Edgar Vianna de Andrade - Roteiro e atuação
*Edgar Vianna de Andrade - Atualizado em 20/11/2024 08:48
Filme já nos cinemas
Filme já nos cinemas / Reprodução
Desde sua origem, cinema foi mais visto como entretenimento do que como arte. A locomotiva dos Irmãos Lumière valeu mais pelo susto causado no auditório do que pela inovação técnica que inaugurava uma nova arte. Claro que muitos diretores e estudiosos viram na fotografia em movimento um grande potencial artístico. E ele foi desenvolvido por vários artistas em vários países, criando estilos estéticos.

Mas, no fim, prevaleceram os interesses comerciais de oferecer ao público um divertimento que se resume em valer-se de artistas e de roteiro. O cinema, assim, reduz-se ao teatro e à literatura. Se existe algum uso artístico da fotografia em movimento (da fotografia estática, pode existir com mais frequência), ele é quase despercebido. Se é frequente, o filme acaba não agradando.

Assim, o cinema se traduziu num entretenimento em que a literatura (roteiro) e atuação (teatro) não precisam e não devem ser complexos. Entende-se perfeitamente a exigência da maioria que frequenta cinemas ou vai para a televisão em busca de filmes palatáveis. E não é só apenas o grande público, mas também o crítico de cinema, que também acaba comentando o roteiro e a atuação.

Depois de ganhar o Osella de Ouro de Melhor Roteiro no Festival de Veneza, “Ainda estou aqui”, dirigido por Walter Salles, pareceu ser um filme convencional que aborda um tema polêmico nos dias de hoje: a trajetória do engenheiro Rubem Paiva depois de voltar ao Brasil, já tendo sido cassado como deputado federal pelo regime militar instalado em 1964. Polêmico porque o mundo e o Brasil estão polarizados entre democratas e autoritários. Os primeiros entendem que o regime militar chegou ao poder por um golpe e se manteve nele por uma ditadura. Os segundos fazem a apologia dele, dizendo que a intenção era estrangular o perigo do comunismo. O argumento talvez se sustentasse na época. Hoje não mais. E o filme mostra uma família comum de classe média. Como a maioria das famílias que frequenta o cinema.

Baseado no livro de Marcelo Rubem Paiva com o mesmo título do filme, “Ainda estou aqui” não se resume ao excelente desempenho do elenco, tendo à frente Fernanda Torres, nem ao roteiro enxuto (não li o livro), merecendo destaque o trabalho da câmara. Na primeira parte do filme, ela se movimenta de maneira frenética, com closes dinâmicos, com aproximações e afastamentos, com luz e penumbra. Não apenas o roteiro fala de um momento de medo e ansiedade. O movimento da câmara reforça a fala e o silêncio.

E, na segunda parte do filme, com o crime quase resolvido, a câmara passa a se movimentar de forma equilibrada, mostrando que os tempos mudaram.

E o que me chamou a atenção, por fim, foi o interesse das pessoas pelo filme. Sei que a propaganda pela televisão ajudou muito. Mesmo assim, eu não esperava uma procura tão grande. Tive dificuldade de conseguir ingresso. Embora não recorrendo a cenas explícitas de tortura, como acontece em outros filmes, a sutileza com que a violência é apresentada atraiu a atenção de muita gente que não viveu nos anos de chumbo. A maioria nem sabe por alto o que aconteceu. Rubem Paiva teve um filho escritor que narrou sua trágica história. Imaginem os muitos que sofreram e apenas são lembrados pela família...

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