Cinema - Sexo e libertação
Felipe Fernandes - Atualizado em 21/02/2024 10:00
Cena do filme 'Pobres criaturas'
Cena do filme 'Pobres criaturas' / Foto: Divulgação
Baseado no livro homônimo de Alasdair Gray, o longa “Pobres criaturas” é uma releitura pós-moderna do mito de Frankenstein. Tirando o aspecto decadente daquela sociedade e a natureza violenta que acompanha a criatura, entram uma fábula fantástica e o sexo como forma de libertação.
O diretor Yorgos Lanthimos adota uma jogada com as cores que não é nada original, mas que funciona bem narrativamente, já que acompanhamos a história através do ponto de vista da protagonista Bella. Todo o primeiro ato é preto em branco. Quando ela sai da mansão de seu criador e conhece o mundo, tudo passa a ser colorido e vibrante.
Vale destacar o maravilhoso design de produção, que constrói diferentes capitais da Europa, agregando o tom fantástico, mas sem descaracterizar os locais. Interessante como a tecnologia remete a visuais de época, fugindo do aspecto clean da modernidade, trazendo objetos e embarcações com um visual retrô, meio antiquado.
O filme acompanha o desenvolvimento de Bella, primeiro como uma criança em um corpo de mulher, e então seu desenvolvimento a cada nova descoberta. A descoberta do sexo lhe traz prazer, e, tal qual uma criança, livre de amarras sociais, ela só quer repetir ao máximo a experiência.
Essa abordagem direta, naturalizando a nudez e o sexo em várias cenas, é importante por novamente mostrar a forma natural e prática como a protagonista encara tudo o que envolve o sexo. Bella é livre de qualquer amarra ou convenção social, característica sempre interessante e que aqui funciona para dialogar com a libertação não só do corpo feminino, mas da mulher, de seus desejos e pensamentos em uma sociedade machista e controladora.
Conforme amadurece, Bella ganha outras preocupações, conhecendo o lado mais cruel do mundo. Essas transformações acontecem de forma gradual, com a personagem crescendo junto com as temáticas da narrativa.
Os homens do longa são vistos por um prisma distorcido, seja na desfigurada figura paterna, seja no malandro que lhe apresenta o mundo e faz de sua masculinidade uma posição de poder, mas se torna uma grande caricatura da fragilidade masculina quando seus encantos simplesmente não causam efeitos em Bella.
Culmina-se no surgimento de um novo personagem no terceiro ato, que basicamente é uma versão do marido, que acredita ter posse sobre a mulher, funcionando como o único personagem abertamente vilanesco e unidimensional.
O elenco como um todo está muito bem. Dafoe, brilhante como sempre, trazendo afeto para um cientista completamente amoral. Mark Ruffalo diverte com seu malandro exagerado. Mas o filme é de Emma Stone, que tem o grande trabalho de sua carreira. Sem nunca deixar a personagem cair no ridículo, ela realiza uma transformação física que impressiona, construindo uma personagem complexa e poderosa.
Para uma geração que entende o sexo como desnecessário em obras audiovisuais, Lanthimos escancara o sexo na tela e usa a fantasia e o bizarro para falar da libertação da mulher em todos os aspectos. É sintomático que “Pobres criaturas” e “Barbie” tenham sido lançados no mesmo ano. Sinal de que a sociedade está mudando (lentamente) e de que o cinema segue como ferramenta de reflexão.

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