A espera pode ser mais antiga, mas a promessa oficial completou nesta semana 40 anos. Na edição de 15 de julho de 1981, a Folha da Manhã noticiava: “Figueiredo anuncia construção de ponte em São João da Barra”. A informação foi repassada pelo então deputado federal Alair Ferreira, que aguardava o presidente João Figueiredo para uma agenda em Campos no dia seguinte, quando seria inaugurada a TV Norte Fluminense, de Alair, hoje extinta. Os pilares, que uniriam as duas partes de um só município, jamais receberam os tabuleiros da pista — e nem há perspectiva para que isso aconteça. Passaram-se os anos, o antigo “sertão”, hoje São Francisco do Itabapoana, foi emancipado em 1995, o Paraíba passou a ser a divisa dos municípios, SJB ganhou destaque econômico com royalties e o Porto do Açu. Em 2014, veio a promessa de outra ponte: a nova construção, diziam, seria mais econômica e célere do que se fossem utilizados os antigos pilares. A obra tinha um ano como prazo de conclusão, mas até agora não terminou. O Tribunal de Contas do Estado (TCE), em 2019, apontou superfaturamento superior a R$ 30 milhões, valor que seria suficiente, inclusive, para terminar a ponte. O governador Cláudio Castro (PL) marcou uma reunião no TCE para que o presidente da Corte, Rodrigo Melo do Nascimento, e o seu secretário de Governo, Rodrigo Bacellar, pudessem tratar, nessa sexta-feira (16), sobre o processo que impede a continuidade da obra. A promessa do Governo do Estado, agora, é de conclusão imediata, assim que houver liberação do TCE. E dinheiro não deve ser problema: o Rio terá, neste ano, uma injeção de R$ 14,5 bilhões da privatização da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae).
Década de 1980
Nome de maior representatividade da política local da sua época, Alair Ferreira conseguiu autorização de Figueiredo para ponte que seria batizada em homenagem ao último presidente da ditadura militar. Na inauguração da TV Norte, Alair mostrou a Figueiredo a maquete da obra, que foi iniciada exatamente um ano depois, em 16 de julho de 1982, quando o então ministro do Interior, Mário Andreazza, figura importante do contexto político da época, fincou a primeira estaca. Entre paradas e retomadas, a construção seguiu até 1987, quando um infarto matou Alair. Ainda no velório, políticos já especulavam que com a perda do parlamentar a construção não prosseguiria.
Filha do ex-deputado e auxiliar dele nas questões políticas e empresarias (a obra foi executada pela Cobráulica, que era de Alair), Sônia Ferreira conta que ainda lutou para que a obra avançasse:
— No final dos anos 1980, com apoio do Dodozinho (Genecy Mendonça), que era o prefeito da época, ainda teve uma articulação, um documento com bastante assinaturas populares. Fui a Brasília tentar apoio para retomada da obra, mas nada aconteceu. A ponte, com certeza, acabaria com o movimento que já surgia para emancipação do antigo “sertão”, o que papai não via como vantajoso para a região. E também favoreceria aos produtores de cana, em uma época que Campos tinha mais usinas. Os recursos para construção vinham do IAA (Instituto do Álcool e Açúcar) e do DNOS (Departamento Nacional de Obras de Saneamento). Quando o ex-presidente Fernando Collor extinguiu as autarquias (em maio de 1990), eu sabia que seria muito difícil a retomada da obra.
Ela relata como triste o fato de outra ponte ter sido iniciada, deixando de lado os pilares antigos, o que, observa, também “é desperdício de dinheiro público”.
Início dos anos 1990
Último prefeito eleito antes da emancipação de São Francisco, o economista Ranulfo Vidigal lembra que durante o seu mandato (de 1993 a outubro de 1996, quando foi cassado), chegou a ser anunciada a retomada das obras: “Foi uma dotação orçamentária do governo federal, de emenda parlamentar, por meio do Ministério da Integração. Esse recurso veio, nós começamos o aterramento pelo lado de SJB. A verba foi executada, prestamos conta. Mas era um custo elevado para os acessos, porque ali era praticamente um brejo. Tínhamos os problemas de acesso, a necessidade de um dique e questões ambientais que deixavam a obra mais cara”.
Nada mais foi feito nos anos 1990. Para Ranulfo, a nova ponte é uma saída inteligente, pois também contempla o Porto do Açu (a cabeceira é próxima à BR 356 e à RJ 240, que leva ao complexo), facilitando o acesso rodoviário ao sul capixaba. “A SJB histórica que a gente conheceu se transformou em uma SJB ligada ao complexo. A ponte é para integração do Norte Fluminense, mas também do Porto. Com o Governo do Estado tendo esse recurso extraordinário da Cedae, deve concluir”.
Ponte da Integração
Novos movimentos políticos para ponte entre SJB e SFI voltaram a acontecer em 2010, quando o então governador Sérgio Cabral anunciou que concluiria a ponte João Figueiredo. No ano seguinte, foi a vez do vice-governador à época, Luiz Fernando Pezão, também falar sobre a obra, que passaria a ter recursos do Departamento de Estradas e Rodagem (DER). Apenas em 2013 os antigos pilares foram deixados de lado, para licitação da nova ponte. A obra só começou em 6 de junho de 2014, em uma cerimônia com o então governador Pezão. Orçada inicialmente em R$ 105,7 milhões, o prazo de conclusão era de um ano. Novas paralisações e retomadas aconteceram — e a presença de políticos era constante a cada reinício da construção, tendo o último ocorrido em 2018. Pezão chegou a dizer em novembro daquele ano, a um mês de concluir o mandato (o que nem ocorreu, porque ele foi preso no exercício do cargo), que ainda terminaria a obra.
Veio o ex-governador Wilson Witzel (cassado este ano) e na primeira agenda de um representante do governo na região, em janeiro de 2019, a ponte foi visitada. Na ocasião, prefeitos e deputados pediram apoio a Lucas Tristão, então secretário de Desenvolvimento Econômico, para que o Estado liberasse cerca de R$ 30 milhões que faltavam para o término da obra. Já em setembro, Castro, então vice-governador, visitou Campos e falou da retomada da obra “em breve”. O dinheiro não saiu e ainda surgiu a suspeita de superfaturamento no que já havia sido feito.
O TCE apontou irregularidades na obra, envolvendo a empresa Premag, responsável pela construção, e funcionários do DER. Segundo voto do relator, o superfaturamento seria de cerca de R$ 30 milhões, por preços acima do mercado e medições contendo quantidade de serviços que não foram realizados. De acordo com Tribunal de Contas, atualmente, “o processo encontra-se em análise pelo Corpo Instrutivo, não sendo possível precisar uma data para sua ida ao Conselho Deliberativo”.
Segundo o DER, já houve resposta ao TCE sobre as supostas irregularidades, mas ainda aguarda a “decisão do órgão diante das justificativas apresentadas”. Ainda de acordo com o DER, “há total interesse” em retomar a obra. “Faltam cerca de 25% dos serviços programados para conclusão”, informou em nota, acrescentando que “está na fase de elaboração de orçamento da obra de acesso à ponte. Em seguida, fará uma licitação para a execução da obra. Vale ressaltar que os acessos não foram previstos no projeto original”.
Articulação de deputados
Deputado estadual, hoje secretário de Governo, Rodrigo Bacellar afirmou que a conclusão da ponte é uma prioridade, mas é necessário um acordo com o TCE, uma vez que as irregularidades apontadas são do passado. Ele saiu confiante da reunião com o presidente da Corte de Contas nessa sexta, e ficou agendado um encontro para a próxima semana, com a presença do conselheiro relator do caso, Christiano Lacerda Ghuerren. “Estou em um empenho com o governador há seis meses sobre este assunto. Fora a questão do TCE, tentamos um entendimento para que o Porto do Açu concluísse a ponte, e a gente, pelo DER, licitasse as cabeceiras, mas não avançou. Uma vez liberado pelo Tribunal de Contas, a gente conclui a obra imediatamente. É prioridade número um do governador”, afirmou Bacellar, informando que Castro deve anunciar alguma novidade no próximo mês, em Campos, quando estará no “Estado Presente”.
Em recente entrevista ao Folha no Ar, da Folha FM 98,3, o deputado estadual Bruno Dauaire (PSC) disse que também estaria cobrando ao TCE uma solução para o que chamou de “novela da ponte”. “Ainda não conseguimos uma audiência com o TCE, mas o Governo do Estado tem se mostrado empenhado na busca por alternativas. Uma delas é a de conversa com a iniciativa privada, em relação a empresas ligadas ao Porto do Açu, para concluir a ponte. Continuamos sem medir esforços para o diálogo com o TCE com objetivo de que a população seja beneficiada e os recursos aplicados corretamente”, afirmou Dauaire nessa sexta.
O papel de articulação já foi de outros políticos, como o ex-deputado estadual Roberto Henriques, que propôs o nome da “ponte da Integração”. Também eram presentes na articulação João Peixoto, um dos que mais falavam sobre a obra e incluiu uma homenagem a Dodozinho no nome da ponte, e Gil Vianna. Os dois deputados estaduais morreram no ano passado em decorrência da Covid-19.
Expectativa
A prefeita de São Francisco de Itabapoana, Francimara Barbosa Lemos (SD), diz que está confiante na retomada da obra. “Estamos unidos em prol da conclusão da tão sonhada ponte da Integração, pois sem dúvida alguma todos nós seremos beneficiados. Recebemos a sinalização de Cláudio Castro da sua vontade em concluir a obra o quanto antes”, afirmou Francimara, que acrescentou:
— Será um salto gigantesco para nosso turismo e nossa economia, estaremos ligados 100 % em toda extensão da rodovia do sol. Vai viabilizar investimentos empresariais do Porto do Açu em nosso município. Confio no governador para conclusão desta obra, pois ele conhece nossa realidade.
A prefeita de SJB, Carla Machado (PP), afirmou que em reunião com o governador, com a presença de prefeitos de outras cidades, ela apresentou como demanda prioritária o término da obra e dos acessos. Na ocasião, Castro citou as questões do TCE, mas teria se comprometido a executar a obra por meio de parceria público privada. “Estamos aguardando com confiança o desenrolar. A conclusão da obra é de grande importância para o desenvolvimento econômico e social. E a demora gera um grande problema ambiental, já que houve por duas vezes intervenção no rio Paraíba do Sul. A conclusão da ponte é aguardada há três (quatro) décadas”.
A Folha tentou contato, sem sucesso, com a Premag, empresa responsável pela obra. Também não houve retorno de Cláudio Castro e do prefeito de Campos, Wladimir Garotinho (PSD), sobre a importância regional da ponte. Já o Porto do Açu não comentou sobre a possibilidade de concluir a obra iniciada pelo DER.
Os pilares e o processo de emancipação
A construção da ponte João Figueiredo, que não saiu dos pilares desde os anos 1980, tinha como um dos princípios encurtar a distância entre a sede do município de São João da Barra e os distritos do antigo “sertão”, hoje São Francisco, em mais de 80 quilômetros. Cortado pelo Paraíba, não há acesso rodoviário direto entre os municípios, exigindo a passagem por Campos. Há quem acredite que se a obra tivesse sido concluída, o novo município nem seria criado em 1995, tendo ficado com dimensão territorial maior que o município de origem.
— Não aconteceria, eu tenho certeza que não aconteceria. Um dos motivos que achei por bem deixar o processo seguir, sem interferência, mesmo sendo o prefeito na época, é que na verdade nós já tínhamos dois municípios — defendeu o ex-prefeito Ranulfo Vidigal.
A atual prefeita de SJB, Carla Machado também concorda: “A não conclusão pode, sim, ter sido um dos fatores. Sempre considerei a ponte uma obra necessária, antes e depois da emancipação. A ponte será importante para toda a região”.
O entendimento não é o mesmo da prefeita de SFI. “A emancipação do nosso município se fez necessária. Foi um processo justo tendo em vista os avanços desde a emancipação até os dias de hoje. SJB continua sendo nosso município mãe, porém, precisávamos caminhar com nossas próprias pernas. Vejo com toda clareza que mesmo se já tivéssemos a ponte João Figueiredo concluída à época, ainda assim o antigo sertão já estaria emancipado”, disse Francimara.
Na campanha de 2020, candidata à reeleição, Carla chegou a cogitar um consórcio com Campos e SFI para concluir a obra. Francimara não vê possibilidade de adesão:
— A realidade financeira de Campos e SJB é diferente de São Francisco, já que nossa receita é bastante inferior. Temos 62 quilômetros de litoral e recebemos royalties de petróleo como município limítrofe. Portanto, seria inviável financeiramente ao nosso município parceria para conclusão da ponte.
Com a privatização da Cedae, que renderá 14,5 bilhões ao Rio, SFI terá uma fatia. Serão R$ 35 milhões até 2025, em três parcelas. A primeira, e maior, de R$ 22,8 milhões, cai na conta este ano.