Ethmar Filho - A Musa da Bossa Nova
Maestro Ethmar Filho*
Segundo relatos de Roberto Menescal, Tom Jobim e João Gilberto iam pouco ao apartamento de Nara. Ela diz, no documentário (O canto livre de Nara – Globoplay), que foi apelidada de musa, mas que não davam muito espaço pra ela no início. João Gilberto era um tirano da afinação, mas, segundo ela, era uma figura fascinante.
Depois de tomar partido da cantora e vedete Norma Bengel, que foi proibida de cantar ou mesmo de entrar no show de Bossa Nova da PUC – Rio, Nara disse aos padres da instituição que se Norma não entrasse ela não entrava e ninguém entrava. A transferência do show para o prédio da arquitetura, em 22 de setembro de 1958, fez dele um sucesso, acompanhado de uma espécie de protesto porque todos cantaram de preto e Nara de costas para o público; seria uma das primeiras manifestações de rebeldia da BN, como também o primeiro sinal dado por Narinha, como era conhecida, de que estava do lado dos mais fracos e desvalidos. Também seria, mais à frente, um aceno da musa para o abandono da BN em favor do Samba de Morro.
“Se é tarde me perdoa”, composição de Lyra e Bôscoli, considerada por Nelson Motta um dos maiores clássicos da BN, foi lançada por Nara no show da Escola Naval em dezembro de 1959. Segundo Roberto Menescal, só um ano depois disso, em 1960, no show da Faculdade de arquitetura, que o pessoal começou a tomar consciência de que aquilo que eles tocavam e chamavam de Bossa Nova era realmente um movimento. Nara impunha, no palco, um estilo de beleza, muito moderno, só dela. Sua timidez combinava com a filosofia da BN.
Logo após o famoso show do Bon Gourmet, estrelado por Tom, Vinícius e João Gilberto, o famoso produtor Aloysio de Oliveira, não querendo perder o ritmo da casa de shows, deu a ideia de produzir o musical “Pobre menina rica”, com Nara, Lyra e Vinícius. Novamente se apresentava a tendência de preocupação social de Nara, num espetáculo onde um menino pobre (Carlos Lyra) se apaixonava por uma menina rica (Nara Leão).
Em 1961, a cantora Maysa gravou o LP “Barquinho”, com a música de Menescal e Bôscoli, que celebrava o casamento da cantora com a Bossa Nova e com Ronaldo Bôscoli e, posteriormente, o divórcio de Nara Leão com os dois. Depois da volta de Maysa da Argentina, onde foi fazer uma turnê com algumas importantes personalidades da BN, o que causou mal-estar e ciúmes em relação a ela e Bôscoli, Nara abandona a Bossa Nova e começa a frequentar os compositores do morro, tais como Zé Keti, Nelson Cavaquinho entre outros bambas. Aí surge outra Nara Leão; a guinada para o samba autêntico, o Grupo Opinião e o Teatro de Arena. Nara desenvolve uma consciência política que não a abandonaria nunca mais.
O samba “Diz que fui por aí”, de Zé Keti e Ortêncio Rocha, embora samba autêntico, tem um formato e um arranjo típicos da BN, o que caracteriza a transição de Nara. Nara Leão, que foi a primeira a gravar o samba “Opinião”, também de Zé Keti, que, inclusive, dava nome ao seu segundo disco” Opinião de Nara”, coordenou, junto com ele e João do Valle, o histórico show de mesmo nome, que seria a primeira manifestação artística de protesto à situação política do Brasil, vinda de uma das fundadoras do movimento da Bossa.
No início dos anos 60 Nara Leão se juntaria aos sambistas de morro e ao Teatro de Arena, com o Grupo Opinião, local de arte engajada, para produzir uma música mais política e de protesto. “Podem me prender, podem me bater, podem até deixar-me sem comer, que eu não mudo de opinião”. Música de Zé Keti, parceiro artístico de Nara e do migrante nordestino João do Valle, que expõe a revolta dos pobres e desvalidos às atitudes preconceituosas e violentas de Carlos Lacerda, governador do Estado da Guanabara, entre 1961 e 1964, quando ele acabou com diversas favelas em determinados pontos da cidade do Rio de Janeiro
Durante o golpe civil militar, a ditadura passaria a aplicar uma maior violência contra as classes mais desvalidas, censurando a imprensa para que não houvesse polêmica e divulgação das arbitrariedades. Destaca-se, nessa época, a perseguição política aos artistas e jornalistas de esquerda, a tortura aos que discordavam do governo, independente de classe social. Notabilizaram-se exemplos clássicos como o do Jornalista Wladimir Herzog, cuja versão oficial e deturpada de sua morte, na cela, foi de suicídio. A morte, tortura e desaparecimento do ativista político de esquerda Stuart Angel, que participou da luta armada contra o regime militar, filho da estilista Zuzu Angel, que também sofreu um misterioso acidente automotivo na saída do túnel que hoje leva seu nome e que liga a Gávea a São Conrado, Rio de Janeiro.
*Mestre e Doutorando em Cognição e Linguagem pela UENF, regente de corais e de orquestras sinfônicas há 25 anos.
Maestro Ethmar Filho*
Segundo relatos de Roberto Menescal, Tom Jobim e João Gilberto iam pouco ao apartamento de Nara. Ela diz, no documentário (O canto livre de Nara – Globoplay), que foi apelidada de musa, mas que não davam muito espaço pra ela no início. João Gilberto era um tirano da afinação, mas, segundo ela, era uma figura fascinante.
Depois de tomar partido da cantora e vedete Norma Bengel, que foi proibida de cantar ou mesmo de entrar no show de Bossa Nova da PUC – Rio, Nara disse aos padres da instituição que se Norma não entrasse ela não entrava e ninguém entrava. A transferência do show para o prédio da arquitetura, em 22 de setembro de 1958, fez dele um sucesso, acompanhado de uma espécie de protesto porque todos cantaram de preto e Nara de costas para o público; seria uma das primeiras manifestações de rebeldia da BN, como também o primeiro sinal dado por Narinha, como era conhecida, de que estava do lado dos mais fracos e desvalidos. Também seria, mais à frente, um aceno da musa para o abandono da BN em favor do Samba de Morro.
“Se é tarde me perdoa”, composição de Lyra e Bôscoli, considerada por Nelson Motta um dos maiores clássicos da BN, foi lançada por Nara no show da Escola Naval em dezembro de 1959. Segundo Roberto Menescal, só um ano depois disso, em 1960, no show da Faculdade de arquitetura, que o pessoal começou a tomar consciência de que aquilo que eles tocavam e chamavam de Bossa Nova era realmente um movimento. Nara impunha, no palco, um estilo de beleza, muito moderno, só dela. Sua timidez combinava com a filosofia da BN.
Logo após o famoso show do Bon Gourmet, estrelado por Tom, Vinícius e João Gilberto, o famoso produtor Aloysio de Oliveira, não querendo perder o ritmo da casa de shows, deu a ideia de produzir o musical “Pobre menina rica”, com Nara, Lyra e Vinícius. Novamente se apresentava a tendência de preocupação social de Nara, num espetáculo onde um menino pobre (Carlos Lyra) se apaixonava por uma menina rica (Nara Leão).
Em 1961, a cantora Maysa gravou o LP “Barquinho”, com a música de Menescal e Bôscoli, que celebrava o casamento da cantora com a Bossa Nova e com Ronaldo Bôscoli e, posteriormente, o divórcio de Nara Leão com os dois. Depois da volta de Maysa da Argentina, onde foi fazer uma turnê com algumas importantes personalidades da BN, o que causou mal-estar e ciúmes em relação a ela e Bôscoli, Nara abandona a Bossa Nova e começa a frequentar os compositores do morro, tais como Zé Keti, Nelson Cavaquinho entre outros bambas. Aí surge outra Nara Leão; a guinada para o samba autêntico, o Grupo Opinião e o Teatro de Arena. Nara desenvolve uma consciência política que não a abandonaria nunca mais.
O samba “Diz que fui por aí”, de Zé Keti e Ortêncio Rocha, embora samba autêntico, tem um formato e um arranjo típicos da BN, o que caracteriza a transição de Nara. Nara Leão, que foi a primeira a gravar o samba “Opinião”, também de Zé Keti, que, inclusive, dava nome ao seu segundo disco” Opinião de Nara”, coordenou, junto com ele e João do Valle, o histórico show de mesmo nome, que seria a primeira manifestação artística de protesto à situação política do Brasil, vinda de uma das fundadoras do movimento da Bossa.
No início dos anos 60 Nara Leão se juntaria aos sambistas de morro e ao Teatro de Arena, com o Grupo Opinião, local de arte engajada, para produzir uma música mais política e de protesto. “Podem me prender, podem me bater, podem até deixar-me sem comer, que eu não mudo de opinião”. Música de Zé Keti, parceiro artístico de Nara e do migrante nordestino João do Valle, que expõe a revolta dos pobres e desvalidos às atitudes preconceituosas e violentas de Carlos Lacerda, governador do Estado da Guanabara, entre 1961 e 1964, quando ele acabou com diversas favelas em determinados pontos da cidade do Rio de Janeiro
O primeiro disco de Nara Leão, com 12 faixas, denominado simplesmente “Nara”, basicamente determina o que seria a Música Brasileira a partir dali. Lança os afrosambas de Vinícius de Moraes e Baden Powell, compositores como Elton Medeiros, Edu Lobo e o até então pouco conhecido Moacir Santos. Ali redescobre Cartola, Zé Keti e Nelson Cavaquinho, estabelece uma inovadora estética para as músicas de protesto, gravando “Feio não é bonito”, de Carlinhos Lyra e Guarnieri em samba e “Canção da terra”, de Edu Lobo e Ruy Guerra ambientada na música nordestina. O Disco é gravado e lançado pela gravadora Elenco nos meses que antecederam o Golpe, atribuindo-lhe um significado político muito especial. É importante citar que Baden – parceiro de Vinícius desde 1962 e no disco dos afro- sambas que só sairia em 1966 — já compunha canções que podiam ser ouvidas como: “Berimbau”, gravada no LP “Nara” e “Canto de Ossanha”. Sendo assim a Bossa Nova mais clássica resistia na forma dos afrosambas, fruto dessa parceria com Vinícius e com o extraordinário vocal feminino das “Baianinhas” do Quarteto em Cy.
Durante o golpe civil militar, a ditadura passaria a aplicar uma maior violência contra as classes mais desvalidas, censurando a imprensa para que não houvesse polêmica e divulgação das arbitrariedades. Destaca-se, nessa época, a perseguição política aos artistas e jornalistas de esquerda, a tortura aos que discordavam do governo, independente de classe social. Notabilizaram-se exemplos clássicos como o do Jornalista Wladimir Herzog, cuja versão oficial e deturpada de sua morte, na cela, foi de suicídio. A morte, tortura e desaparecimento do ativista político de esquerda Stuart Angel, que participou da luta armada contra o regime militar, filho da estilista Zuzu Angel, que também sofreu um misterioso acidente automotivo na saída do túnel que hoje leva seu nome e que liga a Gávea a São Conrado, Rio de Janeiro.
*Mestre e Doutorando em Cognição e Linguagem pela UENF, regente de corais e de orquestras sinfônicas há 25 anos.