Livraria mais antiga do Brasil até então em funcionamento, Ao Livro Verde fecha as portas
Matheus Berriel 13/11/2023 15:00 - Atualizado em 14/11/2023 16:22
Livraria de portas fechadas
Livraria de portas fechadas / Foto: Rodrigo Silveira
Campos deixou de ter a livraria mais antiga do Brasil em funcionamento. Fundada em 1884, presente no ”Guinnes Book” e recém-reconhecida como patrimônio municipal, a Ao Livro Verde fechou as portas na última sexta-feira (10).
O risco de fechamento da livraria foi divulgado em primeira mão pelo portal Folha1 no dia 13 de junho, com informações complementares na edição do dia seguinte (14) da Folha da Manhã. O motivo foi o acúmulo de dívidas após a pandemia da Covid-19, ampliado pelo esvaziamento do Centro de Campos, que causou grande queda nas vendas. Como também informado pela Folha em matéria posterior, um pedido de autofalência, ainda sem decisão, havia sido feito à Justiça desde 31 de maio. Segundo a petição inicial, as dividas totalizaram R$ 1.886.264,91.
Nos últimos meses, foi criado e fortalecido um movimento com intuito de evitar tamanha perda histórico-cultural. Um abraço no prédio de Ao Livro Verde chegou a ser realizado no dia 30 de junho, com participação de representantes do setor cultural campista. O assunto também foi discutido na Câmara dos Vereadores de Campos, em mais de uma oportunidade, culminando na apresentação do relatório de uma comissão mista com alternativas para a manutenção da livraria. Entre as sugestões, uma era a criação da Casa de Cultura Ao Livro Verde.
Uma das mais de 60 entidades apoiadoras da campanha SOS Ao Livro Verde, a Academia Campista de Letras (ACL) lamentou a notícia do fechamento.
— A história de Campos foi registrada nessa livraria, que perpassou por tantas e tantas gerações nesses 179 anos de existência. Ao Livro Verde estará sempre com as suas portas abertas em nossa memória afetiva, além de estar imortalizada no romance “O coronel e o lobisomem”, do saudoso campista José Cândido de Carvalho. Nós, amantes da literatura, dos livros, sentimo-nos órfãos. Mister trazer à luz, neste momento, que a Academia Campista de Letras recebe essa informação com profunda tristeza, com o sentimento de luto — escreveu o presidente da ACL, Christiano Fagundes.
— A história de Campos foi registrada nessa livraria, que perpassou por tantas e tantas gerações nesses 179 anos de existência. Ao Livro Verde estará sempre com as suas portas abertas em nossa memória afetiva, além de estar imortalizada no romance "O coronel e o lobisomem", do saudoso campista José Cândido de Carvalho. Nós, amantes da literatura, dos livros, sentimo-nos órfãos. Mister trazer à luz, neste momento, que a Academia Campista de Letras recebe essa informação com profunda tristeza, com o sentimento de luto — escreveu o presidente da ACL, Christiano Fagundes.
Integrante do comitê organizador da campanha, a Associação de Imprensa Campista (AIC) também se posicionou por meio do seu presidente, Wellington Cordeiro.
— Aos seus 179 anos, a Ao Livro Verde agora se une à Livraria Da Vinci, no Rio de Janeiro, que também encerrou suas atividades devido à crise, assim como outras livrarias renomadas, incluindo a Sampa Books, em São Paulo; a Solário, no Rio; a Status, em Belo Horizonte; e a Valer, em Manaus, todas com mais de duas décadas de atuação. Aguardaremos os próximos passos nessa luta que não se encerra com o lamentável episódio de hoje. Toda a comunidade deve abraçar esta causa, pois o fechamento de uma livraria como a Ao Livro Verde representa um verdadeiro crime contra nosso patrimônio histórico e cultural — diz um trecho da nota da AIC.
Em extenso comunicado, o comitê organizador da SOS Ao Livro Verde, encabeçado pelo jornalista Adelfran Lacerda, disse acreditar na possibilidade de reabertura do estabelecimento.
— Lamentamos, muito triste e profundamente, o ocorrido. Mas, entendemos e respeitamos as razões e a decisão pessoal do proprietário, Sr. Ronaldo Sobral, em função do que é de amplo e detalhado conhecimento público. Mas, continuamos acreditando, firmemente, na reabertura da livraria, o mais brevemente possível — informa o comunicado. O comitê organizador complementa informando que “está em contato com todos os interessados e envolvidos, permanentemente, nessa causa, com a certeza de, através do entendimento, serem colocadas em prática soluções urgentes e necessárias para a preservação desse importante e imprescindível patrimônio histórico e cultural de Campos dos Goytacazes, do estado do Rio de Janeiro e do Brasil”.
Entre outras instituições, o comitê organizador da SOS Ao Livro Verde também conta com participação da Associação Comercial e Industrial de Campos (Acic), da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL), do Sindicato do Comércio Varejista de Campos (Sindivarejo) e da Fundação Cultura de Campos (FCC, mantenedora do Centro Universitário Fluminense - Uniflu). Um abaixo-assinado virtual de apoio possui mais de 2 mil assinaturas e segue aberto pelo site peticaopublica.com.br. Entre as entidades apoiadoras, estão as empresas do Grupo Folha, a Academia Brasileira de Letras (ABL), a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e as associações Estadual e Nacional de Livrarias (AEL e ANL).
Consultada sobre o tema, a presidente da Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima, Auxiliadora Freitas, lamentou o fim das atividades de Ao Livro Verde.
— As causas são de ordem privada, onde o poder público não encontrou caminhos legais para ajudar nesta questão. Projeto cultural para o espaço, certamente se tem. Mas, o seu fechamento é de outra ordem — disse Auxiliadora, ressaltando que o fechamento de livrarias físicas vem sendo notado em todo o país nos últimos anos. — Vários fatores vêm contribuindo para isto, como mudança de hábitos, compras pela internet; a concorrência de preços das grandes empresas on-line, bem mais baixos que as livrarias físicas, por exemplo. Com isso, os cidadãos deixaram de ir à nossa Ao Livro Verde adquirir livros. Manter livrarias abertas hoje no Brasil é um ato de resistência, criatividade e gestão moderna. É com o coração apertado que vemos nossa Ao Livro Verde fechar suas portas enquanto livraria. Quem ama a cultura e literatura, quem entende a importância histórica da nossa cidade, está sofrendo e lamentando esse fato — pontuou.
Vários ativistas da cultura em Campos também se pronunciaram, como o jornalista Edmundo Siqueira, blogueiro do Folha1.
— O fechamento da Ao Livro Verde fala bastante sobre a relação de Campos com seus patrimônios e sua história. O que seria um potencial se transforma em problema. Continuamos a permitir que apagamentos aconteçam e que ruínas se acumulem. É um problema que precisamos enfrentar, achar a causa ou combater as consequências. Campos precisa ter uma identidade, e os campistas, conhecer a terra em que vivem. Uma sociedade sem memória e sem cultura está fadada ao subdesenvolvimento, à miséria, ao atraso. Não é saudosismo, é uma questão estratégica — comentou ele.
O pensamento é compartilhado pela historiadora Rafaela Machado, coordenadora do Arquivo Público Municipal Waldir Pinto de Carvalho:
— O fechamento da Ao Livro Verde fala, infelizmente, muito sobre a cidade e sobre cada um de nós. Dizer que lastimo é pouco. Sei que muitas pessoas e instituições tentaram ajudar e se empenharam na resolução das questões, mas os problemas foram maiores. Na verdade, a solução do caso exigiria empenho, doação e entendimento de muitas partes. Fica agora o lamento por termos perdido enquanto cidade, mas também como brasileiros. Perde a cultura do nosso país. Perde cada campista.
Situado na rua Governador Teotônio Ferreira de Araújo, número 66, o prédio de Ao Livro Verde é tombado pelo Conselho de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural de Campos (Coppam). Ainda presente no local, a placa da centenária livraria tornou-se mais um símbolo do desprezo com os bens culturais no país, refletido na planície goitacá.
— O prédio de Ao Livro Verde sofreu mudanças ao longo da sua existência. Mesmo um prédio muito conservado sofre mudanças. Ao Livro Verde tem o mérito de começar sua existência como livraria e continuar com essa atividade ate cerrar suas portas. Assim tem acontecido em cidades que não sabem ou não querem preservar seu patrimônio edificado. Seguindo um roteiro já bem conhecido, o próximo passo pode ser a demolição do prédio para a construção de um imóvel moderno padronizado. Pode- se também esperar a sua ruína para transformar o espaço em estacionamento — alerta o historiador e escritor Aristides Arthur Soffiati.

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