Bispo de Campos: "quem não tem caráter não é a eleição que vai dar"
Rodrigo Gonçalves, Aluysio Abreu Barbosa, Cláudio Nogueira e Matheus Berriel - Atualizado em 28/10/2023 08:35
Dom Roberto Ferrería Paz
Dom Roberto Ferrería Paz / Rodrigo Gonçalves
Da guerra na Terra Santa, entre muçulmanos e judeus, à falta de decoro na política goitacá, entre Garotinhos e Bacellar, a participação do bispo diocesano de Campos, Dom Roberto Ferrería Paz, no Folha no Ar dessa sexta-feira (27), na Folha FM 98,3, trouxe vários ensinamentos, que, se levados ao pé da letra, garantiriam uma sociedade melhor para todos viverem. É com intuito de compartilhá-los também com os prefeitáveis de Campos que o bispo está preparando o Encontro Diocesano para o próximo dia 25, a pouco mais de 10 meses das eleições de 6 de outubro de 2024. “Vai ser na Igreja do Saco, no Centro Pastoral Carlos Alberto Navarro, às 10h. Estão convidados os prefeitáveis. Vou abençoar a todos e desejar também um comprometimento, não só nessa elevação do debate e do respeito, mas também à Justiça Eleitoral, à limpeza do pleito”, destacou Dom Roberto, fazendo também alertas: “quem não tem
caráter, não vai ser uma eleição que vai dar” e “a esperança está no eleitor. Que o eleitor honre-se a si mesmo e honre a cidade de Campos”.
Conflito israelo-palestino — É preocupante, porque podemos chegar a uma conflagração de caráter que a gente não quer, não deseja. Mas, é um problema de uma crise quase que permanente desde o ano 1948, a que devemos a fundação de Israel. Tínhamos esperanças no Tratado de Oslo, em 1993, com as reivindicações que possibilitariam uma paz dos dois estados, a devolução dos territórios ocupados, a internacionalização da cidade de Jerusalém... Mas, com a morte de Yitzhak Rabin, que era um dos assinantes, estamos em estaca zero. A medida da ONU nunca é a devolução dos territórios que continuam ocupados, o que torna a Faixa de Gaza uma região sitiada. O território da Palestina, desde 1948, veio cada vez a minguar; são pequenos bolsões. Então, nessa realidade, não se vê esperança. Isso rebrota há ciclos. Por um lado, temos a guerra preventiva, de atacar a Faixa de Gaza para resolver a segurança, ou terrorismo preventivo, para chamar a atenção. Mas, pouco se fala da paz preventiva. Como podemos prevenir esse conflito ou resolvê-lo? Mas, sem os dois estados. Porque a autoridade palestina não é um estado, é uma espécie de municipalidade, sem nenhum poder, e fica refém dos movimentos. Então, é muito difícil. E também o conselho de segurança está dividido. Então, há um impasse. Quando foi presidente da ONU, o padre Escoto, da Nicarágua, apresentou um plano de democratização da Assembleia, que tivesse mais possibilidade de decidir as coisas. No conselho de segurança, sabemos que há um impasse: por um lado, Rússia e China, e os Estados Unidos no outro. Então, não há em Israel nenhum avanço de uma solução de paz. Isso nos preocupa, porque nós amamos o povo de Israel e amamos o povo da Palestina. Amamos os povos! Mas, às vezes, os dirigentes não estão, tanto de um lado como do outro, interessados numa paz que possa envolver a todos.
Papel do cristianismo — O Papa Francisco já falou que nós estamos do lado da paz. Não só na questão de Israel, mas em todas as questões que envolvam conflitos armados, sempre estaremos do lado da paz, oferecendo nossos serviços e nossa oração. Agora, na questão de Israel, também não devemos identificar sionismo, estado de Israel, com judaísmo, que é a religião. Nem todos os judeus estão de acordo com o
"O cristianismo afirma que nenhuma guerra é sagrada" (Dom Roberto Ferrería Paz)
Estado de Israel. O Estado de Israel é uma configuração política. Que possa ter para os ortodoxos um messianismo, claro, “essa terra nos pertence”. Mas, é uma visão que também não confere, porque também todos somos filhos de Abraão, por Isaac e Ismael também, com Agar. Abraão e Sara, Isaac, mas todos, e a terra pertence a todos. Não dá para dizer “estávamos antes”. Esse tipo de pleito não leva a nada. Com “olho por olho, dente por dente”, todos vamos ficar cegos e banguelas. A violência é um círculo de ferro: sempre vai gerar mais violência, mais ódio. A guerra é um caminho sem saída. E devemos ser claros também: o cristianismo afirma que nenhuma guerra é sagrada. Nosso Deus é de paz. E podemos contribuir à diferença dos nossos irmãos, porque somos as fés abraâmicas. O judaísmo, os islâmicos e os cristãos, temos o mesmo tronco da fé abraâmica. Nós temos um Deus trinitário, que nos convida ao perdão e à reconciliação sempre. Isso é importante. Nós somos, talvez, o que possa ter essa função de elo, de ponte entre esses nossos irmãos. Se vamos ao Alcorão e à Bíblia, todos querem a paz. Shalom é um desejo de todos. Alguns levantam a tese de que o monoteísmo tem essa grandeza de fidelidade a um só Deus. Mas, ao mesmo tempo, a unidade leva muitas vezes a ser imposta manu militari. As três tiveram problemas de violência. Não vamos dizer que só os judeus ou os mulçumanos. Também nós (cristãos), nas Cruzadas, nos comportamos de uma forma criticável. Na tomada de Jesuralém, por exemplo (...) Deus é amor, e a única forma de suscitar uma conversão é mostrar ou testemunhar amor.
Animosidade na política de Campos — Às vezes, a agenda eleitoral e os partidos não formam devidamente os candidatos. Se vê uma falta de conhecimento de como exercitar a política como algo nobre e digno. Os partidos só se tornaram alavancas para conseguir o mandato. Esse é um problema de base. Se um partido aceita qualquer pessoa porque vai ganhar uma eleição, já está errado, porque pode ser um cafajeste, pode ser um traficante, pode ser qualquer coisa, menos um político. Então, essa pessoa, blindada com o papel de representante numa Câmara, vai proceder como ela procede. Quem não tem caráter, não vai ser uma eleição que vai dar caráter a uma pessoa. Quando não se tem moral, valores, isso é o que acontece. Não estou questionando ninguém em especial. Estou dizendo que há muito tempo os partidos deixaram de ser entidades que preparam, formam, têm uma seleção das pessoas que vão ser candidatas. É um pragmatismo. Não há uma ética na política. E a política também comporta uma ética menor, que se chama etiqueta e decoro. Decorre uma falta de ética maior na política. A política é a arte e a ciência do bem comum, não é a arte de chegar ao poder e manter-se no poder com maracutaias ou de qualquer jeito. Isso é política maquiavélica, ou seja, política sem ética. Há muito tempo estamos, lamentavelmente, beirando isso. Claro que há sempre exceções, pessoas que têm gabarito. Mas, já tinham antes de ser representantes. Por outro lado, o povo às vezes não se dá conta disso. Essas pessoas foram votadas. Quais são os critérios do eleitor? Podemos colocar uma pessoa que é um gângster na hora de resolver os problemas? Não! Podemos colocar um padre que seja briguento? Não! Para isso existe o seminário: para formar, entre outras coisas, virtudes humanas. Quanto ao político, tem que ter ética e etiqueta. A arte da política é trabalhar consensos com base em valores e princípios, para o bem comum de uma sociedade. Se o cara não tem polidez, que significa saber habitar a cidade, saber ser cidadão, vai levar à Câmara aquilo que ele é. A forma de resolver os problemas em casa, a violência doméstica, vai ser aplicada lá na Câmara. Fica o apelo para que os partidos recuperem essa tarefa de formar pessoas para a função pública, exigir dos candidatos um mínimo de apresentabilidade. Senão, a política vai se tornar um ringue. Isso não leva a nada. Aliás, leva aos extremismos, a pensar em tirar a democracia e buscar um presidente que faça tudo. Estamos degradando a política. Esse tipo de coisa só atrapalha. Temos que melhorar.
Necessidade de elevar debate — Acredito que há uma certa convergência quanto a elevar primeiro a dignidade da política, a ética na política; segundo, o debate em torno de conteúdo, de ideias, princípios, valores e programas, e não naquela coisa pequena, mesquinha, de ataques pessoais baseados em provocações. A pequena política vai levando ao descrédito. Lamentavelmente, a partir de 2013, política se tornou uma palavra ruim. Com esse tipo de política, estamos dando razão a isso. Estamos vendo que os
"Se o cara não tem polidez, vai levar à Câmara aquilo que ele é" (Dom Roberto Ferrería Paz)
políticos não se importam com a gente, não se importam com a política e a cidade; estão apenas para administrar interesses, o que é uma coisa ridícula. Então, eu diria ainda que temos que (promover) a reforma política, a reforma eleitoral, fortalecer os partidos. Que os partidos sejam ou voltem a ser partidos de ideias, partidos de princípios. É uma forma de sanar, porque senão teremos outsiders, estrelas cadentes e aventureiros. E nós sabemos que isso desmerece a democracia, desacredita. São sintomas muito sério de um colapso. Os extremismos estão aí; os engenheiros do caos estão aí; as redes sociais também alimentam esse tipo de política, lamentavelmente. Então, vamos fazer um mutirão para elevar o nível, levar o diálogo à política, levar o consenso entre as pessoas melhores. A política cresce quando há cavalheiros, quando há pessoas amáveis, quando há pessoas que vivem valores. Isso realmente prestigia e enobrece a própria democracia.
Baixo nível dos debates — Quem fala assim, de forma tão baixa, está desonrando, em primeiro lugar, a si mesmo; está faltando com nobreza e consciência a si mesmo; está se expondo a um vexame a si mesmo. Será que essa pessoa acredita no que está falando da pessoa a quem está atacando? Será que esse político acredita que dessa forma ele vai melhorar alguma coisa? Não! Ele está também se destruindo e destruindo o próprio sistema, o que é pior.
Encontro de pré-candidatos promovido pela Diocese — Primeiro, (o objetivo) é uma autoestima do próprio político. Elevar a autoestima. Quem se presta a esse tipo de discussão, a um debate com ataques, não está valorizando a própria política. Primeiro, é a valorização da missão da política como um exercício da caridade de alto nível para o bem comum de uma sociedade. Os políticos são necessários, porque quando não existem os políticos, vamos ter ditadores. Não tem outra: ou políticos ou ditadores. . Eu acredito mais na democracia e na participação. Para isso, também é necessário formar-se. Segundo, também é para elevar o nível do debate eleitoral e não dar oportunidade para esse tipo de política vil, de ataques pessoais, de baixaria. É para apresentar programas; e programas que não sejam paisagens genéricas, de viagens de Gulliver a qualquer lugar. Vamos debater Campos, vamos debater soluções viáveis e, no possível, também pensar em alianças em torno de valores. Ninguém faz tudo sozinho. E, terceiro, também nos parece importante a amizade na política. Aristóteles falava que é impossível governar uma cidade sem amizade na política. Amizade não quer dizer clientelismo. Para os gregos, amizade era um amor social. Nós queremos bem, prestigiamos um ao outro, prestigiamos a classe política, prestigiamos o cidadão, porque somos parte e amamos a cidade. Sem amizade política, dizia Aristóteles, é impossível. O político está para unir, para dar coesão, para criar pontes entre as pessoas. Podem dizer que eles têm que se dividir, porque senão não ganham. Isso é um imediatismo que não leva a nada. Isso desgasta! Tem que se pensar, inclusive, que o meu oponente, não inimigo, pode ser meu aliado amanhã. Pensar isso não no sentido oportunista, mas num sentido de construir algo maior que o meu ângulo partidário ou que o meu ângulo de família. Sempre pelo algo maior, sempre transcendendo a si mesmo. A política é servir, não servir-se dos outros, não manipular os outros, não utilizar os outros. É servir à cidade e servir às pessoas. Se um político não serve, não deveria ser votado. Por que as pessoas votam em extremistas? Porque acreditam que o político é um mágico, um messias, um salvador. Um bom político é aquele que serve e empodera ao povo. Um político que continua criando só vínculos de dependência, de clientelismo e infantilismo é um péssimo político, um político corrupto. Político bom é o que faz crescer o povo.
Mensagem ao eleitor — O eleitor tem que deixar de ser analfabeto político; tem que deixar de ser inconsciente; tem que ser mais responsável do poder do seu próprio voto; e pensar não só nele e na sua família, mas nas gerações, especialmente nos cidadãos mais pobres. Só pensando nele ou nas vantagens que vai levar, fará um voto destrutivo, um voto que dissolve a vida social, que não vale nada. Tem que pensar no bem comum, numa cidade organizada, numa cidade nas mãos do cidadão como fiscal e gestor também. É construir o poder do cidadão. Eu gosto muito do orçamento participativo, porque temos que melhorar os cidadãos também. Sem o eleitor cada vez mais afinado, que tenha o sonho ou pelo menos acredite que realmente pode transformar o seu voto em uma esperança concreta para o povo, nós não vamos sair de nada. Sem essa esperança, nós não vamos sair de nada, cada vez vai ser pior e vamos voltar para aventureiros e extremistas. É o glamour das redes sociais levantar esse tipo de pessoa e trabalhar em base daquilo que opõe, não daquilo que converge. Quando mais bizarra é uma ideia, é disso que gostam. Imagine ele no poder. Você vai gostar se ele aplicar tudo o que diz? O perigo de lideranças assim, tanto de ultradireita quanto de ultraesquerda, é que não são levadas a sério no que dizem a fazem. Hitler também disse, estava tudo ali, e ele levou a sério. “Ah, mas ele é um exagerado, não vai fazer isso...”. Não dá para brincar!
Limite para o eleitor — Eu diria que (o limite) é aquilo que chamamos de dignidade, é decência. É aquilo que na política tem que se manter como dignidade da pessoa. Nenhum político ou eleitor pode pensar que quem não respeita as pessoas, seja ela qual for, pode governar. Qualquer pessoa que pisoteia nos direitos, leva à brincadeira o direito de uma pessoa ou de um grupo de pessoas, a ponto de debochar, nós não podemos votar nessa pessoa. “Ah, mas ele é brincalhão...”. Não! A política é para pessoas responsáveis por vidas. Vidas importam! Então, nós não podemos votar contra a vida. Que valores deveríamos pensar como inegociáveis em um candidato? Respeito à vida; respeito à Constituição, à lei, ao princípio da legalidade; respeito à Justiça; respeito à solidariedade; respeito à fraternidade entre as pessoas. Eu não votaria nunca numa pessoa que diz que temos que eliminar inimigos. Como dizia Gandhi, quem opõe a religião à política, ou não entende a religião ou não entende a política, porque a religião deve iluminar o sentido da consciência a valores que são comuns e que são transcendentes da pessoa humana. Quem quer eliminar um cidadão, nunca poderíamos aderir a essa pessoa. Dizer que “bandido bom é bandido morto”... Não! Bandido bom é bandido que se ressocializa. Digo isso de todos! Nenhum extermínio de pessoas é justificável. E o político tem que ter esperança e paz. Se ele está simplesmente reproduzindo chavões, mas não tem um sonho de mostrar que quer transformar a realidade melhor, a que ele veio? E um político tem que trabalhar a paz. Queremos a paz, não simplesmente como ausência de conflitos, não como ausência de problemas, mas a paz com uma concórdia que nasce do respeito, do amor e da civilidade. Essa é uma tarefa difícil, mas temos que retomar a civilidade na política. É interessante que em alguns países há orgulho de ser cidadão. Por que não pode acontecer no Brasil? O Brasil é inferior? Somos vira-latas? Não, ao contrário! O povo brasileiro é muito criativo e muito fraterno, e os políticos deveriam fazer crescer as potencialidades do brasileiro, não negá-lo.
Candidatos de qualidade — Não quer dizer que em eleições passadas tenha acontecido isso, às vezes não tenho memória... mas, comprar voto é um delito terrível. A ficha limpa também deve ser respeitada. Que os candidatos tenham integridade. É importante lembrar isso, porque senão estamos nivelando a política por baixo, qualquer um pode ser. Todos podem se candidatar, porque se candidatar é universal, mas se candidatar para quê? Para ganhar salário? Tem desvios, há o poder de influência que exerce um representante popular. Mas, eu tenho esperança. E o dia 25 é um grão de areia. Mas, como dizia Madre Teresa de Calcutá: “Você é uma gota d’água, mas a gota aumenta o oceano”. A gota aumenta e faz com que a água fique mais clara. Ainda estamos navegando em águas turvas, para não dizer contaminadas, poluídas. A esperança é a última que se perde. Estamos aqui para dar esperança, e a esperança está no eleitor. Que o eleitor honre-se a si mesmo e honre a cidade de Campos.

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