Arthur Soffiati - Trecho final da margem esquerda do Paraíba
Em termos geológicos, a planície formada pelo Paraíba do Sul e pelo mar, em grande parte, é composta de sedimentos carreados da serra pelo rio, que era bem mais potente há cinco milênios. O mar fez sua parte, arrematando a planície aluvial com areia e formando uma grande restinga. Na margem esquerda, o mar foi mais bem-sucedido que o rio, construindo uma grande planície de areia (restinga), a maior do estado do Rio de Janeiro. Essa areia tamponou os rios que desciam da zona serrana (baixa, na margem esquerda), passando pelos tabuleiros e desembocando no mar. Esses pequenos rios transformaram-se em lagoas perpendiculares à costa.
Dentro da restinga, formaram-se lagoas paralelas à costa. A maior delas é a lagoa do Campelo, que se ligava naturalmente ao rio Paraíba do Sul pelo valão do Pires. Havia outras, como a lagoa de Cacimbas, do Comércio, do Meio e da Praia, todas elas paralelas à linha de costa. Como demonstrou Leidiana Alonso Alves em “Análise geossistêmica da variação temporo-espacial dos espelhos d’água das lagoas do sistema Campelo entre os anos de 2006 e 2015”, as lagoas de tabuleiros, mesmo barradas, estabeleceram conexões com a grande lagoa do Campelo. Eu iria temerariamente mais longe: as águas da lagoa do Campelo e de Cacimbas formam o último afluente do rio Paraíba com aspecto de um grande delta, tirando do rio Muriaé esse título.
O sistema hídrico funciona assim: as águas das lagoas de tabuleiros vertem pela superfície ou pelo lençol freático para a lagoa do Campelo, que fica na restinga. No passado, águas do rio Paraíba do Sul chegavam ao Campelo pelo valão do Pires. Desta lagoa, os valões da Cataia e da Ponte fluíam para o Paraíba durante as estiagens, o mesmo acontecendo com a lagoa de Cacimbas, que tinha um dos braços conectado ao sistema Cataia.
E o mais interessante é que a margem esquerda do Paraíba do Sul é mais alta que o nível médio do rio, enquanto a margem direita é mais baixa. Assim, quando das cheias, as águas do Paraíba do Sul, ganhavam os canais naturais da margem esquerda e subiam por eles. Em boa parte, elas ficavam aprisionadas nas lagoas. O excedente voltava ao rio quando o leito baixava. Na margem direita, os transbordamentos não retornavam ao leito do rio.
No século XIX, a lagoa de Cacimbas foi aproveitada para a abertura de um canal de navegação ligando o rio Paraíba do Sul à lagoa de Macabu nos tabuleiros. Ele foi explorado pela iniciativa privada. O principal objetivo era o transporte de madeira obtida no sertão para a venda em São João da Barra, onde havia um porto marítimo, ou em Campos, onde havia um porto fluvial. Com o fim da era dos canais, ele foi abandonado. Em meados do século XX, ele ainda era navegado por pescadores.
Ao lado do canal de Cacimbas, tentou-se abrir o canal do Nogueira entre o rio Paraíba, pouco abaixo de Guarus, até a lagoa do Campelo. Tratava-se de obra cara, pois o canal teria suas margens revestidas de pedra e contaria com eclusas para a elevação de nível, a fim de que as embarcações passassem de um para outro. O objetivo era também a exploração do sertão. A obra não chegou à metade do caminho por ser muito cara e por estar envolta em irregularidades financeiras. Em 1940, Camilo de Menezes fotografou as ruínas do canal de Cacimbas e do Nogueira, mostrando tratar-se este segundo de obra ambiciosa.
No projeto de drenagem das lagoas para atender à agroindústria sucroalcooleira, no século XX, o Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS) privilegiou a margem direita. Atuou mais tarde na margem esquerda. No meio de uma restinga, a lagoa do Campelo apresentava teores impróprios de salinidade para a cana. Então, o DNOS concebeu o canal do Vigário para transportar água doce para a lagoa. A fim de escoar o excedente para o mar, abriu-se o canal Engenheiro Antonio Resende, entre a lagoa do Campelo e o mar, valendo-se da foz do rio Guaxindiba. Os resultados esperados foram insatisfatórios. Nos anos de 1980, o Programa de Irrigação (PROJIR) excluiu a margem esquerda do rio Paraíba do Sul em seu curso final. Mas a cana e o gado continuaram numa restinga pouco urbanizada.
A margem esquerda do rio Paraíba do Sul, no seu trecho final, guarda mistérios pouco conhecidos. Restrinjo-me apenas à parte geológica mais nova, com menos de 5 mil anos, idade que, em geologia, é recente. O final da margem direita roubou as atenções por ter abrigado o início da colonização europeia. Os eixos Farol-Campos e São João da Barra-Campos são bem conhecidos (embora ainda careçam de pesquisas). O final da margem esquerda é praticamente desconhecido de leigos e estudiosos. Não houve ali nenhum eixo significativo de colonização europeia. Alguém poderá apontar Guarus e São Francisco de Paula (atual São Francisco de Itabapoana). Poderá lembrar a Vila da Rainha, primeira tentativa de instalar um núcleo português na margem direita do rio Itabapoana e esquerda do rio Paraíba do Sul. Nenhum deles, porém, situa-se ou situava-se na Baixada dos Goytacazes.
Em termos geológicos, a planície formada pelo Paraíba do Sul e pelo mar, em grande parte, é composta de sedimentos carreados da serra pelo rio, que era bem mais potente há cinco milênios. O mar fez sua parte, arrematando a planície aluvial com areia e formando uma grande restinga. Na margem esquerda, o mar foi mais bem-sucedido que o rio, construindo uma grande planície de areia (restinga), a maior do estado do Rio de Janeiro. Essa areia tamponou os rios que desciam da zona serrana (baixa, na margem esquerda), passando pelos tabuleiros e desembocando no mar. Esses pequenos rios transformaram-se em lagoas perpendiculares à costa.
Dentro da restinga, formaram-se lagoas paralelas à costa. A maior delas é a lagoa do Campelo, que se ligava naturalmente ao rio Paraíba do Sul pelo valão do Pires. Havia outras, como a lagoa de Cacimbas, do Comércio, do Meio e da Praia, todas elas paralelas à linha de costa. Como demonstrou Leidiana Alonso Alves em “Análise geossistêmica da variação temporo-espacial dos espelhos d’água das lagoas do sistema Campelo entre os anos de 2006 e 2015”, as lagoas de tabuleiros, mesmo barradas, estabeleceram conexões com a grande lagoa do Campelo. Eu iria temerariamente mais longe: as águas da lagoa do Campelo e de Cacimbas formam o último afluente do rio Paraíba com aspecto de um grande delta, tirando do rio Muriaé esse título.
O sistema hídrico funciona assim: as águas das lagoas de tabuleiros vertem pela superfície ou pelo lençol freático para a lagoa do Campelo, que fica na restinga. No passado, águas do rio Paraíba do Sul chegavam ao Campelo pelo valão do Pires. Desta lagoa, os valões da Cataia e da Ponte fluíam para o Paraíba durante as estiagens, o mesmo acontecendo com a lagoa de Cacimbas, que tinha um dos braços conectado ao sistema Cataia.
E o mais interessante é que a margem esquerda do Paraíba do Sul é mais alta que o nível médio do rio, enquanto a margem direita é mais baixa. Assim, quando das cheias, as águas do Paraíba do Sul, ganhavam os canais naturais da margem esquerda e subiam por eles. Em boa parte, elas ficavam aprisionadas nas lagoas. O excedente voltava ao rio quando o leito baixava. Na margem direita, os transbordamentos não retornavam ao leito do rio.
No século XIX, a lagoa de Cacimbas foi aproveitada para a abertura de um canal de navegação ligando o rio Paraíba do Sul à lagoa de Macabu nos tabuleiros. Ele foi explorado pela iniciativa privada. O principal objetivo era o transporte de madeira obtida no sertão para a venda em São João da Barra, onde havia um porto marítimo, ou em Campos, onde havia um porto fluvial. Com o fim da era dos canais, ele foi abandonado. Em meados do século XX, ele ainda era navegado por pescadores.
Ao lado do canal de Cacimbas, tentou-se abrir o canal do Nogueira entre o rio Paraíba, pouco abaixo de Guarus, até a lagoa do Campelo. Tratava-se de obra cara, pois o canal teria suas margens revestidas de pedra e contaria com eclusas para a elevação de nível, a fim de que as embarcações passassem de um para outro. O objetivo era também a exploração do sertão. A obra não chegou à metade do caminho por ser muito cara e por estar envolta em irregularidades financeiras. Em 1940, Camilo de Menezes fotografou as ruínas do canal de Cacimbas e do Nogueira, mostrando tratar-se este segundo de obra ambiciosa.
No projeto de drenagem das lagoas para atender à agroindústria sucroalcooleira, no século XX, o Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS) privilegiou a margem direita. Atuou mais tarde na margem esquerda. No meio de uma restinga, a lagoa do Campelo apresentava teores impróprios de salinidade para a cana. Então, o DNOS concebeu o canal do Vigário para transportar água doce para a lagoa. A fim de escoar o excedente para o mar, abriu-se o canal Engenheiro Antonio Resende, entre a lagoa do Campelo e o mar, valendo-se da foz do rio Guaxindiba. Os resultados esperados foram insatisfatórios. Nos anos de 1980, o Programa de Irrigação (PROJIR) excluiu a margem esquerda do rio Paraíba do Sul em seu curso final. Mas a cana e o gado continuaram numa restinga pouco urbanizada.