Com atraso
Como se dia fosse, desligou o motor – faróis apagados, lua alta no escuro denso -, abriu a porta sem olhar se vinha um carro repentino e foi até a calçada como se dependesse daquilo.
Não ligava para a madrugada alta nem para as poucas horas até o início do expediente de entregas entre bairros. Levava, naquele turno extra, um envelope que não passara pelo centro de distribuição. Era uma carta pendente há muito.
Mas quem manda uma carta nestes tempos em que envelopes no correio trazem apenas dívidas, negativações, avisos de corte, notificações judiciais?
Depositou lentamente o envelope como se esperasse uma reação imediata, ouvindo o solene ruído do papel ao dar com o fundo metálico da caixa de correio. Estava feito, sem volta e talvez até sem o que esperar.
Dia seguinte, a cidade acordava com os baques das engrenagens a atritar os dentes em pleno asfalto, e o envelope foi tocado. Com alguma curiosidade, o lacre sutil foi rompido com a passagem das pontas dos dedos.
Dentro, uma folha em branco, mas não por completo: ao rodapé, constava uma assinatura, feita às pressas, com letra de forma, revelando um nome próprio, uma identidade até então resguardada em tantos anos. Agora, sabia quem era.
Olhando o papel em branco, chorou.
Afinal, antes mesmo de uma palavra lançada, pode ser o silêncio o grande responsável por dizer.
*Ronaldo Junior tem 27 anos, é carioca, é praticamente licenciado em Letras pelo IFF Campos Centro e escritor membro da Academia Campista de Letras. www.ronaldojuniorescritor.com
Escreve aos sábados no blog Extravio.
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Sobre o autor
Ronaldo Junior
[email protected]Professor e membro da Academia Campista de Letras. Neste blog: Entre as ideias que se extraviam pelos dias, as palavras são um retrato do cotidiano.