Folha da Manhã, Campos dos Goytacazes, 11 de junho de 2017
Incorporação da região norte fluminense à modernidade (VII)
Arthur Soffiati
A Companhia de Jesus foi criada em 1534 por Inácio de Loiola e seis estudantes de teologia, no seio da reforma católica (ou contrarreforma), como reação à reforma protestante. Logo em seguida, ela se disseminou pelo mundo para exercer sua função catequista e educadora. A Companhia de Jesus foi um poderoso instrumento de ocidentalização do mundo. No império colonial português, ela estava presente no mais remoto e desconhecido rincão.
Os Jesuítas requereram terras a título de sesmarias na antiga capitania de São Tomé tanto quanto os Sete Capitães. Estes chegaram primeiro, em 1632, e voltaram em 1633 e 1634. Os fidalgos queriam criar gado para fornecer ao Rio de Janeiro. Os campos nativos do futuro norte fluminense pareciam excelentes para a criação de gado. Nem era necessário plantar pasto. Eles já eram recobertos de herbáceas nativas, das quais falaremos em breve. Os capitães, contudo, não contavam que enfrentariam tanta água na estação das chuvas. Mas eles deixaram as terras requeridas a seus descendentes. Deles, o que mais se sobressaiu foi o capitão José de Barcelos Machado, que instalou a sede da sua grande propriedade rural em local correspondente atualmente a Barra do Furado. Foi o morgado de Capivari.
Os Jesuítas chegaram logo depois dos Sete Capitães e construíram um imponente convento e uma capela, hoje nas proximidades das localidades de Goytacazes e de Tocos. O prédio ainda existe e abriga o arquivo público municipal de Campos. Os serviços públicos que eles exerceram para moldar a pantanosa região povoada pelos índios goitacás em terras agricultáveis foram notáveis.
Em 1785, o capitão cartógrafo Manoel Martins do Couto Reis escrevia: “No tempo das grandes chuvas e com o concurso das muitas águas que naturalmente descem das muitas serras, se inundam todos estes rios, córregos e regatos, como também as lagoas, e logo saem fora do seu álveo, aquelas demasiadas sobras vão ocupar as baixadas dos campos, os vales, os brejos e muitas vezes as estradas, – já sucedeu em algumas navegar-se – e não restando mais para serem alagadas que algumas eminências diminutas, para onde se faz retirar o gado por não se afogar; então experimentam danos nas lavouras e tudo é perda irremediável (...) E por que estas águas não têm esgoto ou expedição natural, ensina a boa razão que se lhe faça uma barra naquela parte mais conveniente, para o que concorrem as quatro fazendas grandes. São as que foram dos Jesuítas, a dos Beneditinos, a dos Excelentíssimos Viscondes e a do Morgado de Capivari, em razão de livrarem das inundações os seus gados e lavouras.
Nos anos de 2007, 2008 e 2012, para apenas mencionar os mais próximos, chuvas e cheias copiosas afogaram lavouras, estradas e núcleos populacionais. As rodovias BR-356 e RJ-194 tiveram trechos arrastados por força das águas, que transformaram campos agropecuários em áreas pesqueiras novamente. As palavras de Couto Reis voltaram a ecoar em tais momentos.
Para o escoamento de águas pluviais acumuladas na baixada de Campos, o capitão José de Barcelos Machado abriu a vala do Furado em 1688. Contudo, dois problemas ainda eram enfrentados por plantadores e criadores naquele tempo. Nos cursos d’água e lagoas, a proliferação de plantas aquáticas dificultava o fluxo das águas. Em segundo lugar, a corrente marinha e os ventos fechavam rapidamente a barra do Furado quando era aberta. No trabalho de manutenção do fluxo hídrico, os Jesuítas se destacaram. Seus escravos (sim, religiosos tinham escravos até o fim da escravidão) removiam as plantas aquáticas para que as águas acumuladas fluíssem em direção à barra do Furado. Couto Reis não tinha simpatia pelos Jesuítas, mas reconhecia o papel público que eles desempenharam.
“... os Jesuítas com gênio e economia inimitável tinham a cautela de darem de tempos em tempos uma limpeza total nos córregos e rios desta qualidade, e por isso então ofereciam desembaraçada navegação e passagem fáceis de vadear-se.” E acrescenta o cartógrafo: “O modo de se fazer esta limpeza é facílimo; embarcam-se os trabalhadores em canoas, e entrando pelos córregos ou rios embaraçados, com uma ou mais roçadoras vão cortando em diferentes partes os aguapés. Que com a força ou pés das águas se desligam e caminham com a correnteza até saírem pela barra (do Furado), que já neste tempo deve estar aberta.”
No século XVIII, pontificou a figura do Marquês de Pombal. Influenciado pelo Iluminismo e na condição de ministro do rei português D. José I, ele formulou um projeto de centralização e modernização do império colonial. Os Jesuítas representavam um entrave a seus planos. Assim, em 1759, ele expulsou a Companhia de Jesus dos domínios lusos. A manutenção dos canais limpos e da barra da vala do Furado aberta, mesmo que por pouco tempo, serão comprometidos na ausência dos missionários da Companhia de Jesus. Couto Reis sugerirá soluções.