registro de ambos os nomes
na certidão.

Impende ressaltar que não importa o vínculo de parentalidade, desde que a criança se sinta protegida e
bem no seu convívio familiar, uma vez que a parentalidade não pode ser buscada somente no campo
genético, de acordo com Maria Berenice Dias:
A identificação dos vínculos de parentalidade não pode mais ser buscada exclusivamente
no campo genético, pois situações fáticas idênticas ensejam soluções substancialmente
diferentes. A acessibilidade aos métodos reprodutivos permite a qualquer pessoa realizar o
sonho de ter filhos. Para isso não precisa ser casado, ter um par ou mesmo fazer sexo com
alguém. Não há como identificar o pai com o cedente do espermatozoide. Nem dizer se a
mãe é a que doa o óvulo, a que cede o útero ou aquela que faz uso do óvulo de uma
mulher e do útero de outra para gestar um filho, sem fazer parte do processo procriativo.
Ao final, todas tornam-se mães, o que acaba com a presunção de que a maternidade é
sempre certa. (DIAS, 2021)

Na década de 2020, portanto, não se percebe muitos destes desdobramentos acima mencionados nas
jurisprudências, salvo o reconhecimento de parentesco pela afetividade, visto que o procedimento
reprodutivo é recente e que poderão ocasionar tais questões de parentalidade e suas obrigações
eventuais uma vez que comprovada a filiação biológica do doador.

IC e questões genéticas
Dentre as principais consequências da IC relacionadas à saúde da prole, estão as doenças genéticas
causadas pela consanguinidade. O intercurso sexual entre duas pessoas que compartilham da mesma
herança genética, atribui um aumento considerável do risco da criança concebida dessa relação
desenvolver patologias hereditárias. Como, em muitos casos, há a possibilidade de que indivíduos
provenientes dessa inseminação não tenham esse conhecimento, as chances de uma relação
consanguínea crescem de forma exponencial. Consanguínea é a relação entre dois indivíduos da mesma
linhagem sanguínea. Dentre os diversos riscos genéticos aos quais a prole desta relação é exposta, o
aumento da chance de desenvolver doenças recessivas raras é uma das principais preocupações (RABY,
2023). O aumento da incidência dessas patologias pode afetar além da prole, a sociedade de uma forma
geral, devido à presença de mais indivíduos capazes de transmitir esses genes hereditariamente para as
próximas gerações. Dessa forma, a questão se amplia, assumindo dimensão de interferência na saúde
humana, implicando riscos a várias pessoas, inclusive, de forma difusa, ao futuro da espécie humana.
Em relação à Resolução do CFM (BRASIL, 1990), observa-se um requisito que por mais simples que
pareça, mostra-se de grande importância para fins genéticos: o limite geográfico. A Resolução faz
referência à territorialidade no que tange à inseminação artificial, justamente para coibir de que um
doador distribua material genético para diversas clínicas pelas regiões, pois, caso isso aconteça, o CFM
busca evitar que o fruto de inseminação se relacione de forma amorosa com outro, podendo ocasionar
anomalias genéticas à prole. Isto posto, resta claro que esse não é um fator levado em conta pelos
praticantes da inseminação caseira, o que, eventualmente, poderá acarretar anomalias genéticas aos
descendentes futuros, caso haja consanguinidade.

A importância do conhecimento da ascendência genética importa também para fins patrimoniais, pois na
hipótese de o fruto da inseminação caseira se relacionar com alguém de sua linha reta de parentesco ou
até na linha colateral até o terceiro grau, estará impedido para se casar, e, a toda clareza, essa vedação
do Código Civil pretendeu afastar os riscos de ordem genética, advindos da consanguinidade.


Art. 1.521. Não podem casar:
I - os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil;
IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive;
(BRASIL, 2002)

Com isso, percebe-se a importância de se saber, em alguns casos, a origem da ascendência genética, já
que as relações consanguíneas apresentam um grande risco para a saúde pública, pois a pesquisa
genética, apesar de útil, seria inviável em razão da quantidade de casos sobre os quais não se tem
controle. Dessa forma, medidas para evitar o amplo compartilhamento de material genético por um
doador, também leva em consideração áreas onde já havia previamente doado, devem ser exploradas
como formas de profilaxia para tal fenômeno.

A importância da informação
No auge da evolução das relações virtuais, durante a pandemia, ocorreu uma otimização
tecnológica, levando as redes sociais digitais a estarem online o tempo inteiro, fato que intensificou não
somente as relações interpessoais, mas o e-commerce, que se desenvolveu de forma surpreendente. A
informação se tornou mais rápida e ainda mais acessível a todas as pessoas e usuários. Dessa forma, ao
pesquisar sobre a IC, foi possível encontrar perfis e grupos de interessados em todas as plataformas
digitais como Facebook, Instagram, TikTok, dentre outras, em que as pessoas relatam suas experiências e
incentivam outros à prática.

Todavia, muitos sequer sabem acerca das desvantagens, dos perigos e riscos decorrentes da IC,
apenas consideram o desejo de ter descendentes e os aspectos positivos rumo à realização do sonho que
até então parecia inatingível, devido ao alto custo da inseminação artificial nas clínicas especializadas. Ao
acessarem as redes sociais digitais, logo buscam informações somente quanto ao procedimento, as
melhores formas de atingir a fertilização, a logística do doador, não se ater às questões referentes às
desvantagens, seja por ignorarem ou desconhecerem as possíveis complicações e riscos aos quais irão se
expor.

Com a intensificação midiática, entretanto, desponta com muita aceitação e até admiração a figura do
influenciador digital, que posta nas redes virtuais suas experiências de vida, seu cotidiano com o intuito
de influenciar de fato os demais de maneira a interferir na tomada de decisão do influenciado, que busca
agir da forma como enxerga as experiências de quem acompanha, como se observa abaixo:


Diante do atual cenário, em que as informações podem ser a chave para a melhor escolha,
com discernimento e qualidade, aqueles que não têm acesso ao entendimento sofrem as
consequências que podem influenciar as escolhas de vida. Nessa perspectiva, a
competência crítica em informação como pressuposto teórico da ciência da informação,
permite uma análise sobre a Ética. Essa é a chave para a utilização e propagação éticas da
informação e entendimento para apropriação da cidadania. (BRISOLA, 2022)

Significa afirmar que na medida em que a pessoa exerce escolhas conscientes, por meio de análise crítica,
pautada em informações claras, detalhadas e robustas acerca do procedimento que pretende adotar,
tanto melhor serão suas condições para escolher bem. Assim, se, por um lado, considera benefícios,
facilidades, possibilidades e, por outro, inconvenientes, dificuldades, riscos, estará mais segura para a
decisão, pois serão reduzidas suas chances de má escolha. Entretanto, se escolhem sem a cautela de
conhecer, de forma pormenorizada, as reais possibilidades, poderá ter que assumir, mais tarde os riscos e
desdobramentos a que poderá estar sujeita no futuro.

E ao buscar ultrapassar e compreender os mecanismos predominantes aparentes que,
escondem e distorcem a verdade, é desejável que a pessoa cidadã tenha competência em
informação, assegurando e elevando o pensamento crítico, consciência crítica e
pensamento reflexivo. (BRISOLA, 2022)

Há casos ainda em relação ao perigo referente ao uso de medicamentos para superovulação, com
possibilidade de resultar em gestações gemelares. Embora esses medicamentos sejam frequentemente
utilizados para estimular a produção de óvulos em tratamentos de fertilidade, o aumento na liberação de
óvulos pode levar à concepção de gêmeos ou até múltiplos, o que acarreta riscos adicionais tanto para a
mãe quanto para os bebês. Gestações múltiplas estão relacionadas a complicações como partos
prematuros, baixo peso ao nascer e problemas de saúde tanto para os bebês quanto para a mãe,
aumentando assim a necessidade de cuidados médicos intensivos durante a gestação e após o
nascimento. Essa realidade tem preocupado os especialistas e estudiosos de reprodução humana, pois
tais medicamentos devem ser prescritos somente pelo médico.

Por esses motivos, a informação, mais que uma oportunidade de conscientização, é um recurso
libertador, capaz de tornar a pessoa apta a escolher a melhor opção dentre outras que podem atender a
um desejo de forma imediata, a curto prazo, mas que pode levar, a longo prazo, à conclusão de que a
escolha não correspondeu ao resultado que, legitimamente, esperou-se. “Assim, pode-se inferir que
somente a informação analisada à luz do pensamento crítico podem subsidiar as decisões seguras e
adequadas” (CABRAL, 2022).

Então, ante os argumentos importantes e reveladores a respeito da importância da informação para a
tomada de decisão, destaca-se a informação como fator indispensável à análise de uma questão
relevante para a pessoa a quem incumbe a decisão de adotar a IC como procedimento, as pessoas da
família, a própria criança a ser concebida, considerando-se essa decisão em suas consequências a longo
prazo. Somente por meio de informações suficientes a pessoa se torna apta ao processo decisório com a
devida segurança e a espera promissora.

Conclusões
A IC tem sido largamente adotada pelas pessoas que não têm condições financeiras para arcarem com as
despesas oriundas da contratação de uma clínica especializada para tratarem a infertilidade ou
simplesmente realizarem uma inseminação artificial. Entretanto, a comodidade oferecida pelo
procedimento parece exercer uma certa distração sobre as pessoas em relação aos aspectos da IC
merecedores de cautela.
Na realidade, parece que as pessoas não se importam ou nem procuram conhecer de forma específica as peculiaridades das relações jurídicas que se estabelecem, entretanto não somente na seara jurídica o procedimento pode apresentar sérias dificuldades. O tema, conforme se reafirmou, é interdisciplinar e a tríade jurídico-médio-bioética se faz presente nas mais complexas questões que permeiam a IC, em que se percebe diversos fatores que concorrem para complicações ético-deontológicas, justamente devido à ausência de normas regulamentadoras, ausência de atendimento médico e ainda a acentuada exposição nas redes sociais digitais de crianças e famílias num contexto que muito se assemelha a um banco de sêmen virtual, que funciona como forma de propagação de um meio de reprodução desburocratizado e de baixo custo.

Nessa ambiência, torna-se difícil conceber a IC como uma opção satisfatória às pessoas que desejam
realizar o sonho de ter descendentes, pois nenhuma escolha sábia se baseia apenas na efetivação de um
projeto, para agarrar-se a essa possibilidade como se fosse a única, de forma a cerrar os olhos para as
demais circunstâncias. Não se pode decidir tendo em vista tantos fatores ainda obscuros, a serem
estudados, desconhecidos em seus efeitos que poderão vir tardiamente.
Ou nem virem. Diante desses argumentos frutos de detida pesquisa científica, adverte-se que a ciência não tem o poder de paralisar, de impedir ou mesmo cercear as pessoas a adotarem esse procedimento de reprodução, entretanto, por igual, não pode se calar, deixar de estudar, compartilhar, publicar, difundir os estudos até aqui realizados.

Pois no fato de aconselhar, admoestar, acautelar as famílias acerca dos riscos e eventuais efeitos futuros
é o cumprimento da função social da pesquisa, na verdade, é o ápice do tripé do ensino superior das
universidades, ensino-pesquisa-extensão, que leva o conhecimento científico gerado como um embrião,
que irá crescer e se desenvolver na sociedade.

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Para concluir, diante da carência de informações às pessoas interessadas, da facilidade de comunicações
e adesão ao procedimento por meio das redes sociais digitais, e, ainda em face da impossibilidade de se
estabelecerem medidas no sentido de conter o expressivo aumento de adeptos da IC, reafirma-se a
necessidade de pronunciamento legislativo capaz de ditar regras, condições e contornos necessários à
segura adoção do procedimento. Até mesmo uma normativa da Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa), por exemplo, poderá apresentar efeitos positivos no que respeita à desenfreada adoção do
procedimento, que pode acarretar danos à sociedade, à saúde humana e coletiva, podendo inclusive vir a
comprometer a dignidade da pessoa humana das futuras gerações, como por exemplo, no que se refere
aos riscos da consanguinidade.

Referências
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Artigo originalmente publicado na Revista Conexão Acadêmica UNIG

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