Edgar Vianna de Andrade -O monumentalismo de Visconti
Três anos depois, ele filma “Sedução da carne”, anunciando o rumo de sua carreira cinematográfica daí em diante: o monumentalismo, a decadência da aristocracia, dos valores da alta burguesia, da família tradicional. Ambientado no contexto da unificação da Itália, no século XIX, uma nobre casada se apaixona por um militar austríaco que integrava as tropas invasores do norte do país. O militar era um vigarista. Visconti mostra o declínio da aristocrata. Mas exercita, no filme, seu gosto pelo luxo dos ambientes, pelos detalhes de roupas, joias, teatros, palácios, casas de campo. Ele foi acusado de trair o ideário neorrealista e de revelar suas raízes sociais aristocratas.
Homossexual assumido, Visconti era um homem culto. Gostava de literatura, artes plásticas e música erudita. Em 1957, lançou “Noites brancas”, com base em história de Dostoievski. Em “Rocco e seus irmãos” (1960), ele volta rapidamente ao neorrealismo pobre, mostrando a mudança de uma viúva com cinco filhos para que eles melhorassem de vida. Fica evidente o contraste entre campo e cidade. Uma das obras primas do cineasta é “O leopardo” (1963). Da minha parte, é o filme que mais me encanta por seu roteiro, pelos atores, pelo contraste entre ricos e pobres, entre uma Itália dividida que se unia, entre nobreza decadente e burguesia ascendente. O roteiro baseia-se em “Il gattopardo”, de Giuseppe Tomasi di Lapendusa. Burt Lancaster está soberbo no papel de Dom Fabrizio Salina, príncipe no reino das Duas Sicílias que está prestes a ser incorporado à Itália unificada pelo Piemonte. Ele se destaca por seu realismo e pragmatismo. Ele sabe que as grandes mudanças mantêm o status quo de outra maneira. É tocante a sua sabedoria política. Claudia Cardinale também tem um excelente desempenho no papel de filha linda de um burguês, disponível a se casar por acordo. O monumentalismo do filme impressiona. Visconti cuida de todos os detalhes.
Em “As vagas estrelas da Ursa” (1965), o diretor parte para montagens ousadas, enfocando mais uma vez a decadência da aristocracia e da burguesia. Visconti combina declínio geológico, urbano e social num claro-escuro que explora os expressivos olhos de Claudia Cardinale. Em “O estrangeiro” (1967), ele se vale de Camus para compor o roteiro. Visconti não mais disfarça sua vasta e refinada cultura. Começa, então, a trilogia alemã, com “Os deuses malditos” (1969), sobre o nazismo. Na busca de locações para o filme, na Alemanha, ele encontra paisagens em que ambientará o mais ambicioso filme de sua carreira: “Ludwig” (1973). O rei da Baviera gostava de artes e de rapazes. O detalhismo do diretor alcança o auge com figurinos perfeitos e refinada reconstituição de época. Antes, porém, ele filmou “Morte em Veneza” (1971), filme que mais o revela.
Burt Lancaster está de volta, mais uma vez de forma estupenda, em “Violência e paixão” (1974), filme que enfoca o contraste da vida culturalmente solitária de um homem rico com a vulgaridade dos novos tempos. Por fim, “O Inocente” (1976). Visconti já estava bastante doente quando concluiu este filme, ficando a nos dever um sobre Proust.
Acompanho Luchino Visconti desde a década de 1960. Assistir a um filme dele hoje e outro anos depois não nos permite tão bem apreciar a sua arte no conjunto. Como o próprio diretor fez no fim da vida, assisti toda a sua obra recentemente. De fato, Visconti foi um dos grandes diretores de todos os tempos. Ele é, sem dúvida, o pioneiro do neorrealismo italiano com “Obsessão” (1943). Num ambiente de pobreza, um aventureiro se envolve com uma mulher casada. Ambos matam o marido. O fascismo ainda dominava a Itália. O filme escandalizou. Ele se afirma no neorrealismo com “A terra treme” (1948), filmado no sul da Itália numa vila de pescadores. O diretor recorre aos próprios pescadores como artistas. Integrando uma família italiana nobre, Visconti parecia renunciar as suas origens, aderindo ao marxismo. Ele continua na trilha do realismo em “Belíssima” (1951), agora contando com a atriz Anna Magnani para sustentar o filme.
Três anos depois, ele filma “Sedução da carne”, anunciando o rumo de sua carreira cinematográfica daí em diante: o monumentalismo, a decadência da aristocracia, dos valores da alta burguesia, da família tradicional. Ambientado no contexto da unificação da Itália, no século XIX, uma nobre casada se apaixona por um militar austríaco que integrava as tropas invasores do norte do país. O militar era um vigarista. Visconti mostra o declínio da aristocrata. Mas exercita, no filme, seu gosto pelo luxo dos ambientes, pelos detalhes de roupas, joias, teatros, palácios, casas de campo. Ele foi acusado de trair o ideário neorrealista e de revelar suas raízes sociais aristocratas.
Homossexual assumido, Visconti era um homem culto. Gostava de literatura, artes plásticas e música erudita. Em 1957, lançou “Noites brancas”, com base em história de Dostoievski. Em “Rocco e seus irmãos” (1960), ele volta rapidamente ao neorrealismo pobre, mostrando a mudança de uma viúva com cinco filhos para que eles melhorassem de vida. Fica evidente o contraste entre campo e cidade. Uma das obras primas do cineasta é “O leopardo” (1963). Da minha parte, é o filme que mais me encanta por seu roteiro, pelos atores, pelo contraste entre ricos e pobres, entre uma Itália dividida que se unia, entre nobreza decadente e burguesia ascendente. O roteiro baseia-se em “Il gattopardo”, de Giuseppe Tomasi di Lapendusa. Burt Lancaster está soberbo no papel de Dom Fabrizio Salina, príncipe no reino das Duas Sicílias que está prestes a ser incorporado à Itália unificada pelo Piemonte. Ele se destaca por seu realismo e pragmatismo. Ele sabe que as grandes mudanças mantêm o status quo de outra maneira. É tocante a sua sabedoria política. Claudia Cardinale também tem um excelente desempenho no papel de filha linda de um burguês, disponível a se casar por acordo. O monumentalismo do filme impressiona. Visconti cuida de todos os detalhes.
Em “As vagas estrelas da Ursa” (1965), o diretor parte para montagens ousadas, enfocando mais uma vez a decadência da aristocracia e da burguesia. Visconti combina declínio geológico, urbano e social num claro-escuro que explora os expressivos olhos de Claudia Cardinale. Em “O estrangeiro” (1967), ele se vale de Camus para compor o roteiro. Visconti não mais disfarça sua vasta e refinada cultura. Começa, então, a trilogia alemã, com “Os deuses malditos” (1969), sobre o nazismo. Na busca de locações para o filme, na Alemanha, ele encontra paisagens em que ambientará o mais ambicioso filme de sua carreira: “Ludwig” (1973). O rei da Baviera gostava de artes e de rapazes. O detalhismo do diretor alcança o auge com figurinos perfeitos e refinada reconstituição de época. Antes, porém, ele filmou “Morte em Veneza” (1971), filme que mais o revela.
Burt Lancaster está de volta, mais uma vez de forma estupenda, em “Violência e paixão” (1974), filme que enfoca o contraste da vida culturalmente solitária de um homem rico com a vulgaridade dos novos tempos. Por fim, “O Inocente” (1976). Visconti já estava bastante doente quando concluiu este filme, ficando a nos dever um sobre Proust.