Não é possível culpar uma pessoa pela situação a que chegaram a cultura e o patrimônio histórico, em Campos. Sequer um grupo, apenas. A responsabilidade é coletiva, de governos e da sociedade, inclusive de quem respira a cultura do município, onde me incluo. O estado de coisas na cultura campista é muito grave, o que foi feito e deixou de ser feito até aqui é ruinoso. E reitero a coletividade do dolo cultural. Vários exemplos históricos evidenciam isso: os prédios do antigo Trianon, da Santa Casa de Misericórdia e antiga Igreja Mães dos Homens, que eram localizados no centro da cidade. O Cine Teatro Trianon, belíssimo e extremamente representativo, ruiu para dar lugar a uma agência bancária. A Santa Casa, grandiosa e altamente representativa, veio ao chão para dar lugar a um estacionamento. Exemplo mais recente, a Praça do Santíssimo Salvador, majestosa e muito representativa, transformada em um forno de mármore. Em exemplo futuro, em um previsível cenário de tragédia anunciada, o Solar dos Airizes, incrível e nacionalmente representativo, virá ao chão.
Em publicação ontem (15), este espaço (confira aqui) repercutiu a entrevista da presidente da Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima (FCJOL), Auxiliadora Freitas, concedida à rádio Folha FM 98,3. Professora e ex-vereadora, e com uma vivência empírica a frente do Teatro Trianon, no governo Rosinha (2010), Auxiliadora assume a cultura de Campos em um momento crítico. Depois de gerir com competência e empenho um aparelho cultural importante como o Trianon, deparou-se com uma Fundação com todos seus aparelhos em situação crítica, apesar do trabalho de excelência desenvolvido em grande parte deles. Inclusive, com vários locais culturais sofrendo furtos e arrombamentos (confira aqui). A falta de recursos para manter em funcionamento essas estruturas pode ser facilmente comprovada olhando os números orçamentários passados. E também mostra a ineficiência – e falta de união – do setor em dar a relevância que o tema merece, em Campos. Mas é preciso olhar para o futuro com esperança, do verbo esperançar.
A cultura é um organismo vivo. De difícil definição, pois engloba muitas expressões humanas. Porém, cuidar para que ela tenha condições de sobrevivência digna, produz identidade e auto (re)conhecimento, em uma sociedade. E isso é essencial. A delapidação de nosso patrimônio histórico, que vem há muitos anos, impede que nossa história seja contada como ela deve ser, inclusive, em um necessário resgate da exploração de negros e povos originários.
Na entrevista da Folha FM, algumas perguntas que Auxiliadora respondeu foram feitas incialmente por mim, para serem publicadas neste espaço. O jornalista Aluysio Abreu Barbosa as leu no ar, aderindo ao princípio coletivista do (bom) jornalismo, e por ter conhecimento de que não houve resposta por parte da presidente da FCJOL anteriormente. Após a referida entrevista, este blog recebeu todas as respostas de Auxiliadora, que são transmitidas aqui, nesta publicação, algumas linhas abaixo.
Assim como não é possível culpar apenas um grupo pelo descaso com a cultura campista, não é aceitável que se imponha qualquer exigência de resultado sobre uma gestão que se iniciou há menos de duas semanas. Porém, o apoio sincero é sempre crítico. O papel da imprensa é exercido em sua plenitude quando permite o contraditório e dá luz aos fatos, sejam eles quais forem. E o fato é que Auxiliadora Freitas exerceu ativamente sua função desde sua posse, em um curto espaço de tempo. Visitou praticamente todos os aparelhos culturais da cidade e já fez uma prestação de contas do que viu à sociedade, na rádio do Grupo Folha. Pelo bem das gerações passadas e futuras de Campos, o desejo é de uma gestão de excelência, que para tal, nunca deverá ser unânime, ouvindo os apoios críticos e construindo coletivamente. Pelo enorme desafio, cabe propor união do setor, pois o objetivo final são políticas públicas de qualidade para a área cultural, para que saiamos da culpa coletiva para ganhos coletivos.
Segue a entrevista completa com Auxiliadora Freitas, presidente da Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima:
Edmundo Siqueira - No final do mês passado (12/2020), o Museu Olavo Cardoso (MOC) teria sido vítima de um furto que levaria grande parte de seu acervo, inclusive mobiliário. Segundo relatos, os bens históricos e culturais, de grande importância para o município, que o Museu abrigava, foram subtraídos por uma abertura feita no muro. O que de fato aconteceu no MOC? Como está o andamento das investigações? Ter acesso ao inventário feito antes do furto é fundamental para o entendimento do que havia e do que poderia ser feito para protegê-lo. Já foi dado acesso a esse inventário?
Auxiliadora Freitas - Já realizamos duas visitas à Casa de Cultura Olavo Cardoso. Uma no segundo dia após minha nomeação para a presidência da Fundação Cultural Olavo Cardoso, outra nesta segunda-feira, com a presença da Defesa Civil. Tivemos que realizar um novo boletim de ocorrência, visto que o que fora feito não teria sido validado e agora, estamos no aguardo do inventário daquele equipamento cultural para darmos andamento à checagem do que fora furtado ali, assim como das condições do acervo artístico-cultural e dos mobiliários que ali estão. Independente disso, já solicitei à minha equipe a elaboração de um projeto de reforma com o apoio de historiadores, arquitetos e membros do COPPAM, assim como da Secretaria Municipal de Obras para que possamos conseguir recurso por meio de emenda parlamentar com a Deputada Federal Clarissa Garotinho, com quem já conversei a respeito e se mostrou bastante interessada em encampar esse projeto de tamanha relevância para a cultura de Campos dos Goytacazes. Pensamos em apresentar esse projeto aos nossos colegiados – COMCULTURA e COPPAM – para que possam avaliar e também referendar nosso projeto que poderá voltar a ser o Museu Olavo Cardoso voltado para a temática da cana-de açúcar, contanto nossa história não somente sob o ponto de vista da aristocracia rural, mas também sob a ótica da população que deu seu suor e continua a fazê-lo nos canaviais e usinas de cana-de-açúcar.
Edmundo Siqueira - Segundo página oficial da Prefeitura de Campos, o Palácio da Cultura, equipamento cultural muito conhecido e que é objeto de memória afetiva em Campos, está com “infiltrações, trechos de iluminação expostos, modificações irregulares e setores sem condições de uso”. Segundo mesma reportagem da Comunicação da Prefeitura, a senhora afirma que o prédio passou por uma “maquiagem”. Qual o planejamento para o uso do prédio e também da Biblioteca Nilo Peçanha? Existem condições de implantar o que foi pensado no Plano de Governo, apresentado nas últimas eleições? Existe previsão de cessão ou parceria para uso cultural ao setor privado?
Auxiliadora Freitas - Admito que visitamos, com muita expectativa, o Palácio da Cultura, aguardávamos encontrar o local devidamente reformado para que pudéssemos entregar à população e aos artistas e fazedores de cultura desse município o seu local afetivo da cultura, tão defendido por todos os agentes culturais do município. Desejávamos, o quanto antes, reinstalar a Biblioteca Municipal Nilo Peçanha e acomodar a Fundação Cultural Oswaldo Lima naquele equipamento. Contudo, infelizmente, eu e minha equipe pudemos presenciar um local com imperfeições na pintura, nos acabamentos, com infiltrações em diversos locais, poças d’água dentro do prédio, portas de banheiros recém-construídos com cupim e uma alteração do piso na parte da frente do prédio para porcelanato, diferente do piso original que permaneceu no resto do prédio. Também observamos a mudança das paredes que embutiram e esconderam aquelas belíssimas colunas tão majestosas do prédio, alterando a planta original. Lembrando que essa reforma do prédio precisava ter sido devidamente vistoriada pelo COPPAM, visto ser tombado por esse órgão. Em linhas gerais, foi isso que encontramos lá do que teria sido chamado de “reforma” do Palácio de Cultura. Mas nos causou arrepios termos visto os demais espaços que não estavam inclusos na “reforma” em total abandono, como o porão com cheiro forte de animal morto, um local escuro e insalubre; o auditório, que estava em ótimo estado quando o Palácio foi fechado para reformas, e agora está com sua mobília danificada, pois não foi feito o resguardo desse mobiliário durante a “reforma” para sua conservação. Também o Pantheon, inacessível a nós até o momento, que somente pudemos visualizar do lado de fora, o que já nos deu a impressão de um local úmido e que há muito tempo não teve a visita de ninguém para cuidar daquele espaço que guarda os restos mortais do grande campista José do Patrocínio.
Quanto a projetos para o Palácio da Cultura, iremos ter nosso olhar de gestor focado no plano de governo do Prefeito Wladimir Garotinho e no que está sendo apresentado pelo Plano Municipal de Cultura, que estará em análise na Câmara de Vereadores em breve.
Edmundo Siqueira - Campos possui equipamentos culturais de grande qualidade e que entregam serviços e produtos relevantes. Dois destes equipamentos atuam diretamente no resgate e valorização da história do município, Arquivo Público e Museu Histórico. Qual o planejamento para esses equipamentos? Qual previsão de reabertura, visto que tiveram suas equipes esvaziadas e encontram-se em situação de vulnerabilidade?
Auxiliadora Freitas - Ambos equipamentos já foram vistoriados por mim pessoalmente, além de pessoas da nossa equipe, que estão fazendo levantamento de todas as necessidades de cada um desses ícones de nossa cultura no que tange a nossa memória e identidade cultural. Em breve estaremos buscamos soluções de curto, médio e longo prazo, com planejamento e parcerias. Quanto à reabertura do Museu Histórico e do Arquivo Público, estaremos atentos às indicações do comitê de crise do Covid-19 para podermos reabri-los com total segurança para funcionários, população, visitantes e pesquisadores. Mas já vislumbramos alguma possibilidade de realizarmos atividades virtuais. Estamos em conversa com as duas coordenadoras desses equipamentos, Graziela Escocard e Rafaela Machado, que permanecerão nestes cargos em nossa gestão.
Edmundo Siqueira - Nesses casos específicos, existe a demanda premente de pessoal capacitado, por abrigar um acervo que precisa de manutenção, armazenamento correto e restauro constantes. Embora haja necessidade de realização de concurso público, para que haja continuidade e estabilidade, especificamente para museólogo e arquivista, a curto prazo se mostra pouco provável. Existe previsão de retorno das equipes, que já receberam treinamento custeado pela municipalidade e possuem experiência nas especificidades que as instituições Arquivo e Museu exigem?
Auxiliadora Freitas - Conforme todos já sabem, estamos em uma crise sanitária e financeira em nosso país, e em Campos dos Goytacazes não é diferente, no entanto, reconhecendo essas especificidades, estamos envidando todos os esforços necessários para retornarmos com todo o corpo técnico em nossos equipamentos, incluindo também os teatros que necessitam de pessoal especializado para a manutenção de seus fazeres artísticos.
Edmundo Siqueira - Outro ponto preocupante para o setor cultural de Campos é o patrimônio material. Prédios históricos encontram-se em péssimas condições e apresentam risco eminente de ruína. Uma dessas construções é o Solar dos Airizes, localizado na BR-356, prédio de alto valor cultural para a região Norte Fluminense e já apresenta diversas evidências de desmonte da estrutura. Em apuração jornalística recente, este mesmo espaço (confira aqui) confirmou haver processo judicial transitado em julgado que determina a cessão do prédio ao município, inclusive com previsão de busca de recursos em órgãos federais, como Iphan e multa por descumprimento. Qual o planejamento de uso dos Solares e outros prédios históricos em Campos, visto que o uso é consenso que é a única forma de efetivamente preservá-los? No caso específico do Airizes, a FCJOL tem conhecimento do processo que o envolve?
Auxiliadora Freitas - Estamos verificando toda a documentação que estamos tendo acesso e poderemos com um pouco mais de tempo lhe dar retorno dessas questões. Lembro que estou nomeada há apenas uma semana e não houve transição de governo. Agora é que estamos realizando a transição, gestão e planejamento. Nem todos os dados estão sendo acessíveis ainda. Mas estaremos atentos a toda e qualquer demanda da cultura de nosso município, pode ter certeza disso. Faremos isso com escuta, de modo colaborativo e com parcerias.
Edmundo Siqueira - A cultura imaterial de Campos é vasta. Manifestações e instituições como Cavalhada, Jongo, Lyra de Apollo e festividades distritais relatam resistência em permitir apoio direto da Prefeitura, alegando quebra de promessas, inclusive em governos do grupo garotista. Existe previsão de inclusão no calendário oficial de festejos locais, as manifestações que ainda não integradas? Qual o planejamento para manter viva a cultura imaterial de Campos, sem interferir nas tradições?
Auxiliadora Freitas - Estaremos seguindo o calendário artístico-cultural-religioso de nosso Plano Municipal de Cultura dentro das possibilidades financeiras e do protocolo da pandemia. Nesse ano, por exemplo, não haverá a cavalhada, então também estamos sujeitos a essa questão que tanto aflige o mundo inteiro. Preservar nosso patrimônio imaterial, assim como o material, é nossa obrigação e está previsto na Lei Orgânica do Município, da qual tive a honra de ser presidente da comissão de educação, cultura e esporte, quando estive vereadora.
Edmundo Siqueira - A cultura é um setor que conta com recursos disponíveis em fundos estaduais, federais e até internacionais. Mas para acessá-los é preciso projeto. Existe a previsão de criação de uma equipe dentro da estrutura da FCJOL para elaboração de projetos e captação desses recursos, que traria o “dinheiro novo” tão falado pelo governo?
Auxiliadora Freitas - Criamos em nosso organograma a coordenadoria de produção executiva que elaborará os projetos dentro da competência desse órgão municipal de cultura de Campos dos Goytacazes. Nossa equipe, como um todo, está sendo montada com pessoas de perfil técnico a partir das demandas apontadas pelo COMCULTURA por meio do Plano Municipal de Cultura. Também temos a inclusão de gerências de formação em arte e cultura, do Sistema Municipal de Cultura e do Sistema Municipal de Cultura.
Edmundo Siqueira - A Câmara de Vereadores pode funcionar como um centro de cultura, visto suas instalações, em prédio histórico, suas próprias funções institucionais e pela existência da EMUGLE. Existem previsões de parcerias com a Câmara para desenvolver projetos culturais?
Auxiliadora Freitas - A Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima funcionará em parceria com todos os órgãos da Prefeitura e da Câmara.