Minirreforma eleitoral por mais espaço às mulheres?
Rodrigo Gonçalves 13/09/2023 08:41 - Atualizado em 13/09/2023 16:37
Câmara de Campos
Câmara de Campos / Foto: Divulgação
Com a chamada minirreforma eleitoral em discussão na Câmara Federal, a participação de mulheres na política voltou ao centro de debates, principalmente por questões que dividem opiniões sobre a garantia efetiva delas nos Legislativos e Executivos. Em Campos, o cenário é ainda mais preocupante sem a presença feminina entre os 25 vereadores e também fora de cadeiras na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) e Câmara Federal. Essa ausência foi comentada por campistas, entre elas, ex-vereadoras e outras mulheres cogitadas à disputa para a Câmara de Campos em 2024.
O prefeito de Campos, Wladimir Garotinho (PP), gravou um vídeo nas redes sociais convocando as mulheres campistas a se candidatar. “Aqui em Campos infelizmente nós não temos mulheres representando o povo na Câmara de Vereadores. É um retrocesso gigante 25 vereadores não têm nenhuma mulher (...) Estou gravando esse recado para chamar atenção de vocês mulheres que se preparem para ser candidatas a vereadora é muito importante para sociedade, para que vocês possam defender aquilo que vocês acreditam possam defender as mulheres”, falou o prefeito.
Wladimir citou uma questão que não está incluída na proposta que deve ir à votação na Câmara Federal, nos próximos dias, que é a possibilidade de cota para o Legislativo, o que, segundo ele, poderia render obrigatoriamente quatro mulheres na Câmara de Campos na próxima eleição. No entanto, o caso deve ser debatido em uma PEC separada da minirreforma eleitoral. A proposta prevê um percentual mínimo de cadeiras reservadas a mulheres no Legislativo, mas esse número ainda não está definido. A ideia inicial era que começasse em 10% em 2024, aumentando progressivamente nas eleições seguintes até chegar em 16%.
Se a cota para cadeiras ainda é incerta, o projeto em discussão na Câmara flexibliza uma série de obrigações dos partidos em relação à obrigatoriedade de eles lançarem o mínimo de 30% de candidaturas femininas. Além disso, também dificulta a situação em que uma legenda poderá sofrer punição por descumpri-la.
Atualmente, cada partido precisa lançar, individualmente, a cota de 30% candidatas nas disputas proporcionais. Ou seja, uma chapa de vereador em Campos com 26 nomes, por exemplo, precisa, no mínimo, de candidaturas femininas. Se a proposta passar no Congresso um partido não precisaria cumprir a cota individualmente se estiver numa federação, desde que as demais legendas compensem.
Outra questão trata da punição a “candidaturas laranjas”, que também mudaria nesta minirreforma. O projeto fixa condições específicas que precisam acontecer todas juntas para que seja configurada a fraude à cota de candidaturas femininas numa eleição. São elas: não realização de atos efetivos de campanha; não realização de despesas de campanha; e ausência de repasse de recursos financeiros pelo respectivo partido. Na prática, esses filtros podem dificultar o enquadramento das legendas nessas irregularidades, segundo especialistas.
Em Campos, alguns vereadores chegaram a correr risco de perder seus cargos por conta de denúncias de possíveis candidaturas fictícias de mulheres. No entanto, eles foram inocentados no Tribunal Regional Eleitoral (TRE), podendo ainda haver recurso no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Após críticas, o relator da minirreforma, deputado Rubens Pereira Júnior (PT-MA), recuou de ao menos um ponto: o que inviabilizava a punição a partidos que fraudassem a cota feminina caso houvesse uma única mulher eleita na chapa
Mulheres também se queixaram da falta de recursos suficientes investidos em suas candidaturas em Campos, o que teria dificultado suas campanhas. Com a minirreforma, outra preocupação de especialistas é uma brecha que se abriria para dividir os gastos com homens “desde que haja benefício para campanhas femininas e de pessoas negras”.
Na opinião do advogado João Paulo Granja, especialista em direito eleitoral, o texto da minirreforma parece um retrocesso ao sistema atual. “Busca abrandar as regras de inelegibilidade, de modo a favorecer os políticos profissionais, que se encontram com restrições eleitorais, chegando ao ponto de prever que a compra de votos deixará de ensejar a cassação do candidato eleito, bastando o pagamento de multa. Ademais, busca flexibilizar o uso de recursos das candidaturas femininas, o que poderá importar em desestímulo para que as mulheres participem da vida política de nosso país”, afirmou o advogado.
Para a historiadora Rafaela Machado os partidos políticos precisam começar a inserir verdadeiramente as mulheres em seus quadros, medida que vai muito além do que cumprir meras cotas partidárias.
— Essa é uma questão muito delicada, mas que envolve também a efetivação de garantias e direitos às mulheres numa sociedade que se formou – e se forja até os dias de hoje – no patriarcalismo. Muito mais do que pensar em qualquer reparação histórica, temos que abrir espaços de diálogo e de promoção de políticas de inclusão da atuação de mulheres nos poderes públicos — destacou Rafaela.
A historiadora ressaltou ainda que Campos é, mais uma vez, caso extremamente sintomático dessa desigualdade que varre o Brasil. “Sem vereadoras, também são poucas as mulheres que atuam nas linhas de frente dos espaços de poder. Acredito verdadeiramente que a mudança começará a acontecer quando as mulheres forem de fato investidas das mesmas possibilidades e oportunidades que são dadas aos homens. No entanto, ressalto novamente: qualquer medida deve estar acompanhada da promoção de um amplo debate público”, comentou.

“Reservar um número de candidatas e vagas não basta, é preciso, também, que se reservem recursos em igualdade com os homens; que a estrutura partidária garanta efetivamente condições e vontade política para que as mulheres possam ser eleitas. Normalmente isso não acontece”.
Auxiliadora Freitas, ex-vereadora

“A participação das mulheres na Câmara é uma necessidade, é a democratização dos espaços de poder, mudança na mentalidade e nas relações sociais. É importante destacar que não basta somente eleger mulheres, mas mulheres comprometidas com as políticas públicas voltadas para as mulheres”.
Odisséia Carvalho, ex-vereadora

“Estamos na expectativa que a minirreforma possa abrir um leque maior de chances para as mulheres, que são a maioria dos eleitores, e que hoje sofrem, sem nenhuma representante na Câmara de Campos. A presença feminina é essencial para a construção de uma sociedade mais justa”.
Josiane Viana, ex-vereadora

“Nós mulheres acabamos tendo uma campanha desproporcional em relação aos homens, até porque temos que lutar por espaços. Onde nós estivermos, faremos a diferença. Na última eleição fui a 15ª mais votada de Campos e fiquei de fora. Hoje tem nove vereadores com menos voto do que eu”.
Rosilane Rangel, ex-vereadora
“Eu defendo cota sim para que nós mulheres possamos ter mais chances com, no mínimo, dez cadeiras no Legislativo municipal, já que atualmente não temos nenhuma. Hoje temos um cenário escasso de trabalhos na Câmara de Campos para a sociedade e sem comprometimento”.
Marcelle Almeida, ex-vereadora

“Acho que a gente tem as nossas pautas sempre legitimadas como coisa menor e aí a gente vai reproduzindo uma cultura extremamente machista. Os homens não querem abrir mão dos privilégios e isso também se traduz em candidaturas laranjas, como a gente assistiu na última eleição”.
Natália Soares, professora e política

“A política ainda é tida como um ambiente masculino. Nossa cidade reflete esse pensamento. O resultado eleitoral de 2020 é esse reflexo. Sou uma pessoa que acredita que vamos romper as amarras machistas e que as mulheres vão compreender a importância de se ter mulheres lutando por nós”.
Odete Rocha,professora e política

“É importante ter representação feminina em todas as esferas do Parlamento. As mulheres têm pautas específicas e, é necessário um olhar mais atento e sensível a essas pautas. Seja na defesa de maior número de creches, seja na defesa do pleno atendimento à mulher vítima de violência”.
Graciete Nunes, professora e política
"Ter metade de uma Câmara ocupada por mulheres é, no mínimo, justo. Por que apenas quatro cadeiras? E, ainda assim, a luta ia ser difícil, pois sabemos dos processos estruturais que atravessam o cenário político desse território. Existe uma dívida histórica! Não só de Campos, mas do Brasil”.
Thaís Tostes, jornalista e política
Pressa para votar e já valer em 2024
Apesar de ter sido discutida por um grupo de trabalho na Câmara Federal, a minirreforma eleitoral, antes de ir à votação, pode enfrentar mudanças para ampliar o apoio junto aos líderes partidários, o que poderia adiar o início dos debates no plenário, previsto, inicialmente, para esta quarta-feira (13).
A pressa em discutir os projetos tem um motivo: para ser válida já nas eleições de 2024, a minirreforma precisa ser aprovada pelo Congresso sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) até 6 de outubro, ou seja, um ano antes do pleito.
— O nosso sistema eleitoral é bom, precisa de pequenos ajustes. Esse foi o objetivo que nos debruçamos nesse trabalho. Quanto mais a gente procura a pauta consensual, maior a certeza que será aprovada em tempo suficiente para que o Senado se manifeste, até o dia 6 de outubro, prazo fatal para apreciar essa matéria — destacou o deputado federal Rubens Júnior (PT).
Segundo ele, serão apresentados dois projetos de lei. Um que altera regras previstas em lei ordinária, que demanda maioria simples para aprovação, e outro que mexe em lei complementar, e exige um quórum de maioria absoluta para aprovação.

Mudanças na inelegibilidade em pauta

A minirreforma eleitoral foi dividida em diferentes eixos temáticos, que passam também por alterações no funcionamento das federações partidárias e flexibilização das regras de inelegibilidade, com reflexos na Lei da Ficha Limpa.
Um político que hoje é cassado na Câmara fica inelegível pelo resto do mandato e por mais oito anos seguidos.Pela minirreforma, esse período seria de apenas oito anos a partir da perda da mandato.
Há ainda alteração para situações em que políticos forem condenados por crimes comuns — como por exemplo lavagem de dinheiro e tráfico de drogas. Com o novo texto, ficariam inelegíveis nos oito anos após a condenação.
A proposta prevê, ainda, um prazo antecipado para registro de candidaturas, permitindo que a Justiça tenha mais tempo para julgar os candidatos.
O prazo de desincompatibilização de cargos públicos, para concorrer a cargos eleitorais, será unificado em seis meses. “Medida interessante é a extinção das prestações de conta parciais de campanha, que constituem na maior parte do volume de processos que tramitam na Justiça Eleitoral neste curto período, atravancando o julgamento de questões relevantes”, ressaltou o advogado João Paulo Granja.

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