Felipe Fernandes - As vítimas que ficam
A mais nova obra a enveredar nesse tema é o longa “Ainda estou aqui”. Baseado no livro de Marcelo Rubens Paiva, o longa conta a trajetória da família do autor do livro. Passada no início da década de 70, a família Paiva leva uma vida confortável morando à beira da praia de Copacabana. Uma casa cheia, repleta de música e de amigos. Quando o patriarca Rubens Paiva (Selton Mello) é levado pelos militares, começa a luta de Eunice (Fernanda Torres) para descobrir o paradeiro do marido e manter seus filhos longe dessa situação.
O longa tem uma primeira parte que mostra o cotidiano da família Paiva. Uma casa sempre cheia de gente, de portas abertas para os amigos, com muita música e muita vida. Esse primeiro momento é importante para que o espectador conheça a natureza daquela família de classe média alta, que proporciona aos filhos uma infância/adolescência sem preocupações.
Dentro dessa dinâmica, o filme reforça a presença da ditadura, sempre à espreita, mas aparentemente distante daquela realidade abastada. O primeiro plano é bem eficiente nesse sentido, ao trazer Eunice boiando no mar (um plano que tem se repetido bastante no cinema nacional), com um helicóptero sobrevoando a praia, construindo esse contraste entre a realidade do país e a vida da família.
Essa primeira parte é importante na construção da figura de Rubens Paiva, principalmente como pai. Nesse sentido, o carisma de Selton Mello é primordial na construção do personagem, que aparenta uma leveza e uma tranquilidade, mesmo em momentos tensos. A história gira em torno da figura do pai, uma ideia interessante, pois é a partir de seu ´´desaparecimento``, que a verdadeira protagonista é forçada a assumir as rédeas da família e consequentemente da narrativa.
Toda aquela vida vibrante, cheia de música e luz, vira um pesadelo com a chegada dos militares. Não é um longa sobre quem é levado, mas sobre quem fica. Vítimas diretas da ditadura, que têm suas vidas violentamente arruinadas.
Em um determinado diálogo Eunice fala da tortura psicológica exercida pela ditadura. Nesse sentido, o longa trabalha o nosso olhar através da personagem. Dentro do batalhão do exército, nós só vemos praticamente o que ela vê e escutamos o que ela escuta. O filme não foca na violência física, mas trabalha através de detalhes e principalmente do som, os horrores do regime, tornando tudo pesado e subjetivo.
A história da protagonista é impressionante. Precisando lidar com os traumas físicos e psicológicos de seu período presa, com toda a situação do marido, ela ainda precisa encontrar forças para cuidar dos filhos e manter a família. Os cinco filhos têm diferentes idades, com alguns tendo consciência da situação e outros não, um detalhe que faz com que ela em meio a isso tudo, busque uma normalidade impossível, busque resgatar uma vida que não existe mais.
Todo o elenco do filme está muito bem, com destaque para o elenco infantil/adolescente, que segura bem o drama, mas a força do filme reside na atuação poderosa de Fernanda Torres. Com um trabalho repleto de sutilezas, em que sua expressão facial e corporal muitas vezes revela mais que os diálogos, a atriz entrega uma atuação inesquecível, de uma potência dramática impressionante.
O longa traz algumas cenas muito simbólicas, trabalhando a finitude, a morte, o vazio, a lembrança, o registro. As partes que trazem a família alguns anos à frente, são importantes para mostrar como a ação da ditadura norteou a vida de Eunice, que por necessidade e convicção, deixou de ser dona de casa, para se tornar uma advogada importante na luta pelos direitos dos desaparecidos da ditadura e pela causa indígena.
Escolhido para representar o Brasil na corrida do Oscar 2025, ´´Ainda estou aqui`` é um filme doloroso, emocionante, que traz as cicatrizes da ditadura nas relações de uma família, que assim como o país, convive até hoje com os fantasmas e traumas desse terrível período histórico. Em um país de memória curta, que o cinema não permita que nosso povo esqueça do seu passado e que dê luz a outras histórias que a ditadura tentou encerrar.
Ainda estou aqui – Os anos em que o Brasil viveu sobre o violento regime da ditadura militar, configuram um dos momentos mais trágicos da história do país. Um período recente, que nunca foi devidamente confrontado e deixou uma cicatriz aberta. Aos poucos a arte vai revelando histórias do período, sendo o cinema, uma das principais ferramentas deste resgate.
A mais nova obra a enveredar nesse tema é o longa “Ainda estou aqui”. Baseado no livro de Marcelo Rubens Paiva, o longa conta a trajetória da família do autor do livro. Passada no início da década de 70, a família Paiva leva uma vida confortável morando à beira da praia de Copacabana. Uma casa cheia, repleta de música e de amigos. Quando o patriarca Rubens Paiva (Selton Mello) é levado pelos militares, começa a luta de Eunice (Fernanda Torres) para descobrir o paradeiro do marido e manter seus filhos longe dessa situação.
O longa tem uma primeira parte que mostra o cotidiano da família Paiva. Uma casa sempre cheia de gente, de portas abertas para os amigos, com muita música e muita vida. Esse primeiro momento é importante para que o espectador conheça a natureza daquela família de classe média alta, que proporciona aos filhos uma infância/adolescência sem preocupações.
Dentro dessa dinâmica, o filme reforça a presença da ditadura, sempre à espreita, mas aparentemente distante daquela realidade abastada. O primeiro plano é bem eficiente nesse sentido, ao trazer Eunice boiando no mar (um plano que tem se repetido bastante no cinema nacional), com um helicóptero sobrevoando a praia, construindo esse contraste entre a realidade do país e a vida da família.
Essa primeira parte é importante na construção da figura de Rubens Paiva, principalmente como pai. Nesse sentido, o carisma de Selton Mello é primordial na construção do personagem, que aparenta uma leveza e uma tranquilidade, mesmo em momentos tensos. A história gira em torno da figura do pai, uma ideia interessante, pois é a partir de seu ´´desaparecimento``, que a verdadeira protagonista é forçada a assumir as rédeas da família e consequentemente da narrativa.
Toda aquela vida vibrante, cheia de música e luz, vira um pesadelo com a chegada dos militares. Não é um longa sobre quem é levado, mas sobre quem fica. Vítimas diretas da ditadura, que têm suas vidas violentamente arruinadas.
Em um determinado diálogo Eunice fala da tortura psicológica exercida pela ditadura. Nesse sentido, o longa trabalha o nosso olhar através da personagem. Dentro do batalhão do exército, nós só vemos praticamente o que ela vê e escutamos o que ela escuta. O filme não foca na violência física, mas trabalha através de detalhes e principalmente do som, os horrores do regime, tornando tudo pesado e subjetivo.
A história da protagonista é impressionante. Precisando lidar com os traumas físicos e psicológicos de seu período presa, com toda a situação do marido, ela ainda precisa encontrar forças para cuidar dos filhos e manter a família. Os cinco filhos têm diferentes idades, com alguns tendo consciência da situação e outros não, um detalhe que faz com que ela em meio a isso tudo, busque uma normalidade impossível, busque resgatar uma vida que não existe mais.
Todo o elenco do filme está muito bem, com destaque para o elenco infantil/adolescente, que segura bem o drama, mas a força do filme reside na atuação poderosa de Fernanda Torres. Com um trabalho repleto de sutilezas, em que sua expressão facial e corporal muitas vezes revela mais que os diálogos, a atriz entrega uma atuação inesquecível, de uma potência dramática impressionante.
O longa traz algumas cenas muito simbólicas, trabalhando a finitude, a morte, o vazio, a lembrança, o registro. As partes que trazem a família alguns anos à frente, são importantes para mostrar como a ação da ditadura norteou a vida de Eunice, que por necessidade e convicção, deixou de ser dona de casa, para se tornar uma advogada importante na luta pelos direitos dos desaparecidos da ditadura e pela causa indígena.
Escolhido para representar o Brasil na corrida do Oscar 2025, ´´Ainda estou aqui`` é um filme doloroso, emocionante, que traz as cicatrizes da ditadura nas relações de uma família, que assim como o país, convive até hoje com os fantasmas e traumas desse terrível período histórico. Em um país de memória curta, que o cinema não permita que nosso povo esqueça do seu passado e que dê luz a outras histórias que a ditadura tentou encerrar.