William Passos: Envelhecimento e epidemia da solidão
No Brasil, 19% da população mora só. É o que revelou o último Censo Demográfico do IBGE, com data de referência para 1º de agosto de 2022. O número vem crescendo a cada ano e reflete as mudanças no comportamento da população com a chamada transição demográfica, isto é, a combinação entre baixo nascimento e elevado envelhecimento. Com o aumento crescente da escolaridade feminina (na média, as mulheres têm mais tempo de estudo que os homens), as mulheres vão reduzindo cada vez mais o número de filhos e adiando o primeiro parto. Ao mesmo tempo que se casam cada vez menos e divorciam-se cada vez mais, também cresce o número de mulheres que decide não ser mãe. Como resultado das mudanças na dinâmica da reprodução e da nupcialidade, o tamanho das famílias também diminui, crescendo o número de domicílios unipessoais, isto é, aqueles que registram apenas um único morador. Diante deste novo cenário, o Censo Demográfico 2022 do IBGE demonstrou que nunca tantos brasileiros viveram tão só, e um dado que chama muito a atenção: nunca tantos idosos viveram tão só!
Isso explica por que, entre 2000 e 2022, o número de domicílios aumentou mais que o de população no país: as famílias diminuíram, ao mesmo tempo que mais pessoas passaram a viver e a envelhecer na solidão. Quando os números são observados por faixa etária, outro dado revelador: os homens são maioria e moram mais sozinhos até os 59 anos de idade. Por outro lado, a partir dos 60 anos de vida, explode o número de mulheres que passa a envelhecer só. Nesse último caso, fundamentalmente, a solidão feminina na velhice é explicada pelo menor tempo de vida dos homens. No Brasil e no mundo, nascem mais meninos que meninas, mas os homens vão morrendo mais cedo. Uma curiosidade é que enquanto no planeta há mais homens que mulheres, no Brasil a situação se inverte: há mais mulheres que homens no conjunto da população.
Diante de todo esse cenário, nosso grande desafio, enquanto sociedade, é combater a solidão dos nossos idosos. E para isso é fundamental a cooperação: governos, terceiro setor, entidades religiosas, organizações da sociedade civil, empresas, pessoas de boa vontade, todos são chamados a oferecer todo o apoio necessário para que nossos semelhantes com mais de 60 anos sintam o calor do nosso acolhimento sobrepondo-se a indiferença da nossa ausência e abandono!
Apenas trazendo alguns números da nossa Região, São João da Barra é o município do Norte Fluminense com mais domicílios habitados por uma única pessoa: 25% ou um quarto da população com primeira residência no balneário. São Fidélis e São Francisco de Itabapoana, com 23% da população habitando domicílios unipessoais, dividem a segunda colocação. Na sequência, Conceição de Macabu, Macaé e Cardoso Moreira registram 22% de suas populações vivendo em solidão, exatamente a média do Norte Fluminense, enquanto em Campos e Quissamã o percentual, abaixo da média regional, é de 20%. Ainda na Região, Carapebus apresenta os mesmos 19% da média nacional.
Já quando se trata da população com 60 anos ou mais, a média nacional é de 8%, com 5% das mulheres e 3% dos homens morando só. Na Região, Cardoso Moreira lidera como o município com população mais solitária na terceira idade: 13% dos moradores, sendo 7% mulheres e 6% homens. Na sequência aparece São Fidélis, com 12% da população e os mesmos 7% de mulheres (os homens somam 5%). São Francisco de Itabapoana registra 11% (6% mulheres e 5% homens). Conceição de Macabu, São João da Barra e Quissamã perfazem 10%, com os mesmos 6% de mulheres e 4% de homens em cada um dos três municípios. Em Campos, 9% da população com 60 anos ou mais mora sozinha, percentual acima da média nacional. Dentro desses 9%, as mulheres são o dobro: 6% das campistas do sexo feminino com pelo menos 60 anos reside sozinha, contra 3% dos homens campistas.
Por sua vez, em percentuais redondos, Carapebus apresenta os mesmos 9%, só que com distribuição igualitária: 4,5% para mulheres e 4,5% para homens. Macaé, por outro lado, é o único município que exibe percentual abaixo dos 8% da média nacional: são 7% da população com 60 anos ou mais residindo sozinha, sendo 4% mulheres e 3% homens. Aqui abre-se um parênteses para destacar que, nas estatísticas da população, por convenção, os dados consideram apenas o sexo biológico, e não o autorreconhecimento do gênero pelos indivíduos.
Em maio de 2023, Vivek Murthy, cirurgião-geral do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos, divulgou um relatório alertando sobre a “epidemia da solidão”, um problema de saúde pública comparável ao tabagismo e à obesidade, de acordo com o levantamento, que monitorou apenas a população norte-americana. Embora com variações, internacionalmente, vários outros estudos apoiam as conclusões de Murthy, chamando a atenção para o fato de que o “sentimento de solidão” vem se tornando, silenciosamente, um problema global de saúde pública desde a década de 2010. Em novembro do mesmo ano, a Organização Mundial da Saúde declarou a solidão uma “preocupação global de saúde pública” e lançou uma comissão internacional para estudar o problema. Em 2018, o Reino Unido criou o Ministério da Solidão, enquanto no último dia 24 de outubro, a Prefeitura de Seul anunciou US$ 327 milhões em investimentos para combater a epidemia que condena a população a partir dos 50 anos a viver e morrer sozinha, dentro de casa, na capital da Coreia do Sul.
Tanto na literatura científica da área de saúde quanto nos estudos realizados pelas autoridades governamentais ao redor do planeta, a conclusão é a de que a ausência de sociabilidade está associada a uma maior incidência de problemas de saúde mental, além do risco aumentado de ansiedade, depressão e suicídio. A menos de 60 dias da retomada das campanhas do Janeiro Branco no Brasil, cuja origem é atribuída à iniciativa do psicólogo mineiro Leonardo Abrahão, é importantíssimo voltarmos o nosso olhar empático sobre nós mesmos e nosso autocuidado, mas é fundamental refletirmos sobre o envelhecimento da população das nossas cidades e a epidemia de solidão que começa na nossa vizinhança, muitas vezes ao lado das paredes da nossa residência!
* Geógrafo com especialização doutoral em estatística pelo Ence/IBGE