Os sinos que dobram na rua 13 de maio
Edmundo Siqueira 13/05/2024 20:28 - Atualizado em 13/05/2024 20:29
Imagem gerada por IA (autor: Edmundo Siqueira)

O garoto quis subir a montanha, ao se passar um ano exato desde sua chegada naquele lugar que ainda era desconhecido para ele. Mas assim que chegou procurou saber onde ficava o velho; queria conhecê-lo de pronto. Mas não foi possível, por uma série de motivos. E o primeiro deles era por ser preciso que o garoto fizesse uma viagem pessoal, que só ele poderia fazer, algo que ele, e só ele, precisava cumprir. Não era bem um ritual, era mais como uma descoberta íntima. Havia sombras em volta dele, e era preciso dissipá-las. Mas passados 366 dias desde que havia feito a viagem que o levou aquele local, ele sentiu-se pronto para subir a montanha e conhecer, finalmente, o velho.

O vento soprava. A montanha [que ele se pôs a subir] formava um declive suave, bem onde ele se estendera. Mais embaixo, o declive precipitava-se, e ele podia ver a risca escura de uma estrada betuminosa serpenteando através do desfiladeiro. Havia um riacho correndo junto à estrada e ele viu uma serraria à margem, e, além do passo, uma represa com uma queda-d'água branquejando na luz do sol. O garoto usava alpargatas de solado de corda, estava ofegante por causa da subida e sua mão descansava numa das duas pesadas mochilas que trazia.

Na mochila maior estavam livros. Todos escritos pelo velho — em outros tempos e outros planos. Na menor, rascunhos à mão escritos pelo garoto, que estava tão ofegante e cansado quanto ansioso por conversar com aquele que soube escrever como poucos. Mas não era apenas isso, apesar de grandioso. Era também sobre a vida que o velho havia levado até ali que ele queria saber, e sorver.

Ao chegar no topo, o garoto viu uma casa de madeira e pedra, de onde saía uma fumaça branca de uma das chaminés. Pensou que deveria se aproximar devagar, e não queria mostrar ao velho que estava nervoso, ou que aquela seria uma viagem feita para bajulações. Não. Queria manter-se em condição de igualdade, pois estando nela poderia ouvir do velho posições mais verdadeiras, sem que houvesse melindres de tutor e pupilo.

Andou mais alguns metros e parou de frente para a casa. Mas, antes que pudesse chegar até a porta, o velho o recebeu com uma espingarda em punho.

—Quem é você, garoto? O que faz aqui?
— Calma! Não vim te atrapalhar em nada, apenas queria conhecê-lo. E já vi que é você mesmo.
—Você é muito novo para me conhecer, garoto. Quem te mandou aqui?
—Vim por minhas pernas, e pelas passadas de meu pai também, velho. Estou aqui por minha história, e como a vivi.
—Boa resposta. Entre. — disse o velho após uma breve pausa e uma baforada no charuto.

No interior da casa, o garoto e o velho conversaram sobre literatura, sobre vida e morte, sobre o local em que estavam, sobre filosofia, sobre bebidas, sobre armas, sobre mulheres e sobre escolhas. Essencialmente sobre escolhas.

Para mostrar conhecimento, o garoto perguntou ao velho por que dobram os sinos.

— Nenhum homem é uma ilha, um ser inteiro em si mesmo; todo homem é uma partícula do Continente, uma parte da terra. Se um pequeno torrão carregado pelo mar deixa menor a Europa, como se todo um Promontório fosse, ou a Herdade de um amigo seu, ou até mesmo a sua própria, também a morte de um único homem me diminui, porque eu pertenço à Humanidade.
— Isso é o que você escreveu velho. Não é nem de boca própria, aliás. Queria saber de você.
— O que quer de mim, garoto?
— O porquê dos sinos dobrarem.
— Por que tocam os sinos de uma igreja anunciando a morte de alguém? Ora, você quer saber o motivo, é isso?
— Sim.
— Não sei, garoto. Nunca vou saber, e você também não.
— Nunca?
— Não sei, também não sei se nunca. Mas sei de uma coisa: nunca procures saber por quem os sinos dobram. Eles dobram por ti.







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