Folia de Reis mostra mais uma vez a resistência no Norte Fluminense
Ingrid Silva 10/01/2025 10:38 - Atualizado em 10/01/2025 10:49
Folia de Reis 2024
Folia de Reis 2024 / Site São Fidélis - RJ
Com o Dia de Reis lembrado na última segunda-feira (6), é comum pensar na Folia de Reis, tradição antiga que veio de Portugal para o Brasil no período colonial, traz uma mensagem e história bíblica, além de conseguir unir cada vez mais familiares, amigos e vizinhos, responsáveis por manter a festa viva nas cidades. Na Região Norte Fluminense, São Fidélis é um dos locais que consegue manter a folia e a tradição viva também nos últimos anos, com grande ar de resistência. No dia 7 de dezembro do ano passado, foi realizada a visita das Folias de Reis com recepção no Hotel São José, no centro do município, com três grupos ainda ativos e atuantes na região, sendo eles a Estrela Dalva do Oriente, Estrela de Belém do Norte, Estrela da Guia, além da apresentação da bandeira de um novo que está sendo formado por crianças e adolescentes, o Estrela dos Anjos do Oriente. Durante os sábados de janeiro, as folias visitam as casas dos devotos no município. 
Folia de Reis 2024
Folia de Reis 2024 / Site São Fidélis - RJ


Felipe Reis é o atual mestre do grupo Estrela Dalva do Oriente de São Fidélis, que existe há 17 anos no município, e ele falou sobre a honra e o dever cultural que exerce participando da Folia de Reis, assim como ressaltou a importância da tradição.
“Para mim, além de uma honra, é um dever cultural, folclórico e tradicional levar as novas e presentes gerações, de forma que não deixe morrer aquilo que acredito acrescentar e ser essencial a população, principalmente por fazer parte de nossa essência e história popular. A Folia de Reis, nada mais e menos, do que é ressignificar e fortalecer nossa crença, quebrar paradigmas e preconceitos e trazer e manter de volta nossos valores. Uma forma de transmitir de fato o que é a Folia e sua importância em nossas vidas, seja de forma cultural ou espiritual”, declara.
Folia de Reis 2024
Folia de Reis 2024 / Site São Fidélis - RJ


O encontro foi possível também por causa da empresária e promotora cultural Magnólia Faria, que acompanha as folias desde a infância e há sete anos promove eventos da tradição cultural em São Fidélis. Ela chegou a realizar, junto com o videomaker e designer Matheus Larrúbia para registrar o que viveram e do que ainda se recordavam foliões fidelenses de diferentes gerações, o que contou com um documentário lançado em janeiro de 2022. Com depoimentos retirados de diversas entrevistas e 50 minutos de duração, o filme está disponibilizado no canal de YouTube “O Gato Preto Filmes”, neste link. Em abril deste ano, “Sempre, Sempre Folião" participará da Mostra de Filmes Independentes do Cine Darcy, na Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Uenf), em Campos, como informado pela empresária.

“Eu era encantada com as folias. Quando via a batida da folia, eu sempre dava um jeito de sair de casa pra ir ver onde é que tava aquela folia e acompanhar um pouco. Ia escondida e do jeito que dava. E com o passar dos anos, eu comecei a querer receber a visita das folias (...) A partir de 2017, a gente começou a receber as visitas das folias de reis. Todo mês de dezembro, atualmente, eu tento abrir a jornada. A jornada da das nossas folias começa no dia da Nossa Senhora da Conceição, dia 8 de dezembro e finaliza na jornada no dia de São Sebastião, 20 de janeiro. Então eu procuro, já que o hotel é central, abrir a jornada”, explica Magnólia.
Folia de Reis 2024
Folia de Reis 2024 / Site São Fidélis - RJ
Ela falou ainda sobre se sentir honrada por poder promover ações como essa, além de ressaltar a emoção da folia e sobre a importância de manter a tradição viva, assim como a dificuldade disso e o poder de resistência nos grupos ainda existentes.

“Eu me sinto muito honrada por poder fazer parte disso. É um dia de muita emoção. Cedinho e a gente já estava nesse movimento, montando o presépio, recebendo poesias dos palhaços. Foi muito bom. Essas folias não podem acabar, essa tradição não pode se perder. A gente tem que manter, custe o que custar (...) Lá em São Fidélis, eles botam folia na rua com com o próprio recurso. Então, eu acho que esse incentivo também do governo federal, essa lei Aldir Blanc que vem ajudando, eu acho que pode também dar um respiro para nossa tradição”, disse a empresária, ressaltando também que o legado sobrevive com dificuldades na região, como também trazido pela historiadora e pesquisadora Sylvia Paes.
Felipe Reis, mestre do grupo Estrela Dalva do Oriente, falou também sobre a necessidade de mostrar para a população o significado para que a tradição se mantenha viva, além de apoio mostrado pelo poder público.
“Acredito que a partir da informação, mais do que a demonstração anual, seja essencial para que a população em um todo entenda o real significado desta manifestação cultural, pois muitos sabem que ocorrem, porém não sabem ou tem ciência do seu real significado, o que gera este conflito de paradigmas e pré-conceitos. Para que esta tradição continue viva, é crucial o apoio público e político, juntamente a junta das secretárias culturais da região mesmo fora de época, até mesmo para que se entenda o movimento e toda sua carga histórica”, disse Felipe, ressaltando que o apoio dos poderes governamentais e também dentro da pedagogia se faz mais do que necessário nos dias atuais.

História - A Folia de Reis é uma manifestação cultural religiosa festiva vista no Brasil como folclore e praticada por adeptos e simpatizantes do catolicismo. Também chamada de Reisado ou Festa de Santos Reis, a Folia de Reis é utilizada para relembrar a atitude dos Três Reis Magos, que foram à procura do esconderijo do Prometido Messias (Menino Jesus) para prestar homenagens e dar presentes.

Em Campos - Sylvia realizou pesquisas por décadas sobre o assunto em Campos, onde atualmente existe apenas um grupo de Folia de Reis ativo, pertencente ao Parque São José, em Guarus. Ela explicou que a tradição é normalmente composta por amigos, compadres, vizinhos e que, na medida que a cidade vai crescendo, as pessoas vão se movendo da cidade, outras falecem, e o legado pode acabar se perdendo, como está sendo o caso da planície goitacá que, antes, havia dezenas de grupos até mesmo no interior do município.

“A Folia de Reis é uma sabedoria popular e ela guarda uma mensagem, uma história, que é bíblica, e ela repete essa história para as gerações mais novas. Então, a tarefa dela é justamente essa, de passar essa mensagem para as futuras gerações. Sempre é possível resgatar, reviver e reverenciar essas tradições (...) Essas tradições podem ser reativadas, reavivadas, através das políticas públicas culturais. E a população, esse consumo da cultura, ela pode ser fomentada através do turismo e através das ações de cultura, como editais que fortaleçam para compra de vestimenta, para aquisição de instrumentos musicais, formação de oficinas para as máscaras dos foliões e dos palhaços”, explica a pesquisadora, que lembrou ainda sobre o Festival de Muqui, município do Espírito Santo, em que as crianças quiseram montar uma Folia de Reis na escola, que teve o apoio de diversos professores.

A ativista cultural Neusinha da Hora também falou sobre como é possível reavivar as manifestações culturais e tradicionais do município, em que também relembrou dos diversos grupos antigos existentes.

“O ponto primordial para reavivar as manifestações culturais e tradicionais do município se dá através de apoio aos grupos existentes. Campos já foi um celeiro de Folias de Reis diversificadas em vários bairros, hoje no nosso município sabemos de uma única Folia de Reis que está resistindo e mantendo a tradição. Penso que, através dessa Folia, possamos dar condições para que a mesma não só perdure, mas propague por meio de capacitações e/ou oficinas, contribuindo assim para a geração de novas Folias”, conta.

Museu Histórico de Campos – Mesmo sem exposição prevista para este ano até o momento, Graziela Escocard, coordenadora do Museu, deixa um convite e mostra a vontade de realizar outro encontro, como feito em 2017.
“Já fizemos uma exposição e um encontro de folias. Não temos exposição prevista para esse ano, mas gostaria muito de tentar realizar o encontro de Folias na Praça, como foi feito em 2017. Lembrando que as folias estão praticamente extintas na nossa cidade, permanecendo apenas a do Parque São José em Guarus. O espaço do museu encontra-se aberto e disponível para quem desejar usá-lo como local para prestigiar a Folia em nossa cidade”, disse. (I.S.)

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